Adversidades na infância, epigenética e Diabetes Mellitus- por Mateus Lima do Prado, Matheus Timm Avila e Thaís Gassi Jorge
Introdução

O funcionamento e a organização do cérebro humano dependem de experiências que influenciam a expressividade genômica. Níveis anormalmente elevados de estresse, principalmente em crianças, podem lesar o desenvolvimento cerebral, afetando também, e muitas vezes de forma permanente, as atividade dos sistemas neurorregulatórios. Isso ocorre porque a infância é um período distinto marcado pelo elevado grau de neuroplasticidade, desenvolvimento físico e psicológico, com mudanças comportamentais e formação da personalidade.
Situações de grande estresse, trauma ou privações principalmente durante o período fetal e na infância podem levar a alterações marcantes em grupos metil, adicionando sinais químicos ao DNA que acabam modificando a expressão de determinado gene, porém sem modificar a sequência genética primária. Essas mudanças são denominadas de epigenéticas.
A metilação do DNA influencia a organização da cromatina e leva à repressão de genes e elementos transponíveis. As modificações pós-traducionais que podem ocorrem em proteínas histonas são muitas e podem ocorrer em diferentes aminoácidos e em diferentes posições, resultando em uma multiplicidade de combinações em um verdadeiro “código de histona”, e elas são interpretadas por diferentes fatores celulares.
As marcas epigenéticas atuam simultaneamente para regular a transcrição gênica em um processo complexo, e pequenas falhas no estabelecimento ou manutenção desses podem desencadear o desenvolvimento de patologias, como a encontrada em síndromes genéticas, câncer, obesidade, diabetes. Devido ao grande número de doenças, muitas pesquisas têm sido realizadas na busca de drogas capazes de reverter esses defeitos epigenéticos.
Discutiremos mais a fundo o desenvolvimento da epigenética diante de situações traumáticas na infância e a deflagração do diabetes mellitus (DM).
Adversidades na infância, epigenética e Diabetes Mellitus
O diabetes mellitus é uma síndrome de comprometimento do metabolismo dos carboidratos, das gorduras e das proteínas, causada pela ausência de secreção de insulina ou por redução da sensibilidade dos tecidos à insulina. Um aspecto característico desta doença consiste na resposta secretora defeituosa ou deficiente de insulina, que se manifesta na utilização inadequada dos carboidratos com consequente hiperglicemia, ou seja,o diabetes é decorrente da deficiência na produção ou ação da insulina.
A metilação do DNA é o mecanismo mais estudado na epigenética. Um estudo comparou 28 crianças: 14 que moravam em orfanatos desde o nascimento e 14 que moravam com seus pais. Constatou-se diferenças de metilação entre essas crianças em vários locais de CpG em genes envolvidos na resposta celular e sistemas de sinalizações.
Outro estudo relacionou maus tratos a diferenças na metilação, através da comparação entre crianças maltratadas com o controle normal. Foi observado que a maior parte da metilação CpG ocorreu em regiões intergênicas com genes que estão relacionadas com doenças ligadas com adversidade na infância como PTPRN2 que está associado a risco de depressão, dependência de substâncias e diabete insulino-depedente. O gene PTPRN2 é responsável pela síntese da proteína PTPRN2 também conhecida como proteína auto-antígeno relacionado à células da ilhota (ICAAR) que é um receptor da proteína tirosina-fosfatase de N2 (R-PTP-N2). O gene PTPRN2 é, então considerado um importante auto-antígeno associado ao diabetes mellitus tipo 1 (autoimune). Ainda, observou-se metilação em genes envolvidos em processos biológicos importantes, como no diabetes mellitus tipo2, a sinalização da leptina.
A leptina é um hormônio peptídico formado por 167 aminoácidos, transcritos a partir do gene ob, que foi originalmente clonado em camundongos. Sua estrutura é semelhante à das citocinas, do tipo interleucina-2 (IL-2), sendo produzida principalmente no tecido adiposo branco . É sintetizada no estômago, placenta, glândula mamária e músculo-esquelético.
Possui propriedade inibidora do apetite que se deve ao mecanismo de sinalização da leptina no hipotálamo: os neurônios do núcleo arqueado, que é uma região do hipotálamo, apresentam receptores de leptina. A ligação da leptina ao seu receptor estimula a síntese de neuropeptídeos anorexigênicos como: POMC, a-MSH, CRH e CART que diminuem a ingestão de alimentos porque provocam a sensação de saciedade. Os neuropeptídeos anorexigênicos, por sua vez, inibem a síntese de NPY pelos neurônios neuropeptidérgicos do núcleo arqueado, que estimula a ingestão de alimentos (neuropeptídeo orexigênico) e inibe a termogênese.
Além disso, uma queda nas concentrações de leptina aumenta a produção de NPY no núcleo arqueado e MCH e orexina na área hipotalâmica lateral. Tais peptídeos orexigênicos atuam no encéfalo estimulando o comportamento alimentar e diminuindo o metabolismo. O sistema MCH está em uma posição estratégica para informar o córtex sobre as concentrações circulantes de leptina contribuindo significativamente na motivação da busca por comida.
Na metilação, em que há defeito na sinalização da leptina, ela não consegue se ligar aos seus receptores no núcleo arqueado do hipotálamo e consequentemente não há inibição do apetite o que pode levar à obesidade, aumento da glicemia e insulino-resistência causando o diabetes mellitus tipo 2.

Conclusão
O diabetes merece toda a atenção, pois acomete cerca de 194 milhões de pessoas no mundo todo, com previsão de que esse número dobre até 2015. Além disso, a doença evolui para complicações sérias que podem levar ao óbito caso não for tratada de forma adequada, tais como aterosclerose, microangiopatia, nefropatia diabética, neuropatia, entre outros.
Dessa forma, é de extrema importância a compreensão de todos os fatores que podem levar a seu desenvolvimento e complicações. O estudo do estresse relacionado a elevação dos níveis de cortisol e ao consequente desenvolvimento do diabetes já foi bem alicerçado e desenvolvido. No entanto o desenvolvimento do diabetes relacionado ao estresse e à epigenética ainda precisa ser melhor estudado, com esperanças para o combate profilático da doença desde o início da vida e a criação de novos mecanismos de tratamento.

Mateus Lima do Prado, Matheus Timm Avila, Thaís Gassi Jorge: graduandos do curso de medicina XIIIa turma-FCS-UFGD
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Eu tenho 53 anos e faço uso do glifage , ainda não estou
na faixa etária que está sendo vacinada, devo procurar um
posto para me vacinar com antecedência?
Achei muito bom seu artigo! Vai me ajudar bastante.
Parabéns pelo seu trabalho!
Minha glicose chegou a 309, tenho feito controle atraves de
uso de medicamento e mudança de alimentação.É possivel
controlar a glicose somente com a mudança de alimentação?