Empatia: dor e vingança

Empatia: dor e vingança

‘’[…] A simples informação de que alguém que amamos está passando por uma dor é suficiente para preparar nossos cérebros para ligar nossa experiência pessoal ao estado emocional do outro.” (Singer et al., 2004).

Empatia na dor

A maioria dos estudos relacionados com os tópicos “empatia” e “dor”, durante décadas, foi feita usando dor física como um paradigma, mas a dor envolve tanto caminhos de discriminação sensorial, quanto caminhos emocionais para a percepção de um estímulo potencialmente danoso. Por meio disso, ela motiva o organismo a evitar a repetição do estímulo doloroso. Assim, nós deveríamos esperar respostas cerebrais similares em experiências substitutas, ou seja, em experiências que ‘’substituam’’ o outro por nós mesmos, de tal forma que nós sejamos – ou pelo menos tenhamos a sensação de ser – o sujeito a passar por um determinado sentimento, ou ainda experiências diretas, que envolvam, por exemplo, estímulos de dor em nossa própria pele.

Em 2004, Tania Singer – uma das pesquisadoras mais promissoras no campo da empatia – estudou a atividade cerebral de mulheres, quando elas estavam sendo estimuladas com choques dolorosos, em comparação com a visão de seus parceiros românticos recebendo o mesmo estímulo dolorosamente latejante. Usando scanners de ressonância magnética funcional (fMRI), Singer e seus colegas descobriram algumas coisas interessantes:

  • Experiências diretas ativaram, como esperado, caminhos emocionais e de discriminação sensorial. O córtex somatossensorial, tanto o primário quanto o secundário, bem como as áreas do cérebro relacionadas ao processamento afetivo da dor, especialmente as porções anteriores da ínsula e os córtices cingulados, significativamente aumentaram sua atividade.
  • A experiência substitutiva (ou seja, indireta) de ver os parceiros sofrendo ativou a ínsula anterior e o córtex cingulado. Isso sugere que as mulheres foram capazes de gerar uma representação compartilhada do estado emocional dos seus parceiros.
  • Não só a experiência substitutiva em si, mas também a presença de pistas antecipatórias podem resultar em um aumento da atividade nas áreas cerebrais mencionadas.

Os autores concluíram que testemunhar a dor em outras pessoas gera a ativação dos circuitos neurais relacionados ao mesmo estado emocional da pessoa que está experimentando o estímulo doloroso. Mais ainda, a simples informação de que alguém querido está para ser ferido é suficiente para preparar nossos cérebros para ligar nossas memórias de experiências pessoais relacionadas com a dor ao estado emocional desse alguém que amamos (Singer et al., 2004). Entretanto, essas descobertas abrem porta para novas questões. Se tanto sinais de experiências substitutivas (indiretas), quanto as diretas, podem gerar respostas empáticas, isso pode significar que a ínsula anterior e os córtices cingulados são estruturas centrais de processamento que poderiam ser ativadas por diferentes circuitos neurais?

O papel da informação disponível: sistema de neurônios-espelho versus Teoria da Mente

‘’ Em contraste com nosso sistema de neurônio-espelho, mentalizar requer atividade consciente e reflexiva. É um processo cognitivo e não emocional. ‘’

‘’Os neurônios-espelho (NE), descobertos ao final da década de 1990, foram relacionados com o controle de ações fundamentais no repertório motor, como o manejo de comida e objetos e a comunicação por meio de expressões faciais. Posteriormente também se supôs que tivessem relação com comportamentos mais complexos, tais como a compreensão da intencionalidade do ato alheio. As habilidades sociais (HS) são comportamentos aprendidos em contato com o meio e que procuram adaptar o indivíduo a seu ambiente. ‘’ (Ferreira, Cecconello & Machado, 2017)

Estudando o papel do córtex pré-motor no controle motor voluntário, um time de pesquisadores italianos descobriu que essas conexões motoras não são exclusivamente envolvidas em planejamento de movimentos. Surpreendentemente, eles também aumentaram a atividade em resposta aos movimentos dos investigadores (di Pellegrino et al., 1992). Quatro anos depois, eles foram nomeados neurônios-espelho, um termo bem conhecido que se refere a grupos de neurônios, cujas atividades nos providenciam mecanismos básicos para entender intuitivamente as ações de outros.

Diferentes estudos têm mostrado a relação entre a experiência empática direta e a ativação das estruturas de neurônios-espelho localizadas em duas áreas separadas do cérebro, chamadas córtex pré-frontal e córtex parietal inferior (Keysers & Gazzola, 2007; Rizzolatti et al, 2001). Podemos entender de modo fácil o funcionamento dos neurônios-espelho, por exemplo, ao imaginar como o ato de olhar para alguém bebendo algo nojento pode automaticamente nos fazer sentir o mesmo nojo, e até adotar a mesma expressão facial.

Além disso, às vezes, nós não temos toda informação emocional disponível e precisamos fazer suposições sobre o que está acontecendo em uma situação particular, baseando-nos nos estímulos interno e externo. Por exemplo, quando um amigo liga e nos diz que perdeu um irmão num acidente de carro. Neste ponto, entra em ação a habilidade de mentalização (Teoria da Mente), ou seja, a habilidade de representar e compreender os estados mentais (crenças, desejos etc.) em si próprio e no outro. Como nós não temos um sinal amostral de dor explícita, precisamos atiçar mentalmente (internamente) a nossa consciência para gerar uma imagem processual. Assim, regiões do córtex pré-frontal medial ou córtex cingulado posterior, dentre outras, são envolvidas operacionalizando a habilidade de inferir e representar a dor emocional do outro (Lamm et al., 2011). Essa mentalização pode ser expressa na voz, por exemplo, por meio da entonação mais lamentosa, usada para estabelecer uma comunicação efetiva, por uma abordagem mais afetiva, com aquele amigo que acabou de sofrer a perda.

O lado escuro da empatia: a vingança

É sabido que respostas empáticas podem ser moduladas por variáveis internas como traços de personalidade ou habilidade de identificar e descrever emoções, e até por fatores externos. Um fator interessante é como nós percebemos a noção de justiça. Singer e seus colegas (2006) desenvolveram um experimento no qual homens e mulheres eram convidados a participar de um jogo contra jogadores justos e injustos. Depois do jogo, a atividade cerebral dos participantes foi analisada, enquanto observavam seus oponentes sendo “feridos”. Como vimos acima, a ínsula anterior e os córtices cingulados dos participantes aumentaram a atividade quando jogadores justos receberam um estímulo doloroso. Em contraste com isso, tais áreas mostraram atividade diminuída quando eles assistiam os injustos serem punidos por esses estímulos.

Ao menos nos homens, olhar os jogadores injustos sendo machucados ativou, significativamente, estruturas relacionadas à recompensa, reafirmação e autofortalecimento, quase como se aquilo que estavam observando fosse – mesmo que não dependesse do indivíduo – uma missão cumprida, do tipo que nos faz dizer orgulhosos “Bem feito!”, enquanto olhamos os injustos sendo punidos. A pesquisa de Singer e seus colegas apontam, portanto, no sentido de que a ativação observada em estruturas como o núcleo accumbens e o córtex órbito-frontal, para citar alguns, que estão normalmente relacionadas com a busca de recompensa e tomada de decisão, indicariam correlacão com o desejo de vingança, constituindo um mecanismo neurobiológico que pode explicar a base do comportamento punitivo.

Como vimos, o cérebro humano é estruturado para nos dar informações que dependem do contexto em que o sujeito está, tendo por finalidade a modulação do nosso comportamento. Diferentes estruturas estão envolvidas na complexa tarefa de, intuitivamente, identificar mudanças em expressões faciais ou variações vocais, além de inferir como nossos colegas podem estar se sentindo.

Esses mecanismos nos permitem fazer da dor alheia a nossa própria, com a finalidade de ajudar na modulação de interações sociais. Eles também parecem ter um papel crítico na detecção de transgressão e depravação de um indivíduo perante a empatia da comunidade na qual ele está inserido. Os resultados de pesquisas realizadas nas últimas décadas (ver sugestões de leitura nas referências bibliográficas deste texto, abaixo) oferecem pistas interessantes para o entendimento profundo de como interações sociais se desenvolvem entre diferentes culturas, e como humanos desenvolveram métodos formais de controle, punindo ações indesejadas com base no que é considerado comportamento regra, embasando-nos inclusive no poder da empatia para a formação do que seria esse comportamento regra, isto é, aquele que garante o bem-estar de todos e que delimita socialmente as nossas ‘’liberdades’’, ao menos em tese. Essas e outras questões, inclusive a própria intuição, serão assuntos para artigos futuros aqui do Neuroteen.

Referência Bibliográfica

Di Pellegrino, G., Fadiga, L., Fogassi, L., Gallese, V., & Rizzolatti, G. (1992). Understanding motor events: a neurophysiological study. Experimental Brain Research, 91(1), 176–180.

Ferreira, V., Cecconello, W., Machado, M. (2015). Neurônios-espelho como possível base neurológica das habilidades sociais. Psicologia em Revista, v. 23, n. 1, p. 147-159, jan. 2017. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/per/v23n1/v23n1a09.pdf

Keysers, C., & Gazzola, V. (2007). Integrating simulation and theory of mind: from self to social cognition. Trends in Cognitive Sciences, 11(5), 194–196.

Lamm, C., Decety, J., & Singer, T. (2011). Meta-analytic evidence for common and distinct neural networks associated with directly experienced pain and empathy for pain. NeuroImage, 54(3), 2492-2502.

Rizzolatti, G., Fogassi, L., & Gallese, V. (2001). Neurophysiological mechanisms underlying the understanding and imitation of action. Nature Reviews Neuroscience, 2(9), 661–670.

Singer, T., Seymour, B., O’Doherty, J., Kaube, H., Dolan, R. J., & Frith, C. D. (2004) Empathy for pain involves the affective but not sensory components of pain. Science, 303(5661) 1157-1162.

Singer, T., Seymour, B., O’Doherty, J. P., Stephan, K. E., Dolan, R. J., & Frith, C. D. (2006). Empathic neural responses are modulated by the perceived fairness of others. Nature, 439(7075), 466-469.

Bibliografia Sugerida

Bernhardt, B. C., & Singer, T. (2012). The Neural Basis of Empathy. Annual Review of Neuroscience, 35(1), 1-23.

Nota

O ponto de partida deste texto foi a tradução do artigo “Empathy: Building social Interactions By Linking Our Emotional Lives” (Miguel Omar Belhouk Herrero, 2021). Todavia, a partir do trabalho de tradução foram surgindo novos parágrafos, desenvolvendo mais o tema da empatia em diálogo com essa obra base. O link para o artigo original, em inglês, é o seguinte: https://knowingneurons.com/2021/03/29/neural-basis-of-empathy/

* Gláucia Batista de Barros – É graduanda no curso de Saúde Coletiva, na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e aluna extensionista no projeto Redeneuro (Rede de Estudos em Neuroeducação). Autora do livro de ficção “O Segredo dos Barsala”.

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