Aprendizado motor-parte 2: Neurociência da dança-por Valquíria Merjan de Figueiredo.
Autora: Valquíria Merjan de Figueiredo
Neurociência da dança
“A Dança é, na minha opinião, muito mais do que um exercício, um divertimento, um ornamento, um passatempo social; na verdade, é uma coisa até séria e, sob certo aspecto, mesmo, uma coisa sagrada. Cada era que compreendeu a importância do corpo humano, ou que, pelo menos, teve a noção sensorial de sua estrutura, de seus requisitos, de suas limitações e da combinação de genialidade que lhe são inerentes, cultivou, venerou a Dança.” (Paul Valéry)


Dançar é movimentar o corpo de forma ritmada e exige coordenação no espaço e no tempo. É um comportamento humano universal e está presente em todas as culturas e de variadas formas: como divertimento, como manifestação artística ou como parte de cerimônias. No antigo Egito, por exemplo, já se realizavam as chamadas danças astroteológicas em homenagem a Osíris (deus da mitologia egípcia relacionado à vegetação e ao “julgamento final”). Na Grécia, a dança era frequentemente vinculada aos jogos olímpicos.
“A dança é a linguagem escondida da alma.” (Martha Graham)

Apesar de essa ser uma das formas mais antigas de expressão humana, somente nos últimos anos tem despertado curiosidade nos neurocientistas. Pesquisadores têm analisado imagens das áreas cerebrais ativadas durante a dança em dançarinos profissionais e amadores. O que se pode dizer é que, basicamente, para dançar são necessários: consciência espacial, equilíbrio, intenção e sincronismo. Todos esses aspectos estão relacionados com o sistema sensório-motor do cérebro.
Ao se dançar, inicialmente duas áreas do cérebro têm fundamental importância: o lobo frontal e o lobo occipital. No lobo frontal encontram-se as áreas motora primária (área 4 de Brodmann, correspondente ao giro pré-central), motora suplementar (área 6 de Brodmann – face medial do giro frontal superior) e pré-motora (toda a extensão lateral da área 6 de Brodmann) . Todas estão relacionadas aos movimentos voluntários, ou seja, ao planejamento e elaboração dos movimentos. Nesse lobo está presente, também, o córtex pré-frontal, vinculado às características próprias de cada indivíduo de “como” dançar (intenção/vontade). No lobo occipital, em contra partida, encontram-se os córtices visuais primário e associativo, responsáveis pelo processamento das informações visuais. Tais informações não são imprescindíveis, porém, contribuem com a consciência espacial.
O Ato Motor Voluntário
O ato motor voluntário pode ser dividido em três etapas:
- Intenção
- Preparação – onde será elaborado um programa motor: a imaginação visual é utilizada para planejar um movimento (ensaio mental do movimento)
- Execução.
A intenção de realizar o movimento depende de áreas de associação supramodais do córtex, como a área pré-frontal. Esta área corresponde à parte anterior não-motora do lobo frontal e recebe fibras de todas as demais áreas de associação do córtex, conectando-se ainda com estruturas do sistema límbico (relacionado com a motivação) e com o núcleo dorsomedial do tálamo. Todas as funções da área pré-frontal ainda não estão definidas, mas sabe-se que ela está envolvida na escolha comportamental adequada à situação do indivíduo, na manutenção da atenção, criando a capacidade de seguir sequências ordenadas de pensamentos e no controle emocional.
As informações do córtex pré-frontal são então transmitidas para áreas responsáveis pela etapa da preparação do movimento: área motora suplementar, corpo estriado e cerebelo.
A área motora suplementar faz conexões com o corpo estriado, com o tálamo e com a área motora primária. Está relacionada com a programação de sequências complexas de movimentos. Interessantemente, esta área é ativada sozinha quando o indivíduo repete mentalmente uma sequência de movimentos sem, entretanto, executá-los.
O núcleo caudado, subjacente a todos os lobos do telencéfalo, desempenha papel importante no chamado “controle cognitivo da atividade motora”, isto é, determina e seleciona subconscientemente quais padrões de movimento serão usados. O circuito do caudado inicia-se com grande quantidade de aferências advindas de diferentes áreas do córtex cerebral de associação. A seguir, esses sinais são transmitidos para o globo pálido, em seguida para os núcleos de retransmissão do tálamo (núcleos ventral-anterior e ventrolateral) e, por fim, voltam para as áreas motoras secundárias (pré-motora e suplementar). Somente através dessas áreas, os sinais chegam até a área motora primária (etapa de execução).
Quando a dança a ser executada já possui padrões aprendidos de movimento, outra via neuronal é ativada: a dos circuitos do putâmen. A via inicia-se nas áreas pré-motora e suplementar do córtex motor e nas áreas somatossensoriais do córtex sensorial. Seguem, então, até o putâmen e depois para o globo pálido, subtálamo, substância negra e, a seguir, para os núcleos de retransmissão do tálamo (núcleos ventral-anterior e ventrolateral). Finalmente, retornam diretamente ao córtex motor primário e às áreas pré-motora e suplementar do córtex motor.
O cerebelo atua na etapa de preparação motora através da via córtico-ponto-cerebelar. Essa via se origina no córtex dorso-lateral pré-frontal com aferências para o hemisfério contralateral do cerebelo (zona lateral) por meio dos núcleos pontinos e dos tratos pontocerebelares.
O programa motor elaborado, então, será enviado à área motora primária que, através do trato córtico-espinhal, atuará sobre os motoneurônios alfa na medula espinhal, determinando a contração dos músculos responsáveis pelo movimento da dança na sequência temporal adequada, iniciando a etapa da execução motora.
O significado funcional da área pré-motora ainda é controverso. Existem evidencias de que ela atua nas etapas de preparação e de execução do movimento. Nas atividades motoras guiadas por estímulos sensoriais externos (como a dança), ela atua no processo de programação. Além disso, através da via córtico-retículo-espinhal, a área pré-motora coloca o corpo em uma posição básica preparatória para a realização de movimentos delicados. É através do trato retículo-espinhal que se dá o controle motor da musculatura axial e da musculatura proximal dos membros.
Modulação dos movimentos

Uma vez executado o movimento, os órgãos sensoriais musculares (fusos musculares e órgãos tendinosos de Golgi) transmitirão informações sensoriais sobre as características dos movimentos realizados ao sistema nervoso central através dos tratos espino-cerebelares e da via interpósito-tálamo-cortical. Inicia-se, assim, a modulação do movimento (“ajuste fino”) e a manutenção do equilíbrio.
As informações medulares chegam, então, à zona intermédia do cerebelo, através das fibras musgosas, que, por sua vez, penetram a camada granular do córtex cerebelar e estimulam, em seguida, os núcleos cerebelares. Os núcleos são, então, inibidos pelas células de Purkinje e os sinais corrigidos seguem em direção ao córtex motor, passando pelo núcleo interpósito do cerebelo e pelo tálamo.
A temporização e a graduação (dimensão) do movimento dependem dos gânglios da base e da sua relação com o córtex cerebral, principalmente com o córtex parietal posterior (precuneus – área 7 de Brodmann). Essa relação se dá através do circuito que envolve o núcleo caudado, através do qual os gânglios da base interagem, em especial, com áreas de associação. O precuneus é uma das áreas de associação e contém uma espécie de mapa cinestésico que garante a consciência do posicionamento do corpo a partir de uma perspectiva egocêntrica, controlando a ação motora de todas as partes do corpo e a do corpo e de suas partes com o que está em sua volta. Além disso, essa área também é ativada durante o ensaio mental do movimento.
Outro mecanismo que permite a correção dos movimentos é o reflexo transcortical, pelo qual a atividade dos neurônios corticais pode ser modificada através de informações sensoriais proprioceptivas e exteroceptivas advindas do segmento onde ocorre o movimento. Ou seja, há uma compensação automática da força muscular necessária para a realização do movimento.
O movimento associado à música

Um aspecto interessante é o papel da porção anterior do vérmis do cerebelo: essa área é considerada o “grande maestro” do corpo porque os passos de dança sincronizados com música geram significativamente mais fluxo de sangue nesse local que a dança auto-ritmada. De maneira geral, o cerebelo como um todo atende a todos os critérios para um bom metrônomo neural: recebe uma ampla gama de informações sensoriais dos sistemas corticais auditivo, visual e somatossensório – uma capacidade necessária para sincronizar movimentos com diversos estímulos, desde sons até flashes luminosos e toque.
Outra área cerebral descoberta como envolvida diretamente com a capacidade humana de ritmo é o núcleo geniculado medial, encontrado na extremidade posterior do tálamo. Essa área faz parte da via auditiva inferior. Estudos de imagem demostram que o fluxo sangüíneo nesta região não aumenta somente quando há estímulo auditivo, mas sim quando há presença de música associada a movimento ritmado. Essa descoberta sugere a presença de mais de um circuito envolvido na dança e no sincronismo inconsciente: uma mensagem auditiva neural se projeta diretamente nos circuitos auditivos e de ritmo presentes no cerebelo, desviando-se de áreas auditivas superiores no córtex cerebral. Esse sincronismo inconsciente explica porque um bebê, ao ouvir uma música, realiza movimentos ritmados espontaneamente.
As alças interna e externa do movimento

Quando dançamos, todas as áreas descritas são ativadas, entretanto, o grau de ativação pode variar de acordo com o tipo do movimento: auto-guiado (gerado internamente) e bem aprendido ou guiado visualmente. O circuito relacionado com o primeiro é chamado de alça interna do movimento e o relacionado com o segundo, de alça externa do movimento.
Na alça interna, núcleos da base e área motora suplementar são mais ativados. Isso porque, como já foi dito, o circuito que envolve o putâmen acontece quando a dança a ser executada já possui padrões aprendidos de movimento. Isto também explica porque a área motora suplementar é ativada no processo de ensaio mental do movimento.
Na alça externa, o aumento do fluxo sanguíneo ocorre no cerebelo, no córtex parietal posterior e no córtex pré-motor. O cerebelo é mais ativado principalmente devido às suas vias associadas à correção do movimento que ainda está em processo de aprendizado. Nesse tipo de movimento, o sistema límbico-associado ao processamento emocional-é estimulado e neurônios-espelho são disparados, principalmente nos córtices parietal e pré-motor. Os neurônios-espelho têm importância crucial na interpretação da intenção de comportamentos observados em outras pessoas, permitindo a sua imitação.
Outro fato curioso é que estudos demonstram que o movimento das pernas durante a dança ativa a área do hemisfério direito correspondente à área de Broca, o que dá sustentação à idéia de que a dança se inicia como uma forma de comunicação representativa.
A dança e a alma
A dança? Não é movimento
súbito gesto musical
É concentração,num momento,
da humana graça natural
No solo não,no éter pairamos,
nele amaríamos ficar.
A dança-não vento nos ramos
seiva,força,perene estar um estar
entre céu e chão,
novo domínio conquistado,
onde busque nossa paixão
libertar-se por todo lado…
Onde a alma possa descrever
suas mais divinas parábolas
sem fugir a forma do ser
por sobre o mistério das fábulas
Ola! Parabéns pelo blog!
Gostaria de saber mais sobre as referências bibliográficas do artigo.
Atualmente desenvolvo um estudo na área para minha pós graduação.
Atenciosamente
Sendy
Olá! Achei bem completo o seu artigo, parabéns!!! Poderia indicar a bibliografia utilizada, por favor? Desde já, obrigada!
qual a referência Bibliográfica ?
Este é um blog que acompanho com MUITO prazer. Sempre enriquecedor.
Oi,Carla!
Suas palavras nos deixam muito felizes e motivados! Estamos abertos a críticas, a contribuições e a debates.
abraços
Elisabete Castelon Konkiewitz e equipe do blog
Vamos ler agora. Espetacular. Pai e Mãe