TÉCNICAS PSICOTERÁPICAS NO TRATAMENTO DO TRANSTORNO DE ESTRESSE PÓS-TRAUMÁTICO – por Elimar Mayara de Almeida Menegotto

Elimar Mayara de Almeida Menegotto

Prof. Dra. Elisabete Castelon Konkiewitz

INTRODUÇÃO

Transtorno de estresse pós-traumático (TEPT)

O transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) é um transtorno psicológico grave que ocorre em decorrência da exposição de um indivíduo a situação traumática de natureza ameaçadora ou catastrófica, como combate militar, desastre natural, agressão sexual ou perda inesperada de um ente querido. O TEPT pode ocorrer após um único evento traumático ou de exposição prolongada ao trauma, como abuso sexual na infância.  Possui caráter crônico, muitas vezes debilitante.1, 2, 3,4

A história moderna do TEPT pode ser rastreada até o início do século 20, quando foi denominado como “shell shock”. Durante as guerras da Coréia e do Vietnã, sintomas semelhantes foram chamados de “Exaustão de Combate”. Durante a década de 1970, Ann Wolbert Burgess e Lynda Lytle Holmstrom formaram o termo “Síndrome do Trauma de Estupro”. No final da década de 1980, o TEPT foi finalmente incluído no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais-III. 5

Critérios diagnósticos apresentados no DSM-V identificam exposição a episódio concreto ou ameaça de morte, lesão grave ou violência sexual como gatilhos necessários para o transtorno, com o indivíduo vivenciando ou testemunhando diretamente o evento traumático; ou sabendo que o evento traumático ocorreu a um familiar ou amigo próximo; ou exposição repetida ou extrema a detalhes aversivos do evento traumático (p. ex., socorristas que recolhem restos de corpos humanos; policiais repetidamente expostos a detalhes de abuso infantil). 3, 6

O TEPT é caracterizado por sintomas intrusivos associados ao evento traumático, como  lembranças ou sonhos angustiantes e recorrentes, reações dissociativas (flashbacks), sofrimento ou reações intensas a sinais que simbolizem ou se assemelhem a algum aspecto do evento traumático; evitação persistente de estímulos associados ao evento traumático; alterações negativas em cognições e no humor (amnésia dissociativa, crenças negativas de si e do mundo, predominância de sentimentos negativos, desinteresse, distanciamento); e alterações de reatividade (irritabilidade, surtos de raiva, hipervigilância, dificuldade de concentração, insônia, comportamento autodestrutivo). 6

O TEPT também é acompanhado por certos sintomas comórbidos como, por exemplo, Depressão e Ansiedade Generalizada. 5 Indivíduos com TEPT são 80% mais propensos do que aqueles sem o transtorno a ter sintomas que satisfazem os critérios diagnósticos de pelo menos um outro transtorno mental (p. ex., transtornos depressivos, bipolares, de ansiedade ou por uso de substância). 6

A maioria da população, 60,7% dos homens e 51,2% das mulheres, está exposta a um evento traumático em algum momento da vida que tem potencial para desencadear o TEPT. 3 Embora os homens tenham maior risco de exposição ao trauma, as mulheres correm maior risco de desenvolver TEPT após a exposição ao trauma 1. Muitas pessoas mostram notável resiliência e capacidade de recuperação após a exposição ao trauma. 4 Na maioria dos indivíduos esses sintomas se resolvem dentro de várias semanas, apenas aproximadamente 10% a 20% dos indivíduos expostos ao trauma apresentam sintomas de TEPT que persistem e estão associados ao comprometimento. 7

Nos Estados Unidos, o risco ao longo da vida projetado para TEPT usando critérios do DSM-IV aos 75 anos de idade é de 8,7%. A prevalência em 12 meses entre adultos norte-americanos é de aproximadamente 3,5%. Estimativas menores são vistas na Europa e na maioria dos países da Ásia, da África e da América Latina, agrupando-se em torno de 0,5 a 1,0%. 6 O TEPT tende a ter um curso crônico, com 40% dos pacientes apresentando sintomas em grau significativo, anos após o evento inicial.8 Mesmo entre aqueles que melhoram e já não preencham os critérios diagnósticos para TEPT completo, muitos continuam a experimentar sintomatologia.1

O diagnóstico de TEPT é acompanhado por consequências diretas e indiretas para a saúde pública, incluindo suicídio, transtornos mentais secundários, abuso de substâncias, funcionamento prejudicado, problemas de saúde e oportunidades reduzidas ao longo da vida.3

O TEPT está associado a níveis elevados de incapacidades sociais, profissionais e físicas, bem como a custos econômicos consideráveis e altos níveis de utilização de serviços médicos. O prejuízo ao funcionamento fica evidente nos domínios social, interpessoal, do desenvolvimento, educacional, da saúde física e profissional. Em amostras da comunidade e de veteranos de guerra, o TEPT está associado a relações sociais e familiares empobrecidas, ausências ao trabalho, renda mais baixa e menor sucesso acadêmico e profissional. 6

Demonstrou-se que o TEPT tem um impacto severo, levando a um aumento no risco de desemprego em até 150%, instabilidade conjugal em 60% e de suicídio que excedem o de qualquer outro transtorno de ansiedade.9 O potencial impacto negativo do TEPT para o indivíduo, sua família e a sociedade em geral destaca um claro imperativo para o diagnóstico e tratamento eficaz do transtorno. 3

DIRETRIZES DE TRATAMENTO DE TEPT

Nas últimas duas décadas, várias organizações produziram diretrizes para o tratamento do TEPT, incluindo diretrizes da American Psychological Association (APA)10 e da Veterans Health Administration and Department of Defense (VA/DoD)11, ambas publicadas em 2017.

Diretrizes para tratamento de TEPT são um conjunto de recomendações para profissionais que tratam indivíduos com TEPT. Cada uma dessas diretrizes foi baseada em revisões sistemáticas da literatura examinando tratamentos para TEPT para recomendar tratamentos com a maior e mais forte base de evidências.

A diretriz da APA é especificamente para o tratamento de TEPT entre adultos, enquanto a diretriz VA/DoD se concentra em recomendações para gerenciamento clínico geral, diagnóstico e avaliação e tratamento para profissionais que trabalham no VA ou DoD.

As recomendações desses dois conjuntos de diretrizes foram em sua maioria consistentes. Consulte a Tabela 1 para obter uma visão geral dos tratamentos “fortemente recomendados” e “recomendados” para adultos com TEPT.2

DiretrizMetodologiaFortemente recomendadaRecomendada
APA (Associação Americana de Psicologia)  Revisão sistemática independente, 25/5/12 a 1/6/16  TCC, CPT, PE, CT  BEP, EMDR, NET  
VA/DoD (Administração de Saúde dos Veteranos e Departamento de Defesa)  Revisão sistemática independente, 1/1/09 a 1/3/16  PE, CPT, EMDR, TCC, BEP, NET  CPT, IPT, SIT  

TCC= Terapia Cognitivo comportamental; CPT: Terapia de processamento cognitivo; PE: terapia de exposição prolongada; CT: terapia cognitiva; EMDR: Dessensibilização e Reprocessamento por meio de Movimentos Oculares; BEP: terapia eclética breve; NET: terapia de exposição narrativa; ITP: terapia interpessoal; SIT: treinamento de inoculação de estresse.

Tabela 1: Diretrizes de tratamento do TEPT. Adaptado deWatkins et al (2018). 2

PSICOTERAPIA

Nas últimas 3 décadas, o campo da pesquisa e da prática clínica relacionados ao estresse traumático se desenvolveu tremendamente. Paralelamente ao acúmulo constante de conhecimento básico, foram desenvolvidas abordagens terapêuticas para tratar pessoas que sofrem de transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) e outros problemas psicológicos relacionados ao trauma. Hoje, vários tratamentos baseados em evidências estão disponíveis, incluindo intervenções focadas no trauma e intervenções não focadas no trauma. 12

Não focados no trauma

Os tratamentos não focados no trauma visam reduzir os sintomas de TEPT, mas não direcionando diretamente pensamentos, memórias e sentimentos relacionados ao evento traumático. 2

As terapias sem exposição incluem terapia interpessoal, com foco em conflitos interpessoais e transições de papéis; e a terapia de processamento cognitivo, que explora as crenças e cognições pós-traumáticas disfuncionais do paciente (por exemplo, que o mundo é perigoso, incontrolável e imprevisível e que o paciente é ineficaz, indefeso ou culpado) e os desafia em um diálogo socrático.13 

Focado no trauma

A terapia cognitivo-comportamental focada no trauma é a intervenção psicológica com melhor suporte para o TEPT.13 É recomendada por painéis de especialistas e nas diretrizes de tratamento como terapia de primeira linha para o tratamento do TEPT. 3

É uma ampla classe de intervenções psicológicas que usam predominantemente técnicas cognitivas, comportamentais ou cognitivo-comportamentais focadas no trauma e abordagens de exposição ao tratamento. Embora algumas intervenções coloquem sua ênfase principal na exposição e outras nas técnicas cognitivas, a maioria usa uma combinação de ambas. 14 Especificamente, os métodos de TCC com foco no trauma que incorporam técnicas de exposição parecem as modalidades de tratamento mais eficazes e amplamente recomendadas. 3

Este modelo dá ênfase a dois grandes processos; aprendizagem de extinção e a correção de distorções de cognição e memória.

Na aprendizagem da extinção, o paciente aprende gradualmente que as pistas que inicialmente condicionaram o trauma não são aversivos, resultando em uma redução da ansiedade. As respostas de medo são inibidas por novos aprendizados que garantem que pistas associadas ao trauma não são mais sinais de ameaça.

O segundo processo-chave visado pelo tratamento focado no trauma envolve os distúrbios no processamento da memória e avaliações que acompanham pensamentos ou imagens intrusivas e levam a evitar os estímulos temidos. O foco do tratamento é a alteração cognições desadaptativas mantidas pelo sobrevivente de trauma para reduzir sofrimento psicológico e melhorar o funcionamento.

Em resumo, intervenções focadas no trauma, são pensados para aliviar os sintomas facilitando o aprendizado da extinção, processando as memórias traumáticas alterando avaliações mal-adaptativas de ameaça e superando o comportamento de evitação.15

Enquanto todos os protocolos de terapia cognitivo-comportamental focadas no trauma envolvem o paciente confrontando memórias de trauma e lembranças do evento traumático, a ênfase no evento traumático e seu método variam de acordo com o modelo particular de exposição adotado 3

TÉCNICAS PSICOTERÁPICAS

Terapia De Processamento Cognitivo (CPT)

As diretrizes da prática clínica sugerem que as terapias cognitivo-comportamentais são recomendadas para o tratamento do transtorno de estresse pós-traumático (TEPT). Um desses tratamentos, a terapia de processamento cognitivo (CPT), é um tratamento baseado em evidências que demonstrou ser eficaz no tratamento de traumas de combate, agressão e violência interpessoal em ensaios controlados randomizados. A CPT é um tratamento predominantemente cognitivo para indivíduos com TEPT e sintomatologia relacionada, como depressão, ansiedade e culpa.16

A CPT assume que, após um evento traumático, os sobreviventes tentam dar sentido ao que aconteceu, muitas vezes levando a cognições distorcidas em relação a si mesmos, ao mundo e aos outros. Na tentativa de integrar o evento traumático com esquemas anteriores, as pessoas muitas vezes assimilam ou acomodam demais. A assimilação é quando as informações recebidas são alteradas para confirmar crenças anteriores, o que pode resultar em auto-culpa por um evento traumático. Um exemplo de assimilação é ”porque eu não lutei mais, é minha culpa eu ter sido agredido.” A acomodação é o resultado de alterar crenças o suficiente para acomodar novos aprendizados (por exemplo, “eu não poderia impedi-los de agredir alguém”). A acomodação excessiva está mudando as crenças para evitar que traumas ocorram no futuro, o que pode resultar em crenças sobre o mundo ser perigoso ou as pessoas não serem confiáveis (por exemplo, “porque isso aconteceu, não posso confiar em ninguém”). A CPT permite a ativação cognitiva da memória, ao mesmo tempo em que identifica cognições mal-adaptativas (crenças assimiladas e super acomodadas) que derivaram do evento traumático.  2

O CPT consiste em 12 sessões semanais que podem ser ministradas em formatos individuais ou em grupo. 16 Geralmente, o CPT é composto por componentes de terapia cognitiva e de exposição. As sessões iniciais são focadas na psicoeducação sobre o modelo cognitivo e na exploração da conceituação do paciente sobre o evento traumático. O indivíduo considera: (1) por que o evento traumático ocorreu; e (2) como isso mudou suas crenças sobre si mesmos, o mundo e os outros em relação à segurança, intimidade, confiança, poder/controle e estima. As habilidades de terapia cognitiva são introduzidas por meio do estabelecimento da conexão entre pensamentos, sentimentos e emoções relacionados aos pontos presos do indivíduo (cognições desadaptativas sobre o evento) e aprendendo maneiras de desafiar cognições que são ineficazes. Essas habilidades são usadas para examinar e desafiar suas crenças mal-adaptativas. CPT conclui com uma exploração sobre as mudanças na forma como o indivíduo conceitua por que o evento traumático ocorreu. 2

A versão original do CPT incluía um relato de trauma escrito onde o paciente descrevia pensamentos, sentimentos e informações sensoriais vivenciadas durante o evento traumático.2 O paciente escrevia um relato narrativo detalhado do evento traumático, experimentando as emoções associadas em uma tentativa de identificar cognições disfuncionais que se tornavam o foco do reprocessamento e reestruturação cognitiva.3 Na sessão 12, os pacientes reescreviam sua declaração de impacto e a comparam com a versão escrita no início da terapia. A intenção era que os pacientes reconhecessem claramente as mudanças em seus pensamentos, sentimentos e comportamentos. 16

No entanto, a versão mais recente do protocolo não inclui a narrativa escrita do trauma2 . A versão CPT apenas cognitiva (CPT-C) alcançou melhora clinicamente significativa na quarta sessão por meio do diálogo socrático focado. A CPT com narrativa adiou a melhoria até que as narrativas fossem concluídas. 12

Finalmente, o terapeuta e os pacientes olham para o futuro e identificam quaisquer áreas que possam continuar a ser problemáticas para os pacientes e discutem maneiras de lidar com essas questões usando os princípios da CPT.16

CPT tem sido amplamente apoiado como um tratamento eficaz para TEPT. Embora a CPT tenha sido desenvolvida para tratar sobreviventes de estupro, ela foi pesquisada e implementada com sucesso em todos os tipos e populações de trauma. Os resultados da pesquisa sugerem que a CPT trata efetivamente o TEPT em sobreviventes de agressão sexual, veteranos que serviram no Vietnã, Iraque e Afeganistão e homens adultos com TCE e TEPT comórbidos.16 Verificou-se que a CPT apresenta redução clinicamente significativa no TEPT, depressão e ansiedade em amostras de agressão sexual e veteranos, com resultados mantidos em 5 e 10 anos após o tratamento. 17

Terapia cognitiva (TC)

Ehlers e Clark (2000) sugeriram que o TEPT se torna persistente quando os indivíduos processam o trauma de uma maneira que leva a uma sensação de ameaça séria e atual. A sensação de ameaça surge como consequência de:

(1) avaliações excessivamente negativas do trauma e/ou suas sequelas;

(2) uma perturbação da memória autobiográfica do trauma caracterizada por elaboração e contextualização, e forte memória associativa, o que leva à revivência involuntária de aspectos do trauma.

Mudanças nas avaliações negativas e na memória do trauma são evitadas por uma série de estratégias comportamentais e cognitivas problemáticas. 18

Assim, a terapia cognitiva (TC) para TEPT visa modificar avaliações excessivamente negativas, corrigir o distúrbio de memória autobiográfica e remover as estratégias comportamentais e cognitivas problemáticas.19

A Terapia Cognitiva para TEPT inclui cinco procedimentos principais de tratamento. Primeiro, terapeuta e paciente desenvolvem colaborativamente uma formulação de caso individualizada12: identificando as avaliações relevantes, características e gatilhos de memória e estratégias comportamentais e cognitivas que mantêm seu TEPT. Assim, o peso relativo dado aos diferentes procedimentos de tratamento difere de paciente para paciente. 19

Em segundo lugar, atualizar memórias de trauma: é um procedimento de três etapas que inclui:

(1) acessar memórias dos piores momentos durante o trauma e seus significados atualmente ameaçadores;

(2) identificar informações que atualizam esses significados (informações do curso dos eventos durante o trauma ou da reestruturação cognitiva e teste de previsões);

(3) vincular os novos significados aos piores momentos da memória.12 

O objetivo é modificar avaliações excessivamente negativas do trauma e suas sequelas. Avaliações excessivamente negativas do evento traumático são identificadas por um questionamento cuidadoso, particularmente sobre o significado de “pontos quentes” (momentos de maior angústia na memória do trauma). Os “pontos quentes” são identificados pelo exame do conteúdo das intrusões e por uma sondagem de reviver imaginal do trauma. O questionamento socrático e outras técnicas gerais de terapia cognitiva são então usados para modificar as avaliações negativas. Uma vez identificada uma avaliação alternativa que o paciente considera convincente, a nova avaliação é ativamente incorporada à memória do trauma. Isso pode ser alcançado adicionando-o a um relato escrito produzido pelo paciente e mantendo a nova avaliação e o “ponto quente” em mente simultaneamente ao ler a narrativa, ou inserindo a nova avaliação em um reviver imaginário subsequente. Por exemplo, uma mulher que foi estuprada identificou um momento em que seu agressor disse que ela era feia e a entregou como o pior “ponto quente”. Desde o estupro, ela se sentia pouco atraente e, mais recentemente, praticava sexo casual com frequência em uma aparente tentativa de se convencer de que era atraente. Questionamento socrático foi usado para identificar uma avaliação alternativa, que era que o estuprador a identificou porque ela é atraente e seu comentário foi porque ele é incapaz de ficar excitado sem abusar e humilhar as mulheres. Durante uma revivescência imaginária subsequente, ela introduziu a nova avaliação no “ponto quente” ao se posicionar na imagem e dizer isso ao estuprador no momento em que ele a agrediu verbalmente. 19

Terceiro, o treinamento de discriminação com gatilhos de reexperiência: envolve detectar sistematicamente gatilhos idiossincráticos (muitas vezes pistas sensoriais sutis) e aprender a discriminar entre AGORA (pistas em um novo contexto seguro) e ANTES (pistas na situação traumática).12

A discriminação de gatilhos geralmente envolve duas etapas: a análise cuidadosa de onde e quando ocorrem intrusões é usado para identificar gatilhos; e a quebra intencional da ligação entre os gatilhos e a memória do trauma. Por exemplo, um homem que esteve envolvido em um acidente de trânsito à noite sofre intrusões freqüentes que às vezes consistem em apenas reviver o terror que sentiu ao ver que uma van estava prestes a colidir com a traseira de seu veículo, e às vezes também inclui imagens do acidente. Ele tem a impressão de que as invasões surgem “do nada”. Um aspecto proeminente da memória do trauma são os faróis da van, e logo fica claro que as intrusões são muitas vezes desencadeadas por manchas de luz brilhante (como uma mancha de luz solar em um gramado ou um retroprojetor no trabalho). Uma vez que isso fica claro, o paciente discrimina entre “antes” e “agora”, dizendo a si mesmo que está reagindo a um significado passado da luz. 19

Quarto, abandonar comportamentos e processos cognitivos inúteis: geralmente inclui experimentos comportamentais em que o paciente experimenta reduzir estratégias inúteis, como ruminação, hipervigilância para ameaças, supressão de pensamentos e precauções excessivas (comportamentos de segurança).   12

O tratamento geralmente começa discutindo as consequências problemáticas da estratégia, que têm o objetivo imediato de reduzir a sensação de ameaça atual, mas têm o efeito a longo prazo de manter o transtorno. A estratégia é então descartada/invertida no contexto de um experimento comportamental. Por exemplo, um jovem que acreditava que ficaria louco se não tentasse suprimir a memória do trauma e as intrusões foi encorajado a testar a ideia permitindo intencionalmente que intrusões entrassem e saíssem de sua cabeça sem tentar controlá-las. Para sua surpresa, isso levou a um declínio subsequente na frequência de intrusão. 19

Quinto, a recuperação de suas atribuições de vida: é projetada para abordar a mudança permanente percebida pelos pacientes após o trauma e envolve a recuperação ou reconstrução de atividades e contatos sociais.  12

Terapia De Exposição Prolongada (PE)

A exposição prolongada (PE) (Foa & Rothbaum, 1998) é uma técnica altamente focada no trauma que envolve o paciente revivendo repetidamente (imaginado ou na vida real/in vivo) o evento traumático para provocar ansiedade. Por meio da habituação, a PE busca dessensibilizar o paciente para que o evento traumático não seja mais associado a sentimentos de ansiedade 3

É baseada na teoria do processamento emocional, que sugere que os eventos traumáticos não são processados emocionalmente no momento do evento. A teoria do processamento emocional sugere que o medo é representado na memória como uma estrutura cognitiva que inclui representações dos estímulos temidos. As estruturas do medo podem se tornar disfuncionais quando a associação entre os elementos do estímulo não reflete com precisão o mundo real, assim, as respostas fisiológicas e de fuga ou esquiva são induzidas por estímulos inócuos, respostas excessivas e facilmente desencadeadas interferem no comportamento adaptativo, e elementos de estímulo e resposta seguros são incorretamente associados a ameaça ou perigo. A PE se concentra em alterar as estruturas do medo para que não sejam mais problemáticas. 2

Postula que duas condições são necessárias para o sucesso do tratamento, ambas validadas empiricamente:

(1) ativação (engajamento emocional) da memória do trauma

(2) a presença de informações que não confirmam o dano esperado durante as exposições (ou seja, a não confirmação de expectativas negativas). 12

Essa terapia é normalmente concluída em 8 a 15 sessões e consiste em quatro componentes: psicoeducação sobre PTSD e reações comuns ao trauma; retreinamento respiratório; e dois tipos de exposição, in vivo e exposição imaginária. Durante a psicoeducação, os pacientes aprendem sobre TEPT, reações comuns ao trauma e exposição. O retreinamento respiratório é uma habilidade ensinada para auxiliar os pacientes em situações estressantes, mas não deve ser usada durante a exposição. 2

As etapas que envolvem exposição são as principais. A primeira é a revisitação repetida e a recontagem de memórias de trauma angustiantes (exposição imaginária) que são evitadas porque causam dor e, para muitos sofredores de TEPT, são percebidas como levando à “perda de controle”. A exposição imaginal é seguida por 15 a 20 minutos de processamento (discutindo a experiência de exposição imaginal, mudanças nas percepções que podem ocorrer como resultado da experiência e outras emoções e percepções relacionadas). As discussões durante o processamento se concentram não apenas no medo e na ansiedade, mas também na vergonha, na culpa e na raiva.  O segundo componente principal é a aproximação gradual de situações seguras e evitadas relacionadas ao trauma (exposição in vivo). 12

A exposição in vivo ajuda os pacientes a se aproximarem de situações, lugares e pessoas que estão evitando por causa de uma resposta de medo devido ao evento traumático, repetidamente, até que o sofrimento diminua. Por meio desses dois tipos de exposições, os pacientes ativam sua estrutura de medo e incorporam novas informações.2

Uma meta-análise sobre a eficácia do TEPT descobriu que o paciente médio tratado com PE se saiu melhor do que 86% dos pacientes em condições de controle dos sintomas de TEPT no final do tratamento. 20

Psicoterapia Eclética Breve (BEP)

A Psicoterapia Eclética Breve para TEPT (BEPP) é um dos tratamentos baseados em evidências e eficazes focados no trauma. Combina cinco módulos de diferentes origens. 12

Começa com a psicoeducação. Um parceiro ou pessoa de confiança do paciente também é convidado a vir à sessão e compartilhar a escuta da explicação dos sintomas de TEPT.  Estes são explicados em relação à experiência traumática do paciente. 21 A conexão entre os sintomas de TEPT e o(s) evento(s) traumático(s) é explicada e compreendida. 12 Uma vez que o paciente tenha aprendido o que é TEPT em sua experiência pessoal e história, o tratamento é explicado em detalhes.21

As próximas quatro a seis sessões de um total de 16 são usadas para exposição imaginária. No BEP, foi introduzida uma combinação de exercícios de relaxamento, imediatamente seguidos de exposição imaginária. Com os olhos fechados e com a ajuda do terapeuta que estimula a re-experiência imaginária, agora controlada, do evento traumático. 21

No BEP, a exposição imaginária é um processo muito lento, mas detalhado, por exemplo, quando alguém sobrevive a um acidente de avião, começa com o tremor do avião, depois o acidente, o desmoronamento da cabine, pessoas morrendo na cabine, saindo de um buraco, sendo ferido e tentando alcançar um cofre fora, etc. 12 Emoções como ansiedade, pesar e tristeza serão vivenciadas com muita força. Em contraste com a prática de exposição na TCC, no BEP não é uma exposição repetida em que o mesmo momento ou evento é “visitado” repetidamente até que toda a ansiedade tenha desaparecido. No BEP toda a sequência de eventos é imaginada parte por parte até que todas as emoções relacionadas ao evento traumático tenham sido totalmente vivenciadas.21

Outras ferramentas introduzidas no BEP para ajudar a expressar emoções fortes são o uso de recordações ligadas aos eventos traumáticos e a escrita de uma carta.12 Certos objetos ligados ao trauma podem ajudar a estimular as emoções. Por exemplo, roupas que a paciente usou durante o estupro, ou artigos de jornal ainda escondidos em um armário, podem ser muito úteis para estimular as emoções agora sentidas sobre o passado trágico.  Ou escrever uma carta raivosa para alguém ou uma organização racional ou irracionalmente culpado pelo incidente traumático. Não é uma carta para ser enviada na realidade, mas para ajudar a vivenciar e aceitar sentimentos de tristeza e raiva relacionados ao trauma.21

As últimas nove sessões são dedicadas a dar significado e aprender com o evento traumático (Gersons & Schnyder, 2013 ).12

O tratamento termina com um ritual de despedida. Pede-se a um paciente que conceba um plano para um ritual de despedida para deixar para trás o evento traumático, não para esquecer, mas para poder seguir em frente na vida. O paciente é aconselhado a compartilhar o ritual de despedida com um parceiro. Após a queima ou alguma outra forma de destruição simbólica, limpeza ou “deixar ir”, deve haver também um elemento de celebração do fim do tratamento. Sabemos pela literatura de eventos de vida que os rituais são ferramentas importantes para superar as emoções e seguir com a vida. Aqui, o ritual de despedida é também um ritual de transição para o reencontro com a vida e os entes queridos.21

Uma avaliação recente do departamento ambulatorial da polícia holandesa relatou que 96% dos 566 policiais não preenchiam mais o diagnóstico de TEPT após o tratamento com BEP. No entanto, 60% apresentaram sintomas ainda menores de problemas de concentração após o tratamento.22

Terapia De Exposição Narrativa (NET)

NET é um tratamento manual desenvolvido por desenvolvida por Schauer, Neuner e Elbert (2011), pesquisadores e clínicas de saúde profissionais associados à organização Voz das Vítimas (VIVO), que trabalha para proteger os direitos das vítimas da violência organizada e conflito. NET foi desenvolvido para tratar as sequelas psicológicas da guerra, tortura e violência organizada, observados especificamente em refugiados que sofreram traumatização repetida. Tem sido recomendado para vítimas de múltiplos traumas e recebeu suporte empírico para tratamento de TEPT em sobreviventes de conflito e violência organizada.23

Uma marca registrada da NET é a ênfase na narração. É baseado no método de “terapia de testemunho” desenvolvido no Chile como resposta à violência política que ocorreu no país nos anos 1970. Terapia de testemunho envolve sobreviventes contando sua história, que é transcrita, revisada para edição e entregue ao sobrevivente como registro escrito. NET usa um método semelhante por meio de integração e elaboração da memória traumática em uma memória autobiográfica e contextual completa, muitas vezes usando uma “linha de vida”. A habituação às memórias temidas ocorre por meio de relatos repetidos e atualizados de toda a experiência de vida do paciente – uma abordagem que produziu uma boa base de evidências.24

O objetivo principal da narrativa na NET é criar um relato descritivo dos eventos traumáticos que o paciente experimentou no contexto mais amplo de violência organizada, crimes de guerra ou outros eventos traumáticos politicamente relevantes. Pensa-se que o processo de criação desse testemunho promove a cura emocional ao dar sentido à experiência do indivíduo. Acredita-se que a criação desse registro histórico de eventos reduz a vergonha e a culpa e oferece uma oportunidade para reavaliar as crenças sobre o evento (por exemplo, destacando evidências de coragem), enquanto aumenta o senso subjetivo de agência ou poder (Lustig, Weine, Saxe e Beardslee, 2004). 23

Processualmente na NET, o sobrevivente constrói cronologicamente uma história de vida. Compreensão empática, escuta ativa, congruência e consideração positiva incondicional são componentes-chave do comportamento do terapeuta. Para experiências de estresse traumático, o terapeuta pede em detalhes memórias sensoriais, cognições, emoções e respostas fisiológicas. Enquanto narra, o sobrevivente é encorajado a reviver experiências traumáticas com todas as várias respostas emocionais, mantendo simultaneamente a conexão com o “aqui e agora”. Lembrando ao sobrevivente que os sentimentos atuais e as respostas fisiológicas resultam da recordação de memórias, o terapeuta os vincula ao contexto autobiográfico, ou seja, onde e quando o evento ocorreu.12

Em meio ao pano de fundo dos efeitos da exposição cumulativa ao estresse, a Terapia de Exposição Narrativa (NET), concentra-se nas experiências com as respostas de excitação mais fortes, especialmente aquelas que evocam medo e desamparo levando ao alarme ou respostas dissociativas. Além disso, na NET, os sobreviventes de trauma são encorajados a relembrar as experiências positivas e importantes, como as memórias de uma pessoa que cuida ou o sucesso e a recompensa da sociedade. A intervenção calibra as redes cognitivas e desenvolve recursos para o sobrevivente.12

O desenvolvimento de uma narrativa coerente ajuda a reorganizar e estruturar a memória traumática resultando em esquemas internos mais adaptativos. Na NET, a narrativa também é escrita pelo terapeuta, lida em voz alta pelo paciente ao longo do tratamento e entregue ao paciente no final do tratamento. 23

A biografia testemunhal documentada oferecida ao sobrevivente após o tratamento provou ser um grande incentivo para completar o tratamento, tornando raras as desistências. A eficácia da NET foi demonstrada com melhorias notáveis ​​na sintomatologia relacionada ao trauma, funcionamento psicossocial e saúde física.12

Na NET, os eventos positivos e os eventos potencialmente traumatizantes, negativos, são explorados e podem ser acompanhados de eventos de combate, que incluem não apenas experiências aversivas, mas também momentos positivos como vitória, satisfação de agressividade apetitiva, ou até mesmo alta de combate.12

A pesquisa sobre NET aponta para a importância da construção de uma narrativa escrita na reavaliação cognitiva e no processamento do trauma, e tem sido sugerido que isso pode ser mais benéfico do que apenas a exposição. 23

Dessensibilização e Reprocessamento por meio de Movimentos Oculares (EMDR)

Nas últimas décadas, surgiram outras técnicas que podem ser integradas em uma intervenção psicoterapêutica que tentam ajudar os pacientes a diminuir a ativação emocionalmente perturbadora durante a recordação de experiências angustiantes ou traumáticas associadas aos sintomas presentes. Uma das técnicas mais estudadas neste contexto é o Eye Movement Desensitization and Reprocessing, que hoje é considerada psicoterapia eletiva para o tratamento do TEPT em crianças, adolescentes e adultos.25

Sugere que as intrusões disfuncionais, emoções e as sensações físicas vivenciadas pelas vítimas de trauma se devem ao armazenamento inadequado do evento traumático na memória implícita. 14 As memórias não processadas das experiências de vida adversas, que incluem as emoções, crenças e sensações físicas experimentadas no momento do evento, são armazenadas inadequadamente na memória episódica e fundamentam as respostas disfuncionais atuais.12 Os procedimentos EMDR baseiam-se em estimular a próprio processamento de informação para ajudar a integrar o evento alvo como uma memória contextualizada adaptativa.14

Postula-se que o processamento EMDR do evento facilita as conexões com redes integradas de memória semântica que fornecem informações corretivas, resultando na geração interna de insights, mudanças nas emoções apropriadas e o surgimento de uma narrativa coerente. 12

A terapia EMDR tem oito etapas distintas, portanto, é um processo de tratamento gradual, e as emoções adaptativas são gradualmente adicionadas à rede neural da pessoa por meio de estimulação bilateral. Por esse motivo, o tratamento com EMDR varia de 06 a 14 sessões, normalmente uma a duas vezes por semana.5

As fases são baseadas no modelo Adaptive Information Processing (AIP): (1) anamnese, (2) preparação, (3) avaliação, (4) dessensibilização, (5) instalação, (6) varredura corporal, (7) fechamento e (8) reavaliação.25

Não é pedido aos clientes que descrevam a memória em detalhes, mas sim que se concentrem inicialmente em uma imagem do evento, a crença negativa atualmente mantida, e localização de sensações corporais perturbadoras. O processamento envolve exposições curtas de aproximadamente 30 s, combinadas com conjuntos sequenciais de movimentos oculares bilaterais que causam diminuições significativas na excitação, afeto negativo e vivacidade das imagens. Os pacientes são instruídos a “deixar que aconteça o que acontecer” à medida que novos pensamentos, emoções, sensações ou memórias geralmente surgem. Após cada série, eles são solicitados a relatar brevemente o que vem à mente, e o clínico orienta seu foco de atenção para a próxima série de acordo com protocolos padronizados. Os procedimentos de processamento facilitam e avaliam as mudanças nas respostas afetivas, cognitivas e somáticas, até que a memória seja resolvida. 12

Uma série de estudos indicou que os movimentos oculares (EMs) durante a recuperação da memória reduzem a vivacidade da memória e a ativação emocional. Essa vivacidade reduzida foi avaliada não apenas por meio de medidas de autorrelato, mas também por meio de tarefas comportamentais (ou seja, tarefa de tempo de reação) e com ressonância magnética funcional. Embora uma controvérsia em curso esteja presente sobre o possível papel crítico dos movimentos oculares no processamento de memórias angustiantes, a prática clínica e os achados neurobiológicos sugerem que os EMs são provavelmente apenas uma parte de uma intervenção clínica maior e mais complexa para o tratamento de lembranças perturbadoras.25

Psicoterapia psicodinâmica (PDT)

A psicoterapia psicodinâmica opera em um modelo interpretativo-suporte contínuo. Intervenções interpretativas melhoram a percepção do paciente sobre conflitos repetitivos sustentando seus problemas. As intervenções de apoio visam fortalecer habilidades (“funções do ego”) que são temporariamente inacessíveis a um paciente devido a estresse agudo (por exemplo, eventos traumáticos) ou aqueles que não foram suficientemente desenvolvidos (por exemplo, controle de impulsos). Assim, as intervenções de apoio mantem ou constroem funções do ego.

As intervenções de suporte incluem, por exemplo, promover uma aliança terapêutica, estabelecer objetivos, ou fortalecimento das funções do ego, como teste de realidade ou controle de impulso. O uso de intervenções mais de suporte ou mais interpretativas (reforço do insight) depende das necessidades do paciente.

Quanto mais gravemente perturbado é um paciente, ou quanto mais aguda é a sua condição, quanto mais intervenções de apoio e menos interpretativas são necessárias e vice-versa. Indivíduos saudáveis em uma crise aguda ou após um evento traumático, podem precisar de mais intervenções de suporte (por exemplo, estabilização, proporcionando um ambiente seguro e de apoio). Assim, um amplo espectro de problemas e transtornos psiquiátricos podem ser tratados com psicoterapia psicodinâmica.26

As teorias psicodinâmicas do TEPT sugerem que a terapia pode ajudar os pacientes a entender o efeito do evento traumático em sua personalidade, inserindo-o no contexto de suas experiências atuais. Também fornece aos pacientes uma visão sobre sua própria influência na assimilação do evento traumático em sua vida atual. Tipicamente se concentra em técnicas que aumentam a consciência dos pacientes sobre o conteúdo e o processo de pensamentos e sentimentos inconscientes associados ao evento traumático,28 na formulação adequada de um self traumatizado e no colapso de estruturas associado.3

A PDT também aborda os mecanismos de defesa mal-adaptativos que supostamente alimentam os sintomas do TEPT, ajudando os pacientes a aceitar o significado idiossincrático do evento traumático.28 O TEPT é um processo adaptativo normal a um evento anormal e a compreensão disso pode levar a uma maior aceitação da situação e dos sintomas do paciente.3

O objetivo da PDT é, portanto, ajudar os pacientes a obter domínio sobre suas experiências internas por meio de um enfrentamento mais eficaz.28 Procura ajudar o paciente a enfrentar o evento traumatizante e a reconhecer o que as circunstâncias específicas significam para a sua vida e bem-estar. Criticamente, as intervenções psicodinâmicas com TEPT são caracterizadas por tentativas de alcançar significado em relação tanto ao trauma original quanto aos comportamentos, cognições e afetos associados. 3

A PDT é uma abordagem comum para o tratamento do TEPT. Muitos dos terapeutas que trabalham em ambientes do mundo real foram treinados principalmente em PDT. Assim, é natural que esses terapeutas optem por entregar o tipo de tratamento que lhes é mais familiar. 28 Na prática, terapeutas e clínicos estão mais inclinados a adotar a PDT como uma abordagem alternativa de tratamento. Em termos absolutos, as evidências revisadas apoiam a PDT como um tratamento eficaz para o TEPT, mas em termos relativos, as evidências pesam a favor da TCC como a abordagem de tratamento mais eficaz. 3 Ainda, Markowitz et al. (2015) relataram que 50% dos pacientes preferiram um tratamento orientado psicodinâmico e apenas 26% preferiram a TCC. 29

Embora os estudos que examinam a PDT para o tratamento do TEPT sejam limitados, alguns demonstraram sua eficácia. Usando uma abordagem de tratamento psicodinâmico de 12 sessões de curto prazo visando sintomas de TEPT em veteranos de combate, Hendin (2014) descobriu que o tratamento reduziu com sucesso os sintomas de TEPT e comportamentos suicidas.30 A melhora contínua após o término do tratamento também foi relatada para PDT, sugerindo que pode ajudar a abordar áreas cruciais na apresentação clínica do TEPT e as sequelas de traumas não visados atualmente por tratamentos empiricamente apoiados. A PDT tem sido estudada com menos frequência do que a TCC e não foi estudada com rigor suficiente para determinar a sua eficácia.31

MECANISMOS BIOLÓGICOS DO TRATAMENTO PSICOTERÁPICO DO TEPT

Intervenções psicológicas podem promover mudanças na os pensamentos, sentimentos e comportamentos dos pacientes. Podemos dizer então que o tratamento psicológico promove alterações cerebrais? Infelizmente, os mecanismos biológicos relacionados à psicoterapia são pouco conhecidos. Por outro lado, a chegada de técnicas de neuroimagem possibilitaram investigar as consequências neurobiológicas do tratamento psicológico.32

Estudos de imagem funcional nas últimas duas décadas demonstraram que o TEPT é acompanhado por ativação aumentada da amígdala, particularmente a amígdala lateral e basal, com ativação aberrante entre a amígdala e o córtex pré-frontal medial, hipocampo e ínsula. Especificamente, a ativação excessiva da amígdala em pessoas com TEPT é consistentemente demonstrada por estudos de fMRI (functional magnetic resonance imaging) em resposta a palavras que despertam trauma. É sugerido por uma série de estudos de fMRI que a hiperativação da amígdala é devido ao controle inibitório ineficaz pelo córtex pré-frontal medial (mPFC), e uma revisão recente confirmou que para TEPT, ao contrário de outros transtornos de ansiedade, a ativação do córtex cingulado anterior (ACC), que faz parte da rede inibitória do mPFC, é consistentemente reduzido. Além disso, uma grande meta-análise de 846 pacientes com TEPT encontrou volume hipocampal bilateral reduzido, particularmente no lado esquerdo. 33

Dois estudos de fMRI identificaram correlatos neurais da TCC para TEPT, que tem as características neurais de hiperativação  a amígdala e ativação reduzida de PFC e ACC.

No primeiro estudo de fMRI, as respostas neurais de 14 pacientes com TEPT a rostos de medo mascarados foram medidas antes e depois de 8 semanas de TCC que envolvia educação, exposição imaginada e in vivo e terapia cognitiva. Os autores descobriram que apenas 7 pacientes estavam em tratamento foram respondedores (por exemplo, pelo menos 50% de melhora nos escores de sintomas), e que a resposta ao tratamento ruim foi associada a aumentos pré-tratamento na amígdala bilateral e ACC ventral. Os autores sugerem que respostas neurais excessivas pré-tratamento nessas regiões podem sinalizar déficits na regulação emocional durante o tratamento e podem prejudicar a eficácia da TCC. 34

Um segundo estudo de fMRI usou a tarefa No/Go (um paradigma em que os participantes são obrigados a reter a resposta ao pressionar o botão quando um estímulo de parada é apresentado),para examinar a função neural inibitória após 8 semanas de tratamento com TCC. Descobriu-se que após a TCC houve maior ativação da rede estriada dorsal esquerda e frontal durante o controle inibitório, o que foi associado a sintomas de TEPT de menor gravidade, indicando que melhorias no controle inibitório contribuem para uma melhor resposta ao tratamento. 35

Já Farrow et al., investigaram os efeitos do TEPT na fisiologia da cognição social.36 Os participantes realizaram fMRI antes e após o tratamento com TCC, avaliando áreas que foram relacionadas à cognição social de empatia e perdão, pelos mesmos autores em estudo anterior37: córtex pré-frontal medial esquerdo, giro temporal medial anterior, giro frontal inferior esquerdo, giro frontal orbital e giro cingulado posterior. Treze indivíduos que preencheram os critérios do DSM-IV para PTSD participaram do estudo. Os pacientes apresentaram redução significativa dos sintomas de TEPT. O principal achado foi que após o tratamento, os pacientes com TEPT experimentaram melhora dos sintomas acompanhada por aumento da atividade cerebral nas áreas relacionadas à cognição social. Segundo eles, os sintomas de TEPT podem afetar o processamento da cognição social e emocional, atenuando a ativação cerebral nas áreas relacionadas, especificamente a capacidade de empatia, e para os autores a TCC poderia regularizar essa ativação cerebral. Especificamente, houve um aumento na ativação do giro temporal medial em resposta ao paradigma de empatia. O mesmo processo ocorreu com a posterior giro cingulado, que teve sua ativação aumentada em resposta à condição de perdão após o tratamento. A partir deste estudo Farrow et al. concluíram que TCC pode promover mudanças na área do cérebro. 36

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As diretrizes atuais recomendam a TCC como tratamento de primeira linha para o TEPT, havendo forte recomendação tanto da APA quando da VA/DoD para diversas técnicas psicoterápicas, como CPT, PE, CT, sendo também recomendadas fortemente, por pelo menos uma diretriz, BEP, EMDR, NET.

As psicoterapias empiricamente apoiadas atualmente disponíveis para sobreviventes de trauma têm muito em comum: psicoeducação, desenvolvimento de habilidades de enfrentamento, processamento cognitivo, exposição imaginária, processos de memória, diferenciando a ênfase de cada técnica.

Preocupações em relação ao sofrimento elevado do paciente associado às técnicas de exposição devem ser consideradas na seleção da abordagem de tratamento mais adequada, podendo ser consideradas técnicas não focadas no trauma como IPT ou psicodinâmica.

Uma melhor familiaridade com os diferentes métodos disponíveis para introduzir a exposição e variar o grau e a maneira como os pacientes enfrentam o evento traumático durante a terapia, juntamente com o conhecimento das evidências que suportam abordagens mais moderadas, podem levar a uma melhor utilização das terapias na prática.

Ainda, a compreensão do mecanismo neurobiológico subjacente também pode eventualmente ajudar na escolha do tratamento mais indicado para um determinado paciente. Elucidar os correlatos neurais associados à redução dos sintomas tem sido objeto de pesquisa que visa a identificação dos mecanismos biológicos da psicoterapia. Uma melhor compreensão dos mecanismos cerebrais subjacentes à terapia pode promover melhorias nas intervenções terapêuticas, bem como aumentar o conhecimento sobre a formação e manutenção dos sintomas.

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Elimar Mayara de Almeida Menegotto

FotoPossui graduação em Medicina pela Universidade Federal da Grande Dourados (2012) e Residência médica em Oftalmologia pelo Hospital Governador Celso Ramos (SES-SC),com título de especialista pelo Conselho Brasileiro de Oftalmologia (2017). Residência médica em transplante de córnea e Especialização em Doenças Externas Oculares e Córnea pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP).

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