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Cheguei em Berlim, na companhia do Dr. Rief. Durante todo o trajeto, ele falava incessantemente em coisas que nada me diziam, mas era fantástica a sensação de estar sendo tratado como alguém. Eu nada respondia. Na maioria das vezes, sinalizava com a cabeças em sinais de “sim” e “não” e tentava expressar com o rosto concordâncias e aversões. Ele me estimulava a falar, mesmo que ficasse depois tentando descobrir o que poderia significar a palavra confusamente proferida.
Nada disso importava, eu estava sendo alguém, considerado como Alguém. Um alguém que tinha agora um nome: Sr. Schäfer. Era eu. Não mais “ele”, “o paciente” ou outros nomes menos louváveis, mas Sr. Schäfer. Obviamente, ele sabia que isso me conquistava, mas era tão doce ouvir meu nome.
Entramos em Berlim de carro. Meus olhos extasiados. Eram tatos prédios, tantas pessoas, tantos sons ao meu redor. Hoje, fecho os olhos e consigo rever aquele momento como se fosse um momento mágico.
– Sr. Schäfer, Sr. Schäfer, o senhor está entrando na capital intelectual do mundo. Aqui é Berlim. De bárbaros ao ápice do homem civilizado, aqui, ouso dizer, estão as mentes mais geniais do mundo: as mais críticas, mais autorreflexivas, mais questionadoras e mais sábias.
Assim era o Dr. Reif. Acima de tudo, um germânico apaixonado. Não se julgava individualmente superior, senão indiretamente ao colocar todo o povo germânico como um exemplo acima dos demais povos para tudo, inclusive na violência e certas crueldades históricas. Apesar de tudo, amável ao seu modo, quase paternal para quem conseguia conhecê-lo com mais proximidade, como tive o prazer ao longo dos anos. Ele possuía certa condescendência ao se referir ao novo mundo, que me causava risos, e ainda hoje causa, por mais politicamente incorreto que fosse, pois eram de uma extrema petulância-inocente, no sentido de que não se dava conta do quão petulante e soberbo era em seus comentários, feitos com um intuito sincero de generosidade.
– Alguém precisa abrir os novos mundos deste globo enorme, Sr. Schäfer. De certo, não se pode esperar que as melhores mentes sejam deslocadas para tais funções. Por isso, é importante que permaneçam aqui na Alemanha para que seu tempo não seja desperdiçado em deslocamentos por terras selvagens ou despreparadas. Por outro lado, devemos reconhecer e valorizar esses homens heroicos que se empenham na tarefa de explorar e desenvolver um pouco do que temos para além dos oceanos, como a África e, principalmente, as Américas. Podem não ser pessoas com o mais elevado nível intelectual, mas possuem determinação e coragem valiosas para se lançar em um projeto de erguer novas nações. Cada um deve ser valorizado pelo melhor que tem a oferecer, mesmo que esse melhor seja muito pouco, Sr. Schäfer, ainda assim é o melhor possível para alguns.
Naquele ano, o Dr. Rief estava especialmente motivado. Falava com ansiedade e relances quase proféticos sobre a vindoura Conferência de Berlim, que discutira a partir de novembro daquele ano, a ocupação da África pela potências coloniais. Para ele, o Chanceler Otto von Bismarck, representava um dos mais nobres expoentes da nação. Ele se apropriava da frase de Bismarck, que dizia que as leis eram como salsichas, sendo bem melhor não ver como sçao feitas para as Ciências.
– Sr. Schäfer, minha visão sobre as Ciências é bastante próxima à de nosso nobre Chanceller em relação às Leis. São como salsinhas, melhor não ver como são feitas.
A partir desta visão, emergia o lado mais assustador do Dr. Rief, uma faceta que percebia como bastante elásticas as fronteiras das perdas em nome da evolução da ciência. Essa flexibilidade abria espaço para práticas cujos valores éticos estavam bastante afastados do que poderia ser considerado ético, tais como experimentos com humanos. E eu fui uma dessas experiências.
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