Guerra de Nervos #2


Houve alguns segundos de silêncio. Então, Gustavo caminhou até a cadeira que lhe cabia e se sentou, soltando o corpo pesadamente sobre o assento. Olhou para todos com um sorriso solícito e, após um suspiro profundo abriu a boca parecendo que iria iniciar sua justificativa.

– Nem vamos! – disse erguendo as sobrancelhas e sorrindo com simpatia.

A reação, decididamente, não era a que esperavam. Muitos acreditaram que ele estava apenas começando e que iria continuar. Outros reagiram ofendidos. Dentre os quais o Diretor-Geral, que pediu, rispidamente, explicações. Agora, era Nora quem sorria – coisa rara. Gustavo olhou para ela.

– Não podemos revelar nada, pois não temos nada a ser revelado. Como todos sabem, conheço Nora há longo tempo e, apesar das excessivas discordâncias pessoais, temos um bom diálogo profissional, além de ideias em comum. Isso nos levou a, de fato, pensar em um projeto conjunto. Bem, mas se vocês realmente querem saber sobre nossas atividades, acho que posso revelar um pouco, mas se trta de algo muito insipiente, pois estamos tendo uma série de discordâncias ainda não resolvidas. A ideia geral é desenvolver melhorias em nossos nanorobôs para que ele possa assimilar características.

– Não características, peças. – interrompeu Nora bruscamente.

– Não temos como incorporar peças de outro nanorobô dentro do corpo de uma pessoa. É inviável. – retrucou Gustavo.

– Discordo! – disse Nora secamente.

– Enfim, posso continuar… – olhou para Nora, que levantou o olhar em sinal de descrédito – O que mais nos estimula nessa troca de ideias é que apontam para uma forma de neutralizar a ação dos nanitas das corporações. Trabalhamos hoje com uma tecnologia bastante inferior.

– Dr. Gustavo, o que mais nos interessa – disse Beatriz, uma das Diretoras do Comando Imuno – é saber em que esta pesquisa avança em relação às nossas hipóteses sobre a ação em organismos imunes à ação dos nanitas.

– Perfeita sua pergunta, Dra. Beatriz. Em nada, absolutamente… nada. – deu ele uma pausa enfática, enquanto tamborinava os dedos na mesa. – Nos momentos em que a conversa com os colegas está nos entediando pelo excesso de tecnicismo e falta de conteúdo cultural preferimos abrir uma trégua em nossos conflitos pessoais e conversar sobre outros assuntos. Foi justamente em um desses momentos  que começamos a discutir esse projeto. Por essa razão não há nada a ser apresentado aos senhores. Se algum de vocês quiser algum dia se juntar a essas seções estão convidados, mas como os conheço relativamente bem, sei que não sobreviveriam a um minuto de conversa sobre tais assuntos sem ficar entediados ou envergonhados, dependendo da área de atuação específica de cada um. Mas que também não deixam de ser duas reações comuns à ignorância e menete fechada. – interropendo o movimento do Diretor-Geral que parecia pronto a explodir, Gustavo levantou-se e continuou falando com uma irritação pouco comum à sua personalidade calma e contemplativa – Acho que este inconveniente momento de sinceridade extrema justifica a ração pela qual não temos nada a relatar que seja do interesse do grupo, bem como o fato de que somos colegas de trabalho e de causa, mas nem por isso admito que os senhores se metam na minha vida ou queiram me tratar como se eu fosse um moleque. Se não estiverem satisfeitos com minha atuação, ponho-me a disposição para fazer alguma tarefa buroprática e deixar que alguns dos nobres burocratas aqui presentes se dediquem às pesquisas, mas sabemos todos quem é quem em qual área, não é?. – respirou fundo, sentou-se novamente – Então, podemos iniciar os assuntos realmente profissionais?

gráficos de control

O restante da reunião não apenas foi tenso, mas ficou evidente o desconforto de muitos com Gustavo e, de modo similar, o dele com a abordagem da Diretoria. Outras farpas foram trocadas de ambos os lados, durante as discussões. Ele chegou a provocar a Diretoria em alguns outros momentos com comentários ácidos. Insinuou que não via muita gente engajada em lutar contra as corporações, chamou-os, recorrentemente de burocratas, mas também foi alvo de muitos comentários maldosos. Houve quem insinuasse que quando o aceitaram na resistência acreditavam na sua capacidade, mas que depois de ano a única coisa efetiva que produziu foi um relatório sobre a ação da megacorporação União, da qual havia saído, e alguns planos de ação e gráficos de andamento de pesquisas que já estavam consideralvelmente atrasados. Outro comentário maldoso sugeria que se Gustavo havia desertado da União haveria razões para suspeitar que poderia fazê-lo novamente, mas desta vez com o Comando Imuno, que havi recebido ele e Nora. Este comentário, entretanto, marcou o final das alfinetadas, pois atingiu diretamente Nora, que também havia desertado da União juntamente com Gustavo.

Ela simplesmente se levantou e saiu da sala de reunião sem se despedir ou emitir qualquer som para desconforto de todos, inclusive Gustavo. Ao contrário da impressão negativa que Gustavo causava com seus comentários cáusticos, Nora era respeitada por todos e reconhecida como uma das figuras mais ativas e competentes da resistência.

Na verdade, os integrantes do Comando Imuno não suspeitavam que os comportamentos de ambos haviam sido planejados anos antes, quando descobriram o que de fato ocorria na União, ou seja, como esta megacorporação e algumas rivais controlavam mentalmente milhões de pessoas por manipulação biotecnológica desde o fim da Segunda Guerra Mundial. Gustavo e Nora resolveram que, apesar de ambos serem igualmente competentes, Gustavo agiria de forma relativamente negligente e inconveniente, enquanto ela exerceria plenamente seu potencial. A experiência anterior havia sido tão traumática e ambos se tornaram ligeiramente paranóicos com a possibilidade de que as mesmas situações viessem a se repetir.

CONTINUA

 

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