Neurônios-espelho- por Alexandre Key Teruya, José Eudes Neri, Kim Soares Marinho e Thaís Gregol de Farias

  1. mirror6Histórico

Os neurônios-espelho foram descobertos por acaso em 1994, na Universidade de Parma, na Itália, pelos neurocientistas Giacomo Rizzolatti, Leonardo Fogassi e Vittorio Gallese. As descobertas foram constatadas em macacos Rhesus¹.

A experiência deu-se da seguinte maneira: apesar do estudo ter como objetivo principal identificar qual área cerebral era ativada ao se executar determinada ação motora, a descoberta ocorreu quando Fogassi entrou no laboratório e apanhou uma uva passa; nesse momento, o cientista percebeu que os neurônios pré-motores do macaco dispararam da mesma forma como nos testes realizados intencionalmente. Fogassi e sua equipe concluíram, então, que o simples ato de visualizar já era capaz de ativar as áreas motoras cerebrais².

Posteriormente, cientistas de Groningen e da Califórnia constataram que os neurônios-espelho, além de serem ativados pela observação, também se tornavam ativos quando o indivíduo ouvia um som previamente escutado³.

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  1. Métodos de mapeamento e territórios do neurônio-espelho

Para o mapeamento do sistema de neurônio-espelho foram utilizados o fMRI (Ressonância Magnética Funcional), o PET (Tomografia por Emissão de Pósitrons) e SPECT (Tomografia por Emissão de Fóton Único)4.  Através desses métodos, identificou-se que os neurônios-espelho estão presentes em variadas áreas corticais frontoparietais (giro frontal inferior e córtex pré-motor5), principalmente na área de Broca (área relacionada com o desenvolvimento da linguagem oral e compreensão dos gestos linguísticos), além da parte anterior da ínsula.

 

  1. mirror7A independência do espelhamento em relação à memória

A captação e o entendimento dos atos externos pelos neurônios-espelho não depende necessariamente de nossa memória. Isso quer dizer que, mesmo visualizando ações nunca vistas por nós, os neurônios-espelho ainda assim serão ativados. Estimulados, o sistema de neurônios-espelho consegue identificar a área do córtex cerebral responsável pelos mecanismos musculares típicos de tal ação e provocar o ato do espelhamento.

 

  1. Intenção

Outra importante característica dos neurônios-espelho é de nos conferir a capacidade de compreender a intenção das ações. Por exemplo, em um vídeo que se mostra a ação de uma mão (pegar uma xícara), no contexto de uma mesa de lanche arrumada, fornece as pistas de que a mesa está preparada para se fazer um lanche e que a mão é de alguém querendo apreender a xícara para beber. Portanto, as áreas motoras, além de codificarem as ações, também estão envolvidas nas intenções8.

 

  1. mirror 8Neurônio-espelho na manifestação da empatia

Outros estudos relacionados aos neurônios-espelho dizem respeito à propriedade que, estes têm de simular a perspectiva do outro. Empatia é a denominação própria para tal característica que, em muito, se baseia na ação dos sistemas espelho juntamente com outros grupos neuronais9.

 

 

 

1395413_566139983439332_47938925_nA função da empatia nos dá a capacidade de compreender o meio externo e gerar sentimentos recíprocos como solidariedade e desejo de compartilhar experiências10.

 

  1. kântele-instrumento-pentatônico-usado para acompanhar contação de histórias na pedagogia Waldorf
    kântele-instrumento-pentatônico-usado para acompanhar contação de histórias na pedagogia Waldorf

    Música e NMS

A música sempre foi objeto de estudo e aperfeiçoamento do homem e é universal, está presente em várias culturas.

O homem cria, aperfeiçoa e passa às gerações os avanços da música. Não é necessário treinamento para apreciar uma música, apesar dos gostos musicais serem diferentes, conseguimos distinguir os tipos melódicos e guardar o ritmo, som e letra. Até a descoberta dos neurônios-espelho, o mecanismo de transmissão de conhecimento musical era desconhecido.

Em experimentos, pessoas que ouviam uma melodia por 30 minutos antes de treinar no piano, por exemplo, obtinham maior facilidade em aprender a executar a música. Isso acontece porque, enquanto se ouve a música, regiões do córtex pré-motor e giro frontal inferior são ativadas como se o próprio estivesse realizando os movimentos dos instrumentos da música, facilitando a execução conseguinte.

Obviamente, há a necessidade de muito treino para a execução perfeita, no entanto a observação, visual ou auditiva, se mostra essencial para aprimorar o aprendizado12, 13, 14. Quanto mais experiência musical o indivíduo possui, melhor é sua percepção emotiva em relação à música, principalmente aos sons vocais afetivos. Portanto, tais indivíduos exibem padrões de ativação diferentes enquanto estão escutando a música, e, até, podendo apresentar diferenças na anatomia cerebral. Podendo se inferir que a experiência é um fator importante na determinação caso a percepção emotiva irá entrar em equilíbrio com o que o músico está tentando transpor.

Não obstante, estudos mostraram que o MNS está mais prontamente preparado para ter empatia pela tradução das emoções em notas musicais naqueles indivíduos que não somente são profissionais da música, mas também aqueles que possuem a habilidade de produzir as mesmas notas com a mesma intensidade e sentimento. Entretanto, não é necessário que exista familiaridade do profissional com a música, apenas é necessário que ele saiba promover as notas separadas com a mesma intensidade sentimental que ele as escuta. 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21

A visualização da partitura em um papel, por profissionais da música, é vista nos exames como se o indivíduo fosse reproduzi-las. Logo, se fosse feito um exame do indivíduo vendo a nota e outra com ele cantando ou tocando, as mesmas regiões do cérebro seriam ativadas.11, 23

A música também está relacionada a emoções e lembranças.14 Uma rede motora-sensitiva se ativa ao ver alguém cantar ou tocar, sendo possível ser repassada a interação entre o emitente e o receptor, por isso podemos transformar vibrações sonoras em efeitos de emoção e lembranças.22

A vontade de dançar e cantar, os movimentos do corpo ao tocar um instrumento ou ouvir uma música são modulados pelo MNS do córtex fronto-parietal. Talvez por isso, existem regras e padrões que podem ser seguidos e repetidos tanto na música quanto na linguagem, indicando o funcionamento dos neurônios espelhos em ambas14

Através da monitoração de aparelhos específicos entendemos que, ao se ouvir uma melodia, o giro temporal superior é ativado, logo após as áreas do giro frontal póstero-inferior e córtex pré-motor também são ativadas como se o ouvinte estivesse executando-a, e a ínsula faz a comunicação com o sistema límbico, que irá avaliar a condição emocional da melodia.22

Confirmando tal conexão emotiva em meio musical, um teste com 22 indivíduos foi promovido para se determinar o tipo de sentimento que seria transmitido ao se escutar uma música. Dentre desse espaço amostral existiam pessoas que tinham experiência com música, e outras que não possuíam qualquer experiência. Para aprimoração do teste,foi tocada a obra de Chopin – Etude no. 3 em E maior, Op. 10 No. 3, “Tristesse”. A apresentação foi gravada em um computador para, então, ser colocado frente aos pacientes-teste uma imagem na tela com figuras de rostos em que demonstravam vários graus de felicidade, tristeza e emoções. Assim, as pessoas deveriam apontar para o que ela estava sentindo, e não o que elas achavam que Chopin queria demonstrar. Nos testes, demonstrou-se que os tempos flutuantes causaram ondas cerebrais dos participantes, em consonância com a música e, inclusive, as ondas do cérebro comparadas com as da música apresentavam uma enorme congruência e logo influenciando também na resposta emotiva15. Visualizamos, portanto, como o processo musical trabalha em relação ao sistema neurônio-espelho no humano.

 

  1. Localização dos neurônios-espelho
    Localização dos neurônios-espelho

    O sistema trimodal e a capacidade de percepção e predição

O sistema de neurônios-espelho compõem uma tríade: o componente visual, auditivo e visual 24. Estudos recentes revelaram que um número muito maior de regiões possuem propriedade de neurônio-espelho 25, tornando, portanto, esse sistema muito mais amplo do que é tipicamente descrito e conhecido 26.

O MNS parece ter uma importante função durante o crescimento e aprendizado infantil. Rizzolati propôs que nós entendemos o mundo ao nosso redor, mapeando os sons, as visões e a leitura, e com esse mapeamento simulamos situações como se estivéssemos as executando nós mesmos. Estudos comportamentais documentam que a observação e execução de ações humanas estão intimamente ligadas durante a infância27.

Portanto, acredita-se que nos emocionamos ao ver um filme, novela ou teatro porque nos colocamos no lugar dos personagens, mesmo sabendo que estes são fictícios.

Essa capacidade de entender o mundo ao nosso redor e nos colocar em situações que pertencem à realidade de outros, encaixa-se na chamada Teoria da Mente. Tal teoria ainda afirma que somos capazes de prever os acontecimentos e o estado mental alheio.

O sistema trimodal trabalha junto para nos garantir uma percepção adequada do meio em que estamos inseridos. Estudos revelaram que se um de seus componentes estiver deprimido, como, por exemplo, em crianças surdas, os neurônios-espelho primeiro tentam se reorganizar, caso isso não seja possível, entra em um estado deficitário de suas funções 28.

Para o estudo desse desenvolvimento ao longo da vida do homem, analisou-se o ritmo Mu em comparação a várias fases da vida, indicando a ligação entre o fenômeno da observação e a execução durante a infância 27.

Outra característica muito comum é imitar, mesmo sem consciência, os comportamentos dos indivíduos de nosso meio social, como mexer no cabelo, chorar, dar risada, falar em tom mais alto e etc29. Essa existência de um sistema de imitação efeito indica o desenvolvimento da criança.

Um grupo de cientistas chegou à conclusão que a razão pela qual imitamos é devido ao acionamento de nossas próprias áreas motoras pelo MNS ao visualizarmos as ações alheias 30. A imitação serve como um mecanismo sócio-emocional, atribuindo valores afetivos e comunicativos. (Meltzoff et al., 2009).

A partir de resultados de EEG em crianças foi possível corroborar que há um desenvolvimento evidente associado às áreas de desenvolvimento da cognição e emoção na infância. Sendo observado em adultos, o ritmo Mu é reduzido em amplitude através da movimentação. Tal redução na amplitude Mu em sítios centrais associados ao movimento é devido a uma dessincronização – associado com o processamento cortical de informações relacionadas ao movimento. Estudos em infantes por meio de sinais EEG indicaram certa similiaridade nas propriedades do ritmo Mu dos adultos 31. Um dos exemplos que Van Elk et al. (2008) demonstrou foi que crianças com experiência de engatinhar mostraram uma dessincronização no EEG vendo vídeos de engatinha se comparados a crianças que já sabiam andar 32.

mirror

A imitação é um importante componente da empatia. Desde crianças, através da ação do sistema trimodal, mimetizamos as ações dos pais, dos amigos e professores. A imitação fomenta semelhanças no comportamento, cognição e sentimento, agindo como uma “Cola Social” que nos insere nos padrões comportamentais ao qual vivemos. (J. Decety, W. Ickes. The Social Neuroscience of Empathy)

 

Alexandre Key Teruya, José Eudes Neri, Kim Soares Marinho e Thaís Gregol de Farias-graduandos de Medicina-XIVa turma-UFGD

 

 

Referências

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