“Neurobiologia da inteligência” (trechos), por Elisabete Castelon Konkiewitz
“Neurobiologia da inteligência” (trechos), por Elisabete Castelon Konkiewitz. In: Altas habilidades/superdotação, inteligência e criatividade – Angela M. R. Virgolim, Elisabete Castelon Konkiewitz (orgs.)-editora Papirus – 2014.
“Capítulo 2
Neurobiologia da inteligência – um desafio às Neurociências: Circuitos cerebrais associados ao processamento intelectual, funções executivas, neuroplasticidade, interação gene-ambiente e epigenética
Elisabete Castelon Konkiewitz
Introdução
O que faz com que as pessoas possam aprender novas habilidades e conceitos? Por que as pessoas diferem na sua capacidade de abstração e raciocínio? Quais as relações entre a inteligência e a criatividade e entre a inteligência e as emoções? Quais as áreas cerebrais associadas ao desempenho intelectual? Até que ponto a inteligência é determinada pelos genes herdados dos pais? Existe um gene da inteligência? As experiências da infância influenciam o desenvolvimento cognitivo? Até que ponto a inteligência pode ser aprimorada?
Estas e outras questões serão discutidas neste texto à luz dos recentes avanços nas Neurociências, cujo desenvolvimento tem contribuído para a compreensão da complexidade da mente e da diversidade da inteligência.
As Neurociências representam o esforço conjunto de diversas disciplinas em compreender os processos mentais, seus circuitos neurais subjacentes, seus substratos biomoleculares e genéticos e a interação dos mesmos com fatores ambientais e culturais. Sendo assim, dados de neuroimagem cerebral, conceitos da psicologia cognitiva e da genética serão correlacionados com as abordagens generalistas e sistêmicas da inteligência e com os paradigmas atuais de explicação da cognição humana.
O texto deixa claras as controvérsias e incertezas sobre o assunto, ao mesmo tempo em que aponta para possíveis conclusões.
Como já discutido no capítulo anterior, houve ao longo da história da filosofia e da psicologia diversas conceituações de inteligência. No contexto presente, consideraremos que estas conceituações podem ser divididas em duas correntes básicas: a) a abordagem generalista, que propõe a existência de um fator geral ou g, designado como inteligência geral, subjacente a toda atividade intelectiva (Spearman, 1904). Este fator seria universal, independente do momento histórico, do grupo estudado, da sua localização geográfica e do seu contexto cultural, sendo um marcador da capacidade energética mental inata e que pode ser mensurado através de testes psicocométricos; b) a abordagem integrativa que sugere uma visão crítica ao fator g e aos testes psicométricos pelo seu reducionismo, formula a cognição como sendo de natureza múltipla e modular com domínios de funcionamento relativamente diferenciados, enfoca o caráter individual e qualitativo da inteligência, defende a valorização da compreensão de constelações individuais em lugar de dados quantitativos, atribui relevância às interações dinâmicas do indivíduo com o ambiente e às diferenças desenvolvimentais e à plasticidade e mutabilidade da inteligência.
O desenvolvimento das Neurociências e dois paradigmas atuais da cognição humana
…. O desenvolvimento das Neurociências nas últimas décadas foi imenso. Novas técnicas de neuroimagem permitiram o estudo de padrões de ativação cerebral in vivo nas mais diferentes situações e durante o desempenho das mais variadas tarefas; a Biologia Molecular dispõe de recursos para a análise do material genético, para a manipulação da expressão de genes selecionados, para a manipulação e visualização de sinapses, de brotamento neural, para o estudo da atividade elétrica das células nervosas, dos canais iônicos, dos neurotransmissores, dos neuroreceptores e de suas interações, apenas para citar alguns exemplos. Estes avanços tecnológicos, aliados à cooperação transdisciplinar, levaram as Neurociências a uma abordagem complexa e integradora da mente humana, afastando-a do paradigma biológico reducionista, simplista e determinista de épocas passadas….
Abordagem neurobiológica da inteligência: correlações entre inteligência fluida, memória de trabalho, controle executivo e atenção seletiva
… Vários estudos mostram que inteligência fluida é um conceito intimamente relacionado com o controle executivo e a memória de trabalho (working memory) (Gray, Chabris, & Braver, 2003). O controle executivo é um construto teórico que procura explicar como o cérebro é capaz de realizar várias tarefas ao mesmo tempo, propondo que isto se deve à existência de uma função superior que coordenaria os demais processos cognitivos. O controle executivo corresponderia a tarefas de supervisionar e integrar as informações, guiar o pensamento de acordo com metas internas, direcionar a atenção para informações relevantes, selecionar respostas adequadas e suprimir informações irrelevantes e ações indesejadas (Baddeley & Hitch, 1974). Ele controlaria a memória de trabalho, ou memória operacional, concebida como um sistema ativo que retém, ao mesmo tempo em que processa informações selecionadas, inibindo estímulos paralelos e respostas inadequadas…
Abordagem neurobiológica da inteligência: técnicas de neuroimagem e a localização da inteligência no cérebro
O desenvolvimento de novas técnicas de neuroimagem, em especial, de neuroimagem funcional, permitiu in vivo a detecção simultânea de variações de nível de atividade neuronal em diferentes áreas cerebrais. Estas técnicas podem ser associadas à aplicação de tarefas, ou de testes neuropsicológicos que avaliam uma habilidade, ou uma função cognitiva específica….
… Um estudo com 225 adultos jovens saudáveis, avaliados por testes psicométricos e por ressonância magnética nuclear funcional e estrutural, mostrou que o índice de inteligência fluida se correlacionava positivamente com o grau de ativação do circuito fronto-parietal durante tarefas de raciocínio, ou seja, as diferenças individuais de desempenho correspondiam a diferenças funcionais, enquanto que a inteligência cristalizada se correlacionava com a espessura da substância cinzenta no lobo temporal esquerdo, ou seja, com diferenças estruturais, ou anatômicas (Choi et al., 2008)…

Abordagem neurobiológica da inteligência: genética, interação gene-ambiente e epigenética
Inúmeras pesquisas indicam que fatores hereditários determinam por volta de 50% das variações individuais no fator g (Deary, Johnson, Houlihan, 2009; Haworth, Wright, Martin, Martin, Boomsma et al. 2009). Recentemente, um estudo multicêntrico de análise ampla do genoma associada à avaliação cognitiva, conduzido na Inglaterra e na Escócia, envolvendo 3.511 indivíduos não aparentados, concluiu que 40% da variação na inteligência cristalizada e 51% da variação na inteligência fluida se devia a polimorfismos genéticos (Davies, et al., 2011)…
…No entanto, apesar de sofrer grande influência genética, as habilidades cognitivas são intrinsecamente dinâmicas e plásticas. Há claros indícios de que a escolaridade influencia o desenvolvimento intelectual das crianças (Schweinhart, Montie, Xiang, Barnett, Belfield & Nores, 2005; Neubauer & Fink, 2009). O treinamento em uma tarefa, além de aprimorar o desempenho na mesma, pode melhorar o desempenho em outras tarefas não treinadas, mas que, provavelmente compartilham os mesmos circuitos neurais (efeito de transferência)…
… Por outro lado, adversidades no início da vida também influenciam o neurodesenvolvimento, sendo que o córtex pré-frontal, por ter um longo período de amadurecimento, que se estende até a adolescência, é especialmente vulnerável às experiências da infância. Por exemplo, crianças institucionalizadas, vítimas de privação psicossocial (estimulação insuficiente, ou ausente), apresentam prejuízo nas funções executivas (Bos, Fox, Zeanah & Nelson, 2009; Merz & McCall, 2011)…
Conclusões: abordagens generalistas versus abordagens sistêmicas e integrativas; relações da inteligência com a criatividade e com a inteligência emocional
Este texto procurou discorrer de maneira sintética sobre alguns dos principais tópicos relacionados à neurobiologia da inteligência. De início, foram apresentados diferentes modelos e concepções sobre os processos mentais, tendo como objetivo situar a abordagem neurobiológica no contexto de outras abordagens e das divergências e incertezas que pairam sobre o assunto. Em seguida, foram abordados conceitos cognitivos, como a memória de trabalho, as funções executivas e a atenção seletiva, os quais têm sido relacionados à inteligência e contribuído grandemente para a sua compreensão. Dados de neuroimagem foram então discutidos à luz desses conceitos e dos modelos vigentes de funcionamento mental. Finalmente o papel da hereditariedade na determinação da inteligência foi relacionado às evidências das interações gene-ambiente e dos mecanismos epigenéticos…
…Em relação à criatividade, esta é uma característica que ainda desafia tentativas de conceituação e avaliação…
… Em relação às características emocionais, dados recentes confirmam as idéias de David Wechsler de que aspectos não intelectivos influenciam o desempenho intelectual…
… Finalmente, conclui-se que o conhecimento sobre a neurobiologia da inteligência avançou consideravelmente nas últimas décadas, mas…
O capítulo completo é bem mais extenso que os trechos acima. Esses foram expostos com a intenção de convite e estímulo ao estudo do assunto no livro
Altas habilidades/superdotação, inteligência e criatividade. Angela M. R. Virgolim, Elisabete Castelon Konkiewitz (orgs.)-editora Papirus – 2014.
O aprofundamento quanto a esse tema é o motivo que irei optar por um ensino superior voltado para essa área. Muito interessante! Obrigado por compartilhar um trecho do livro!