O polimorfismo genético do BDNF e seu papel na reconsolidação e na atualização das memórias, por Isabelle Monte e Lizia Kinsley – Uma resenha do artigo “Preventing the Return of Fear Using Reconsolidation Update Mechanisms Depends on the Met-Allele of the Brain Derived Neurotrophic Factor Val66Met Polymorphism”

Sabemos que o processo de formação e consolidação de memórias está relacionado com diversos mecanismos complexos que envolvem regiões do córtex, a amígdala e o hipocampo e também aspectos neuro-humorais, com diversos sinalizadores envolvidos nesse processo, dentre os quais o fator neurotrófico derivado do cérebro (cuja sigla em inglês é BDNF), que será o foco do presente estudo, realizado pelo Dr. Manish Kumar Asthana e colaboradores.
O estudo do polimorfismo genético do BDNF, mais especificamente do locus 66, nos mostra a existência de dois genótipos: aqueles que possuem o alelo metionina (também chamados de portadores do met, que podem ser homozigotos met66met ou heterozigotos met66val) e os que são homozigotos para valina (val66val). Uma série de estudos está sendo feita a respeito deste polimorfismo e seu impacto em diferentes aspectos do aprendizado. Para entender melhor, vamos observar primeiramente o mecanismo que interliga o BDNF e a memória:

A reconsolidação da memória ocorre quando há uma reativação de uma memória antiga, seguida pela estabilização dela, através da síntese de novas proteínas, o que, assim como a consolidação de novas memórias, requer plasticidade sináptica. O experimento em discussão se baseia na natureza lábil de uma memória após sua reativação, o que seria necessário tanto para a manutenção dessa memória (reconsolidação) como para a atualização dessa memória. É nesse período de reconsolidação que a maioria dos experimentos atua. No estudo em questão, tentou-se estabelecer uma relação entre o polimorfismo genético do locus 66 do BDNF e os mecanismos de atualização ou reconsolidação da memória, já que essa molécula teria influência sobre os processos de aprendizado e memória.
O estudo de Asthana e colaboradores foi realizado com seres humanos, e os 91 participantes sofreram uma sessão de habituação no primeiro dia do experimento, no qual uma sequência aleatória de quadrados amarelos e azuis foi exibida, gerando uma resposta estável a esse estímulo, monitorizada por um aparelho que detecta a condutância da pele das falanges mediais da superfície palmar da mão não dominante desses indivíduos.
Foi realizada também no primeiro dia, uma sessão de exposição, na qual um estímulo condicionado (o grito de uma mulher) foi apresentado junto com uma segunda sequência aleatória dos mesmos quadrados coloridos para cada participante, azul ou amarelo, de forma que cada um deles pudesse associar uma das cores (que era randomizada entre os participantes, podendo ser o amarelo ou o azul) em questão ao grito. A cor associada ao grito é chamada de estímulo condicionado positivo e a cor não associada ao som é chamada de estímulo condicionado negativo.
A partir deste ponto, os participantes foram divididos em dois grupos para a realização do procedimento: o grupo que participaria, no segundo dia de experimento, de uma sessão de lembrança, seguida por uma sessão de extinção após 10 minutos, e o grupo que não participaria dessa sessão de lembrança, apenas da extinção, que consistia na exibição apenas dos quadrados coloridos, sem o estímulo auditivo, conforme podemos observar na imagem abaixo.

No terceiro e último dia de experimento, ambos os grupos foram submetidos a uma segunda sessão de extinção. As respostas de condução da pele (SCR) foram gravadas durante essas etapas, e o principal parâmetro utilizado para fins de comparação foi a diferença entre os dados colhidos nas sessões, o ∆SCR, que foi calculado com base na diferença entre a condutância obtida durante o estímulo condicionado positivo, ou seja, a imagem de uma cor associada ao som e a condutância obtida durante o estímulo condicionado negativo, que seria a outra cor, que não foi associada ao grito.
Os participantes também forneceram amostras de sangue, que foram genotipadas para o locus 66 do BDNF e divididos em dois grupos: os portadores do alelo metionina (val66met e met66met) e os homozigotos para valina (val66val ou não-met).
Nos resultados, foi constatado que a reativação do conteúdo aprendido não afetou a reconsolidação da memória. Também foi observado que apenas os portadores do alelo met apresentaram uma queda significativa do ΔSCR no grupo que passou pela sessão de lembrança.
Já entre os que não possuíam o alelo para metionina, o grupo que não passou pela sessão de lembrança mostrou quedas maiores nos valores de condutância, em comparação com os que foram submetidos apenas à sessão de extinção no segundo dia de experimento.


Através da hipótese de que o BDNF contribuiria para a estabilização da memória através do processo de reconsolidação, foram obtidos resultados que mostraram uma atenuação nos valores diferenciais de SCR, refletindo o processo de reconsolidação modulado pelo polimorfismo do BDNF, já que apenas os portadores do alelo met demonstraram reaquisição da memória após serem submetidos a uma sessão de lembrança antes da sessão de extinção do estímulo condicionado.
A isso podemos relacionar um potencial estado patológico da memória, que é encontrado em portadores do alelo met no locus 66 do BDNF, já que, em outras pesquisas, esses indivíduos apresentaram experimentalmente deficiência no aprendizado e memória e, em estudos de neuroimagem, hipocampo e córtex pré-frontal reduzidos.
Sobre o polimorfismo do BDNF, também se especula que ele possa influenciar na patogênese do transtorno de estresse pós-traumático (TEPT). Um estudo demonstrou que os portadores do alelo met demonstraram resistência comportamental durante a terapia de exposição, quando comparados aos homozigotos para valina.
Diversos outros estudos associaram os portadores do alelo met a uma memória de medo anormal e prejudicada, ansiedade exacerbada e a prejuízos na extinção da memória do medo.
Os resultados também corroboram um experimento feito com animais, no qual a reconsolidação da memória foi impedida com o uso de uma infusão intra-hipocampal de um anticorpo anti-BDNF no cérebro de ratos, evidenciando o papel fundamental dessa via de sinalização nos processos de aprendizagem e memória.
Outros aspectos desse estudo também são importantes e reafirmam resultados de testes anteriores. No que diz respeito ao processo de reconsolidação de memória, foi provado em um estudo clínico randomizado com aracnofóbicos que a reativação da memória do medo antes da terapia de exposição também pode modular a memória, reduzindo recaídas.
Levando em consideração as limitações do estudo, devemos considerar que não apenas a sinalização do BDNF está envolvida no processo de aprendizagem e de memória do medo, mas também encontram-se envolvidos a força e a idade da memória e a especificidade do estímulo condicionado.
Além disso, é improvável que o polimorfismo do BDNF seja o único fator genético envolvido nesse processo. Outras diferenças alélicas estão sendo estudadas, como é o caso do polimorfismo do 5-HTTLPR (região polimórfica do transportador de serotonina) e da COMT (catecol-O-metil-transferase).
Podemos também destacar que o tamanho da amostra pode ter afetado a validade dos resultados e que outros parâmetros além da condutância da pele não foram monitorados, como a resposta de sobressalto e as variações na frequência cardíaca e na pressão arterial dos participantes.
Artigo completo: ASTHANA, M. K. et al. Preventing The Return of Fear Using Reconsolidation Update Mechanisms Depends on the Met-Allele of the Brain Derived Neurotrophic Factor Val66Met Polymorphism. Int. J. Neuropsychopharmacol., v. 9, n. 6, 2016. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/26721948
Aqui é a Fernanda Lima , gostei muito do seu artigo tem
muito conteúdo de valor parabéns nota 10 gostei muito.