Será que o seu filho tem dislexia?-por Elisabete Castelon Konkiewitz

Durante milênios, a maioria da humanidade nas mais diversas regiões do mundo não lia, nem escrevia, o aprendizado acontecia pela transmissão oral e demonstração. Esse cenário foi se modificando principalmente na segunda metade do século XX e assim, a importância que a comunicação escrita tem hoje no cotidiano é historicamente inédita. Provavelmente esse fato explique porque a dislexia é um transtorno de reconhecimento relativamente recente. O termo foi empregado por Rudolf Berlin em 1887 para caracterizar crianças com dificuldades de leitura e escrita, não justificáveis por um déficit visual, auditivo, ou intelectivo. O problema não é causado por uma lesão cerebral, mas por uma forma de ativação de circuitos cerebrais no hemisfério esquerdo que é menos eficiente, fazendo com que o processamento dos sons e sua conversão em símbolos visuais (letras) seja mais lento e menos preciso.

Em laranja áreas ativadas durante a leitura. à esquerda, cérebro de uma pessoa normal; à direita, cérebro de alguém com dislexia

Para aprender a ler uma criança necessita primeiramente perceber que as palavras são compostas por unidades sonoras chamadas fonemas, o que normalmente ocorre entre os 4 e os 6 anos de idade. A criança precisa conseguir reconhecer pela audição essas diferentes partículas que formam a palavra falada. É preciso que entenda o princípio fonético no qual se baseia o nosso alfabeto, ou seja, que as letras nada mais são que a representação gráfica dos sons. Aos poucos, esse processo vai se automatizando, tornando a leitura mais rápida, fácil e precisa.

A criança com dislexia apresenta muitos erros e faz muito esforço na leitura em voz alta, corrigindo-se com frequência; o texto lido não é compreendido; ela mostra resistência e aversão à leitura; comete muitos erros quando copia um texto, ou quando escreve livremente; troca letras visual (b/d ), ou foneticamente semelhantes (m/n; t/d; g/c ); deixa de escrever partes de palavras; inverte a ordem das letras nas palavras e seus textos comumente são ilegíveis. Na maioria dos casos, vai ocorrendo defasagem em diversas matérias, causando perda de motivação, baixa autoestima, medo de ir à escola, ansiedade e até depressão. O quadro, porém, é bastante variável, apresentando diferentes níveis de gravidade. Alguns conseguem superar o problema por meio de estratégias compensatórias, outros persistem por toda a vida com grandes dificuldades.

É importante ter consciência da dimensão do problema e do seu impacto sobre políticas de educação. A dislexia é frequente, afetando 5% a 20% das crianças escolares. Ela pode acometer vários membros de uma mesma família, o que sugere um componente genético na sua origem. Com frequência se acompanha do transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH).

O disléxico pode ser uma pessoa extremamente inteligente (Albert Einstein, Tom Cruise e a cantora Cher são exemplos de disléxicos), como apresentar prejuízo intelectual. Neste caso, a dificuldade com a leitura e escrita é desproporcionalmente maior que em outras áreas.

O diagnóstico geralmente é feito no período do ensino primário, existindo para isto testes psicológicos/fonoaudiológicos especiais. Todavia, o tratamento não deve esperar o diagnóstico de certeza e sim já ser iniciado na suspeita do problema. Com isso, a criança receberá a ajuda de que necessita para superar as suas dificuldades precocemente e terá melhores chances de boa recuperação, ou compensação.

A terapia não é medicamentosa e sim fonoaudiológica e psicopedagógica, treinando a criança em estratégias de correção e compensação. Deve ser, de início, individual e depois, eventualmente, em grupo. Pesquisas indicam que o treinamento precoce da conscientização fonológica, enfocando a estrutura sonora das palavras, pode melhorar o quadro. Atualmente existem programas de computador propícios para ajudar a criança a desmembrar as palavras nos seus fonemas. Os pais e os professores precisam estar bem informados e participar deste processo. A terapia visa também aumentar a autoestima e autoconfiança da criança, visando enfocar as suas qualidades e talentos, assim como aumentar a sua motivação.

3 thoughts on “Será que o seu filho tem dislexia?-por Elisabete Castelon Konkiewitz

  • 29/08/2022 em 1:35
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    Prezada Profa. Dra Elisabete Castelon Konkiewitz, acabo de acessar o blog que ainda não conhecia e imediatamente procurei por alguns topicos – ja sabendo de antemão que acabaria me perpetuando em leituras sobre as postagens que vcs disponibilizaram. PARABENS PELA EXCELENCIA.
    Com relação à aprendizagem & dislexia ” “Será que o seu filho tem dislexia? Gostaria de sugerir que neste topico seria valido acrescentar outras considerações para enriquecer a compreensão do tema. A sua abordagem praticamente considera a dislexia uma questão fonologica e esta é uma visão parcial já que dislexia é um tema ainda muito aberto em neurociencias – embora compreensivel ( houve inicialmente maior numero de estudos e publicações neste campo). Por ex., é mencionado que “Para aprender a ler uma criança necessita primeiramente perceber que as palavras são compostas por unidades sonoras chamadas fonemas, o que normalmente ocorre entre os 4 e os 6 anos de idade.” porém as palavras são representadas por grafemas e este reconhecimento visual da forma da letra ANTECEDE o processo fonemico. A leitura, por ser considerada a habilidade mais complexa aprendida pelo homem requer uma conexão entre a habilidade da fala, que é inata com uma estimulação da área de reconhecimento facial ( inata também) e que precisa ser ampliada para o reconhecimento de outras formas – no caso de letras ou grafemas – para DEPOIS haver a associação grafema-fonema… e finalmente a leitura. Na verdade, o reconhecimento VISUAL precede o FONEMICO. Se houver obstaculos visuais assim como fonologicos o aprendizado da leitura não sera satisfatório. Assim, seria possivelmente mais correto considerar que, na Dislexia, o sistema de processamento magnocelular temporal visual e auditivo são irmãos siameses e qualquer um deles pode levar à Dislexia. Os deficits temporais magnocelulares visuais podem ser mais precocemente identificados que os fonologicos ( diagnostico firmado entre 9 e 9,5 anos enquanto que o visual a partir de 4 ou 5 anos) ( ver ref. abaixo). Como medica oftalmologista, trabalho justamente com transtornos de aprendizagem relacionados à visão, e não raro, se bem conduzida e associada a uma boa reabilitação psicopedagógica, a intervenção visual implementada precocemente impede a cristalização de uma dislexia fonologica. Vide – Cereb Cortex
    . 2016 Oct 17;26(11):4356-4369. doi: 10.1093/cercor/bhv206. Epub 2015 Sep 22.
    Multiple Causal Links Between Magnocellular-Dorsal Pathway Deficit and Developmental Dyslexia
    Simone Gori 1, Aaron R Seitz 2, Luca Ronconi 3, Sandro Franceschini 3, Andrea Facoetti 3
    Grata pela atenção Marcia Guimaraes

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    • 30/08/2022 em 22:41
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      Obrigada pela magnífica contribuição. Se quiser publicar um texto sobre o processamento visual na dislexia, seria ótimo. Fico à disposição. abcs

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  • 05/12/2019 em 12:17
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    A tradução da legenda da foto está errada. Está trocada.

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