Mente e cérebro: por dentro da Síndrome de Tourette , por Helder Freitas dos Santos: resenha do artigo “The role of the autonomic nervous system in Tourette Syndrome”
The role of the autonomic nervous system in Tourette Syndrome.
Hawksley J, Cavanna AE, Nagai Y.Front Neurosci. 2015 May 27;9:117. doi: 10.3389/fnins.2015.00117. Review. PMID:26074752Free PMC Article

A Síndrome de Tourette (ST) é um transtorno caracterizado pela presença de tiques vocais e motores. Para o diagnósticos, estes tiques devem perdurar por pelo menos um ano e ter um impacto importante na vida do paciente.
A ST pode estar associada à baixa autoestima, ao comprometimento do rendimento escolar e à presença de dificuldades nas relações socioafetivas e familiares. Foi descrita pela primeira vez em 1825, pelo médico francês Jean-Marc Gaspard Itard, que atuava na Instituição Real para surdos-mudos de Paris. Os relatos de Itard referem-se ao estranho comportamento da Marquesa de Dampièrre, nobre francesa de 26 anos que emitia sons e proferia obscenidades, o que a obrigou a viver reclusa durante grande parte de sua vida.
De acordo com este estudo, a ST é mais comum do que o estimado historicamente, afetando entre 0,3 e 0,4% das crianças em todo o mundo, com alguns relatórios indicando uma prevalência de até um por cento da população geral. A ST é mais comum em crianças, sendo quatro vezes mais comum no sexo masculino.

Geralmente é aceito que a ST é causada por uma falha da ação inibitória dentro de um circuito córtico-estriato-tálamo-cortical que suprime impulsos premonitórios para o movimento. As alterações anatômicas e neuroquímicas que fundamentam as manifestações clínicas da ST não são claras.
No entanto, vários estudos têm sugerido que alterações funcionais e estruturais nos circuitos em que os núcleos da base estão envolvidos, e em outros sistemas neuronais, desempenham um papel na complexa sintomatologia da doença.
O córtex frontal, os gânglios basais e o tálamo desempenham um papel importante na coordenação e no controle motor. Enquanto o córtex motor e o pré-motor dão a ordem para o movimento voluntário, os gânglios da base atuam selecionando o padrão de movimento, ou o comando motor que será inibido e o que será liberado para a realização de fato.
Algumas investigações através de neuroimagem reveleram aumento na ativação em áreas motoras em pacientes com ST, em comparação com controles saudáveis.
Estudos com diferentes técnicas de ressonância magnética (RM) e investigações eletrofisiológicas que exploraram a inibição neuronal identificaram alterações em áreas cerebrais no nível dos circuitos córtico-estriado-tálamo-corticais, que geram uma desinibição dos sistemas motores e límbicos, desconhecendo-se, no entanto, ainda a alteração subjacente a este déficit inibitório.
A ST é uma situação clinicamente complexa, que pode implicar em significativa incapacidade familiar e social. Os indivíduos que têm esta síndrome são muitas vezes mal compreendidos e a situação nem sempre é bem diagnosticada, dado que os sintomas surgem geralmente numa fase da vida particularmente vulnerável dos doentes-infância e adolescência. A abordagem terapêutica é multifacetada e implica na busca de novas estratégias.
Pacientes com ST geralmente relatam sintomas consistentes com o desequilíbrio do Sistema nervoso autônomo (SNA), sob a forma de hiperatividade simpática, como aumento de frequência cardíaca, da temperatura corporal, nervosismo e agitação. O SNA contêm nervos com fibras sensoriais e motoras que conferem controle aos mecanismos involuntários e vitais (funções vegetativas) fundamentais à homeostase (equilíbrio dinâmico do metabolismo) como a contração da musculatura lisa das vísceras, a secreção glandular, os ritmos cardíaco e respiratório. O SNA é dividido em Sistema nervoso simpático e Sistema nervoso parassimpático, dois conjuntos distintos de nervos que controlam, em geral, os mesmos órgãos de forma antagônica. Os nervos simpáticos têm ação de colocar o organismo em estado de prontidão e alerta em situações de estresse. Os nervos parassimpáticos atuam levando o organismo a um estado de relaxamento.
O aprendizado de técnicas de relaxamento pode atuar terapeuticamente em pacientes com ST, entretanto em alguns estudos apenas o relaxamento demonstrou não ser eficaz na redução da frequência dos tiques. A terapia de relaxamento é muitas vezes composta por redução do tônus muscular, controle da respiração, no entanto normalmente falta o acompanhamento das medidas fisiológicas para elucidar os mecanismos de efeito terapêutico.

Retroalimentação Biológica
Biofeedback é um termo do inglês criado em 1969 para descrever o processo de leitura, armazenamento e amplificação de sinais fisiológicos emitidos por um organismo vivo e apresentação desse através de mecanismos e interfaces compreensíveis, como mídias. A retroalimentação em tempo real proporciona ao organismo a possibilidade de tomar consciência das informações obtidas e as aprimorar, através dos mecanismos de aprendizagem, treinamento e autorregulação. São retroalimentados sinais provenientes de diferentes sistemas que formam o organismo, mas não limitados a esses: Sistema Nervoso Central (SNC) NEUROFEEDBACK, Sistemas Nervosos: Periférico (SNP) e Autônomo (SNA) BIOFEEDBACK.
Texto disonível em:http://conferencia2015.abbio.com.br/institucional/biofeedback/
Mais informações: http://www.requiemsaint.com/modern-use-of-biofeedback/
Além das diferentes técnicas de relaxamento, a modulação do sistema nervoso autônomo também pode ser realizada
através da estimulação do nervo vago (ENV) e através de biofeedback. O ENV funciona com auxílio de um dispositivo pulsátil, que, ao estimular eletricamente o nervo vago, modula diretamente sinais aferentes interoceptivos, que são mensagens da periferia (dos terminais nervosos que aferem o estado dos órgãos internos, como frequência cardíaca, pressão arterial, motilidade gastro-intestinal, pH do sangue) para o sistema nervoso central. Alguns estudos relataram melhorias através de ENV nos sintomas motores e vocais em pacientes com ST, entretanto a eficácia deste tratamento não foi confirmada até o momento por estudos clínicos sistematizados.
A terapia com biofeedback é realizada colocando-se eletrodos sobre a pele que recobre um músculo. Estes eletrodos captam e transmitem ao computador um sinal eletromiográfico que corresponde à resposta do músculo contraído. Este sinal é transformado em linhas luminosas com variedade de cores na tela do computador, permitindo ao paciente visualizar o grau de contração ou de relaxamento do grupo muscular trabalhado. É esperado que o paciente vá aos poucos obtendo maior controle e consciência da contração e do relaxamento muscular. É um método altamente estimulante para o paciente e com evidências de resultados na literatura.
Esses estudos fornecem suporte variável para a noção que ambos os sistemas nervosos simpático e parassimpático podem ser mais elucidados, para assim descobrir sua influencia na expressão dos tiques, bem como sua frequência. No entanto faltam dados conclusivos, refletindo limitações experimentais, e a complexidade funcional da ST, o que torna difícil diferenciar o funcionamento autônomo dos pacientes a partir de controles saudáveis.
Referências
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Muñoz S, R. L., Júnior, E. D. F., Neto, N. G. P., & Rocha, A. B. (2012). Psicocirurgia: revisão integrativa sob o prisma neuroético Psychosurgery: integrative review from a neuroethical perspective. Revista Brasileira de Bioética, 8, 1-4.
Oliveira, A., & Massano, J. (2012). Síndrome de Gilles de La Tourette: Clínica, diagnóstico e abordagem terapêutica. Arquivos de Medicina, 26 (5), 211-217.
Serratrice, J., Verschueren, A., & Serratrice, G. (2013). Sistema nervoso autonomo. EMC-Neurologia, 13 (2), 1-17.
Tenho um filho com ST
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