Aprendizado Motor – parte 1, por Érica Navarro Scaliante
Aprendizado Motor
O aprendizado motor pode ser definido como o conjunto de processos neuronais desencadeados por treino e repetição de um determinado movimento, resultando no desenvolvimento e aprimoramento da habilidade em questão, com relação à precisão da ação coordenada dos grupos musculares envolvidos, à rapidez na execução da tarefa e à exatidão do movimento final. Permite de certa forma uma interação harmônica do indivíduo com o meio e possibilita ao ser humano que efetue tarefas motoras muitas vezes complexas como, por exemplo, acertar um alvo, chutar uma bola ou dançar.
Esse aprendizado é resultante da interação de diversas áreas do sistema nervoso, central e periférico, as quais se comunicam através de circuitos neuronais complexos, fornecendo uma rede de informações que, condensadas, permitem a avaliação do movimento em questão e, então, a organização e execução de correções para a realização de um movimento mais adequado.
Para compreendermos tais mecanismos convém dividir o movimento, didaticamente, em três etapas: a de planejamento, a de execução e, por último, a de correção.
Planejamento
O córtex pré – frontal e o córtex parietal posterior (áreas 5 e 7 de Brodmann) são as regiões primariamente envolvidas no planejamento motor. O córtex pré – frontal, mais especificamente a região cortical dorsolateral pré – frontal esquerda (áreas 9 e 46 de Brodmann), se relaciona com o desejo e a intencionalidade de se realizar um movimento. Já o córtex parietal posterior está ligado à cognição espacial, permitindo ao indivíduo obter a real percepção sobre a atual posição do seu corpo no espaço com noções de profundidade, solidez e distância, bem como as relações espaciais entre os objetos do ambiente em questão. Isso é possível porque recebe aferências do córtex somatossensorial primário (áreas 1, 2 e 3 de Brodmann) e de áreas corticais visuais (áreas de Brodmann 18 e 19) e, a partir delas, organiza interações multimodais relacionadas à percepção espacial.

A região cortical dorsolateral pré – frontal esquerda e o córtex parietal posterior, que representam o nível de maior hierarquia no controle motor, enviam axônios que convergem para a área 6 de Brodmann (área motora suplementar) a qual, por sua vez, gera a partir das informações recebidas uma “imagem motora” a ser executada e, por conseguinte, envia seus sinais de comando diretamente ao córtex motor primário (área 4 de Brodmann).
Contudo, antes que o córtex motor primário inicie a execução dos comandos motores, os núcleos da base agem controlando o nível das aferências excitatórias dos neurônios talâmicos sobre o córtex motor (facilitando ou dificultando a excitabilidade dos neurônios corticais motores). Os núcleos da base agem, deste modo, como um filtro ao selecionar o movimento a ser executado.
O cerebelo também contribui com o planejamento motor. Através da via córtico – ponto – cerebelar as áreas motoras superiores enviam eferências relacionadas à “intenção do movimento”, fazendo sinapses com neurônios do núcleo denteado. O plano motor idealizado pelo cerebelo retorna então para áreas motoras do córtex pela via denteado – tálamo –cortical.

Execução
A segunda etapa, de execução do movimento, é comandada pela área motora primária (área 4 de Brodmann) por meio de eferências que descendem pelo trato córtico – espinhal até as sinapse com os motoneurônios alfa, os quais promovem a contração de conjuntos de fibras musculares específicas ao movimento desejado.
Correção
Uma vez iniciado, o movimento passa a ser controlado pela zona intermédia do cerebelo, composta pela porção intermediária dos hemisférios e núcleos interpósitos (globoso e emboliforme). Ela recebe aferências sensoriais provenientes da medula através dos tratos espino – cerebelar – anterior e espino – cerebelar – posterior, os quais fazem sinapse com os núcleos interpósitos do cerebelo. O trato espino -cerebelar – anterior informa ao cerebelo quais comandos motores chegaram aos cornos anteriores da medula por meio do trato cortico – espinhal. Já o trato espino – cerebelar posterior deixa o cerebelo a par da intensidade de contração muscular e tendinosa, através de aferências provenientes dos fusos neuromusculares e órgãos tendinosos de Golgi.
Tendo estas informações, o cerebelo compara as características do movimento em execução com o plano motor prévio e promove as correções necessárias. Em seguida, envia eferências pela via interpósito – tálamo – cortical até o córtex motor primário a fim de que seja executado o movimento com as devidas correções.

Pode-se afirmar que o cerebelo aprende com os seus erros. Quando o movimento não ocorre como o planejado, o circuito cerebelar básico (composto pelas células de Purkinje, fibras trepadeiras e fibras paralelas) se reorganiza, por meio de alterações na excitabilidade de neurônios cerebelares. As fibras em trepadeira, originadas das olivas inferiores do bulbo, alteram a sensibilidade das células de Purkinje, regulando a intensidade com que esse grupo de células inibe os núcleos profundos do cerebelo, os quais representam a via de saída do circuito cerebelar. Assim, após um ato motor ter sido realizado várias vezes, ele se torna cada vez mais preciso.

Tal mecanismo é um exemplo de neuroplasticidade ou plasticidade neural, a qual pode ser definida como a capacidade do sistema nervoso alterar sua estrutura e função a partir dos padrões de experiência, baseando-se no preceito de que o cérebro é um órgão dinâmico e adaptativo, capaz de se remodular em função de novas exigências ambientais.
Dessa forma, ou seja, pela neuroplasticidade se modula a intensidade e o ritmo de saída dos impulsos cerebelares eferentes, o que, em última instância, contribui para que as contrações musculares correspondam melhor aos movimentos intencionados.
Érica Navarro Scaliante. Acadêmica do quarto ano de Medicina da Universidade Federal da Grande Dourados (Xa TURMA).
Amei a pesquisa. Artigo interessantíssimo e de grande valor científico para a Neuropsicopedagogia. Muito agradecido.
Estou cursando a especialização em Neuropsicopedagogia e achei bem didática a explicação da Erika para a explicar o aprendizado motor.
Achei muito elucidativo. Estou fazendo pôs em optometria avançada e me apaixonei pela neuro optométria. Estudando sobre o assunto, achei seu artigo, que mé fez entender sobre o aprendizado de concertina, instrumento que toco no folclore português. Toco “de ouvido”, e sempre me intrigou o fato de ter facilidade de aprender um instrumento , pelo lado mais difícil. Esse instrumentomnao nao tem teclas igual ao piano, e sim botões . São três carreira de botões do lado direito onde se executa a melodia. As notas, para mim , são pouco importantes, pois memorizei o desenho que tenho que fazer para executar cada música , olha que irado!!!!!. As vezes demoro um pouco para lembrar a música , mas quando alguem boceja um pedacinho dela , o desenho vem automaticamente na cabeça. Gostei muito da forma como vc expôs o tema . Parabens. DISC.
Descoberta sensacional da neurociência:
Pesquisa com estimulação magnética transcraniana descobre que pessoas com gagueira integram som e movimento em parte diferente do cérebro: http://bit.ly/gagueira-som-mov
Presumo que a Érica Navarro vá gostar bastante da informação.
Repassem, por favor.
Obrigado.
Dr. Érica! Sou academica e me fica uma dúvida a respeito. Um individuo que sofre de praxia na execução do processamento sensorial. Pode chegar a uma resposta positiva com aprendizado motor? De quais tipos?
Gostei muito, muito mesmo do artigo aprendizagem motor 1. Elucidativo, direto e de simples compreesào. Encaminhei-o para meus colegas e professores de cavaquinho e de Pilates. Entender o processo que permite que se planeje,execute, grave e aprimore os movimentos necessários para reproduzir melodias em instrumentos musicais ou desempenhar de forma harmoniosa séries de movimentos corporais, os interessará. Muito obrigada pelo envio.