O emprego como espaço de oportunidade: todas as formas de pensamento podem ser construtivas. Trecho do livro Espectro do Autismo, Criatividade e Emoções (talentos e oportunidades criativas) Um novo olhar sobre o Espectro do Autismo através da obra de Camila Falchi. Elisabete Castelon Konkiewitz e Edward Benjamin Ziff. Pulso Editorial, 2017.

Ter um emprego significa ocupar um espaço na comunidade, ter uma rotina organizada, conviver com outras pessoas fora do círculo familiar e entender-se como alguém capaz de participar e de contribuir com a sociedade. O emprego confere um senso de dignidade e propósito e a retribuição financeira permite maior independência e liberdade de autodeterminação. Além disso, estudos de análise econômica comprovam que o investimento na inserção de pessoas do espectro do autismo( EA) no mercado de trabalho resulta em benefícios financeiros para a sociedade como um todo (MAVRANEZOULI et al., 2014; JACOB et al., 2015). Infelizmente, porém, as taxas de emprego de pessoas do EA ainda são muito baixas, estando, segundo estimativa da ONU (KI-MOON, 2015), em torno de 20% em 2015.


Em relação ao preparo para o mercado de trabalho, aqui também o ponto de partida são os interesses específicos, que devem ser estimulados e, pouco a pouco, ampliados e direcionados para a aquisição de saberes aplicáveis e da profissionalização. Por exemplo, as habilidades de processamento visual podem ser canalizadas para o desenho industrial e a computação gráfica.

Em sua biografia, The way I see it, Temple Grandin (2011) salienta a importância da orientação e da supervisão individualizadas nesse processo e revela o papel fundamental que mentores exerceram em sua vida, em especial seu professor do ensino médio, Sr. Carlock, fazendo com que acreditasse em suas próprias ideias e direcionasse seu caminho:

Mentores verdadeiramente desempenharam um papel chave em me ajudar a me tornar a pessoa e a profissional que sou hoje. Eles podem ser catalisadores valiosos, auxiliando a criança ou o adolescente do espectro a adquirir habilidades básicas de estudo e pesquisa, que impulsionarão uma futura carreira (GRANDIN, 2011, p. 289 – tradução nossa).1

 

Em um livro mais recente, Developing talents: careers for individuals with Asperger syndrome and high functioning autism (GRANDIN; DUFFY, 2004), Temple Grandin elabora um guia prático para pais e educadores de como promover talentos individuais e inserir a pessoa do EA no mercado de trabalho.
Várias etapas podem ser limitantes à empregabilidade. A escolha do futuro empregador, o preparo do currículo e a primeira entrevista já representam enormes desafios para a aquisição de um emprego. A adaptação à rotina de trabalho, ao ambiente, às pessoas, às regras de comportamento e de comunicação, a necessidade de flexibilidade diante de novas situações e o planejamento independente de tarefas esbarram nas dificuldades de comunicação, de socialização e de ajuste a mudanças características do autismo.

Há, muitas vezes, necessidade de preparo e monitoramento individualizado com instruções explícitas sobre regras de convívio em grupo, perspectivas, expectativas e reações de outras pessoas. O programa de multimídia JobTIPS 2 fornece vídeos, cartões com jogos de papéis, exercícios, testes, entre outras ferramentas para o treino de cinco etapas profissionais: 1) determinar os interesses profissionais; 2) encontrar um possível emprego; 3) conseguir um emprego; 4) manter o emprego; 5) deixar o emprego. Ainda mais interessante é a possibilidade de ensaio de situações típicas em ambiente protegido, com a supervisão de um terapeuta.
1 “Mentors did, indeed, play a pivotal role in helping me become the person and professional I am today. They can be valuable catalysts to helping the spectrum child or teen learn fundamental study and research skills that will propel them to a future career.”
2 Disponível em: <http://www.Do2Learn.com/JobTIPS>. Acesso em: 20 mar. 2016.

Se, por um lado, é recomendável um treinamento em habilidades sociais básicas, por outro, cabem ao ambiente de trabalho as mesmas considerações feitas para a escola. Características locais, como grau de luminosidade, exposição a ruídos, circulação de pessoas e odores, precisam ser consideradas, uma vez que pessoas do EA podem ter a sensibilidade aumentada para alguns estímulos. A rotina deve ser estável e previsível, informações precisam ser fornecidas explicitamente e, se necessário, através de recursos visuais. A chefia imediata precisa ser acessível e capaz de estabelecer uma comunicação direta para o enfrentamento de problemas. As pessoas precisam ser preparadas para cooperar, superar suas diferenças e romper com o conceito de uma normalidade padrão. Todas as formas de pensamento podem ser construtivas. Além disso, algumas características inerentes às pessoas do EA são potencialmente interessantes para o mercado. De modo geral, autistas tendem a ser pontuais, disciplinados e aplicados, têm excelente memória, conseguem manter-se concentrados por longos períodos, são atentos a detalhes, não mentem, não se envolvem em assuntos pessoais dos colegas e não se distraem com conversas paralelas.

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