Civilidade, Bullying e Empatia

Civilidade, Bullying e Empatia

Gláucia Batista de Barros

Para você o exercício da civilidade tem alguma relação com a empatia e bullying? Neste texto, irei gradativamente conduzir os parágrafos a essa pergunta específica, citando antes alguns dados e ideias interessantes a fim de estimular uma reflexão a respeito do tema, além de abordar os aspectos neurocientíficos do assunto. Primeiramente, devemos considerar que tanto a civilidade quanto a empatia estão relacionados com um fator: o respeito aos outros. Esse elemento estimula o comportamento empático. Afinal, ‘’ter boas habilidades sociais implica em compreender a intencionalidade do comportamento alheio para, então, selecionar qual comportamento se adota como consequência.‘’, como bem destaca Vinícius Ferreira e seus colaboradores no artigo Neurônios-espelho como possível base neurológica das habilidades sociais

Uma pesquisa realizada pela Microsoft, sobre civilidade digital no Brasil, usou como método formulários com perguntas para avaliar os riscos online em quatro áreas: comportamental, reputacional, sexual e pessoal/intrusivo (Shimabukuro, 2021). Os resultados indicaram que, mesmo o atual estado de civilidade digital do Brasil tenha se mantido em relação à mesma pesquisa realizada em anos anteriores, cerca de 43% dos entrevistados revelaram que estiveram envolvidos em incidentes de bullying na internet. Este estudo foi realizado no mês de maio de 2020, em 32 países, buscando mensurar o comportamento e a percepção de adolescentes (de 13 e 17 anos) e adultos (de 18 a 74 anos) na internet. 

O problema da civilidade na web tem muita relação com a empatia, não só no contexto cibernético, mas também no meio social em si. Segundo a pesquisa acima citada, foi verificado, no Brasil, o mesmo índice de 72% computados na pesquisa anterior sobre o crescimento da prática de bullying na internet. Obviamente, o problema é grave, pois representa um alto índice de exposição aos riscos online em nosso país. Entretanto, soma-se a isso a revelação de que 43% dos entrevistados brasileiros alegaram envolvimento em incidentes de bullying. É importante lembrar que a própria ONU (Organização das Nações Unidas) já havia reportado o alarmante crescimento mundial da prática do bullying em variados contextos e, em especial, em relação ao cyberbullying. 

O termo bullying diz respeito a todas as atitudes agressivas, intencionais e repetidas, que são praticadas sem que haja uma motivação ou justificativa plausível e evidente. Trata-se daquelas ações adotadas por um ou mais indivíduos contra terceiros, e que acarreta dor e/ou angústia (Lopes Neto, 2005). Normalmente, buscam estabelecer, por parte do agente, uma relação desigual de poder em seu favor. Essa assimetria de poder entre agressor e agredido está muito associada ao bullying e pode tomar a forma de uma assimetria de poder pela diferença de idade, tamanho, desenvolvimento físico ou emocional, bem como de maior apoio dos demais estudantes e busca de criação de uma imagem pública de dominância. São comportamentos agressivos que muitas vezes ocorrem nas escolas, poderíamos dizer a maior parte das vezes, mas não somente aí. Infelizmente, essas práticas passam muitas vezes sem ser percebidas ou sem que sejam tomadas medidas interventivas por professores, pais, gestores ou administradores dos espaços onde ocorrem.

A pesquisa da Microsoft revela ainda que 21% dos entrevistados foram vítimas de bullying na internet e 41% disseram que a civilidade digital caiu quando começou a pandemia do novo coronavírus, em 2020-2021. Trata-se de uma informação significativa, pois, na situação pandêmica, que nos forçou à necessidade de isolamento por razões sanitárias, verificou-se o aumento no uso das redes sociais, especialmente entre crianças e adolescentes, os quais têm uma maior necessidade psicológica de formar relações sociais e pertencer a um grupo (Dayrell, 2003). De acordo com a pesquisa, as pessoas mais afetadas pelo cyberbulling são justamente os indivíduos identificados como integrantes da geração millenials (nascidos após o início da década de 1980 até o final do século XX) e Z (nascidos após os anos 1990 até o início do ano 2010).

O psicólogo e pesquisador Wanderlei Abadio de Oliveira afirma que tanto as crianças que sofrem bullying, aquelas que praticam têm histórico de más relações familiares (Arenghelli, 2017). Segundo Oliveira, essas “relações seriam marcadas pela falta de diálogo saudável e de envolvimento emocional. Também está presente nessas famílias a má relação conjugal entre os pais/cuidadores e, ainda, as punições físicas exercidas por eles.” 

É curiosa a informação de que não só as crianças que praticam bullying muitas vezes sofrem de alguma disfunção familiar, mas que as crianças tornadas alvos de bullying também. Esse entendimento sugere que ambas não são devidamente encorajadas a pensar suas práticas, bem como a reagir corretamente diante das afrontas. Isto é, a vítima nem sempre adotar a comunicação dos fatos aos seus responsáveis pode passar por uma questão que atravessa sua formação familiar, talvez não se sentindo a vontade para falar sobre isso, quer por uma demanda de imagem familiar que não preveja a fragilidade da criança como parte de sua constituição identitária, quer por falta de amparo ou tantas outras razões. 

Lopes Neto (2005) afirma que “condições familiares adversas parecem favorecer o desenvolvimento da agressividade nas crianças. Pode-se identificar a desestruturação familiar, o relacionamento afetivo pobre, o excesso de tolerância ou de permissividade e a prática de maus-tratos físicos ou explosões emocionais como forma de afirmação de poder dos pais. Fatores individuais também influem na adoção de comportamentos agressivos: hiperatividade, impulsividade, distúrbios comportamentais, dificuldades de atenção, baixa inteligência e desempenho escolar deficiente. ‘’

A pesquisa de Wanderlei Oliveira foi feita com 2.354 estudantes, com idades entre 10 e 19 anos, de escolas públicas de Uberaba, Minas Gerais (Arenghelli, 2017). O pesquisador aplicou questionários para identificar a qualidade da interação familiar e a ligação com situações de bullying na escola. Os resultados mostraram que os estudantes sem envolvimento com o bullying tinham melhores interações familiares, demonstradas pelo cuidado, afeto e boa comunicação com pais que mantinham boa relação conjugal. Outro ponto destacado revela que os pais desses estudantes estabeleciam regras comportamentais dentro de casa, além de manter supervisão sobre as ações de seus filhos, tais como se informar sobre o local que estão nos tempos livres, círculo de amizades etc. Estes e outros aspectos levaram o pesquisador a perceber a importância da valorização do tempo entre pais e filhos para a criação dos padrões de civilidade. Compreende-se esta “tempo” como um momento de qualidade afetiva, promovendo habilidades sociais que possam ajudar a criança a viver socialmente, bem como a reagir a afrontas iniciais, impedindo que um problema ganhe constância e aumento de gravidade, constituindo-se como bullying

Três legislações estabelecem a base de entendimento sobre a relação entre o desenvolvimento e a educação de crianças e adolescentes no Brasil: a Constituição da República Federativa do Brasil, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e a Convenção sobre os Direitos da Criança da Organização, das Nações Unidas. Neles estão previstos os direitos ao respeito e à dignidade. É importante destacar que, nesse contexto, a educação é entendida como um meio de prover o pleno desenvolvimento da pessoa e seu preparo para o exercício da cidadania.

Bullying e o cérebro

Percebemos, assim, a relação entre as noções de civilidade e empatia, cabendo, ainda, perguntar: por que ocorre o bullying? O que há no cérebro da criança e do adolescente praticante de bullying que possa contribuir para esse tipo de prática? Acreditar, exclusivamente, em disfunções familiares não parecem ser suficientes. Por isso, estudos, como a revisão de sistemática de Aramis Lopes Neto, intitulado Bullying: comportamento agressivo entre estudantes, nos ajudam a entender a complexidade do tema e sua importância social. Ele explica que ‘’a violência é um problema de saúde pública importante e crescente no mundo, com sérias consequências individuais e sociais, particularmente para os jovens, que aparecem nas estatísticas como os que mais morrem e os que mais matam.’’ 

Neto é sócio fundador da Associação Brasileira Multiprofissional de Proteção à Infância e à Adolescência (ABRAPIA), coordenador do Programa de Redução do Comportamento Agressivo entre Estudantes, diretor da Diretoria dos Direitos da Criança da SOPERJ, e médico da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro. Ele argumenta o quanto a escola se faz importante para o jovem (crianças e adolescentes). Isso porque a escola, para indivíduos nessas faixas etárias, ajudam na construção de uma visão mais contextualizada de mundo.  

O espaço escolar retira o indivíduo do seu contexto isolado e o expõe a novos contextos sociais, a pessoas que nem mesmo os pais conhecem, pessoas com a mesma idade ou idade muito próxima à dele, cujas famílias podem tê-las ensinado modos de comportamento e valores de forma bem diferente. Trata-se de uma exposição positiva porque abre o horizonte de expectativas e perspectivas, enriquecendo nossa bagagem de conhecimentos. Obviamente, é importante considerar que para algumas crianças e adolescentes, essa experiência pode ter um lado conflitivo (choque de realidades). Se os pais tiverem com ela um relacionamento disfuncional de alguma forma, por mais singela que seja, esta disfunção pode acabar afetando o comportamento social da criança fazendo-a projetar suas dores em outros; ou ser compassivo demais com comportamentos abusivos, tornando-se um alvo fácil de bullying

Vale, por fim, considerar que há uma prevalência do bullying entre alunos com idades variando entre 11 e 13 anos, com menor incidência entre alunos da educação infantil e do ensino médio. No que diz respeito aos agressores, observa-se um predomínio do sexo masculino, enquanto que, no papel de vítima, não há diferenças entre gêneros. A maior incidência de praticantes entre meninos não indica necessariamente que eles sejam mais agressivos, mas que os comportamentos agressivos entre meninos tendem a ser mais explícitos do que entre meninas, que muitas vezes se manifestam de formas mais sutis, implícitas (Lopes Neto, 2005). 

Os avanços neurocientíficos possibilitaram a compreensão de algumas interações sociais mais complexas, como o processo de aprendizagem pela imitação, os mecanismos que levam à confiança, e a empatia (Frith & Frith, 2012).  Tais descobertas levaram à compreensão do papel dos neurônios-espelho (NE) em macacos e, posteriormente, em seres humanos, abrindo possibilidades para a compreensão das bases biológicas de nossas habilidades de relacionamento interpessoal (Fogassi & Rizolatti, 2013).  

Segundo Corradini e Antonietti (2013), há fortes indícios de que esse agrupamento de neurônios possa estar intimamente relacionado com o comportamento de imitação e de que esteja também relacionado com fenômenos afetivos complexos, como a empatia.

Bullying e cognição

Aramis Lopes Neto argumenta que, através da agressão, a prática do bullying diz respeito a uma forma de afirmação de poder interpessoal. Vale lembrar, entretanto, que a vitimização é outro processo diretamente relacionado com o bullying e ocorre no momento em que uma pessoa é feita de receptor do comportamento agressivo de outra (mais poderosa). Assim, uma criança que é constantemente agredida pode se tornar cada vez mais introvertida ao passo que os outros comecem a notá-la como alvo de agressões; ela também pode começar a agredir os outros numa tentativa de expurgar a raiva ou o rancor por ser maltratada sem motivos lógicos. Na primeira situação, a criança se tornaria alvo fácil de bullying; na segunda, um praticante.

Segundo estudos de psicologia social, para sobreviver melhor, a humanidade organizou-se em estruturas sociais nucleares (clãs e tribos), considerando o potencial associativo da vida em coletividade nos ambientes selvagens e hostis. Funcionalmente, a escola produz um efeito parecido, criando um espaço de sociabilidade que insere o indivíduo como parte de um grupo, por meio de atividades majoritariamente coletivas. Vale ressaltar, todavia, que o espaço para as manifestações das individualidades é igualmente importante, evitando a “padronização” dos estudantes e estimulando o desenvolvimento das habilidades de cada aluno.  

A importância da noção de pertencimento para o jovem, como visto na matéria Empatia: Construindo interações sociais ao ligar nossas vidas emocionais, acentua-se mais na adolescência, porque as mudanças corporais constantes trazem à tona para o jovem uma série de questões sobre sua identidade. Desta forma, ele vê no envolvimento com um grupo uma forma rápida de “se sentir alguém”, de estar “com pessoas que o compreendem”. 

Quando o indivíduo em fase escolar, criança ou adolescente, por quaisquer motivos sociopsicológicos, se afasta do seu grupo, este último tende a entender esse afastamento como um sinal de que aquela pessoa não quer fazer ou não merece fazer parte do conjunto. A partir daí, surge uma suspensão da empatia, fazendo com que todos, conscientemente ou não, vejam aquele indivíduo como “o outro”, diminuindo os filtros de vocabulários ou moderações de gestos e opiniões que mantinham pelo laço empático. Essa polarização entre “eu/nós” e o “outro” pode contribuir para o início da prática de bullying, e para o silêncio de algumas vítimas que buscam ser aceitas, mesmo sob condições negativas. Essa aprovação social é extremamente importante para o jovem, mas nesse contexto ela se torna prejudicial.  

‘’A criança aprende comportamentos sociais por via da observação e imitação social, interagindo com seus cuidadores, assim como com outras pessoas. Assim, a constituição de respostas funcionais torna-se o resultado de processos, os quais começariam com uma recepção correta de estímulos interpessoais relevantes que são interpretados (discriminação de estímulos). ‘’ (Del Prette & Del Prette, 2011).  

Todos esses aspectos cognitivos estão relacionados com o processo de Modelação Social (Bandura, 2008; Davidoff, 2010), que consiste no processo de observar e imitar as ações de outros indivíduos que vai além além da imitação, da mimetização, pois o indivíduo interpreta o que é observado e experimentado coletivamente. Ao passo que apreendem o princípio condutor dado pela modelação social, passam a ser capazes de usar o princípio para produzir novas versões do comportamento.

“Adultos tendem a modelar o comportamento com base nas respostas emitidas por outros e que são consideradas funcionais (e.g.: mentores, colegas de trabalho). Portanto a observação e a imitação são relevantes porque o sujeito agrega novas respostas ao seu repertório social.” (Ferreira, Cecconello, Machado, 2017) 

Para entender o surgimento de uma relação de desprezo entre um grupo sobre um indivíduo, é interessante recorrer à Teoria das Janelas Quebradas. No livro Fixing Broken Windows: Restoring Order and Reducing Crime in Our CommunitiesGeorge Kelling e Catherine Coles apresentam essa teoria, que consiste na seguinte ideia:

‘’Considere um edifício com algumas janelas quebradas. Se as janelas não forem reparadas, a tendência é que vândalos quebrem mais janelas. Após algum tempo, poderão entrar no edifício e, se ele estiver desocupado, torna-se uma “ocupação” ou até incendeiam o edifício.’’ Ou ainda, ‘’considere uma calçada ou passeio no qual algum lixo está acumulado. Ao longo do tempo mais lixo é acumulado. No final das contas, as pessoas começam a deixar lá seus sacos de lixo.’’ 

E como isto se aplica ao bullying? Bem, essa teoria ajuda a explicar o porquê de, numa situação em que alguém se isola de um grupo ou em que o próprio grupo decide isolar esse alguém, há um tratamento destrutivo, de desprezo. Se uma pessoa é ofendida e não reage eficazmente em sua defesa, parte daqueles que testemunharam a ofensa e os próprios ofensores inicias irão se sentir na liberdade de repetir a ofensa. O mesmo se dá se a vítima demonstrou insuficientemente que se importava com o que foi dito a ela, e que aquilo não deveria se repetir. Depois que algumas ofensas a essa mesma pessoa não recebem as respostas defensivas necessárias, a tendência é que esses comportamentos agressivos, por parte dos ofensores, acabem se fortalecendo e se repetindo, muitas vezes sob formas novas, ainda mais cruéis. 

Mas e quanto aos demais, aos não agressores diretos? Por que será que um grupo concorda indiretamente (ao manter seu silêncio) em excluir alguém ou não defendê-lo ativamente? Bem, em geral, uma pessoa é excluída de uma turma na percepção de algum conflito de ideias e/ou de comportamentos. Algumas vezes, isso ocorre pelo reforço de representações preconceituosas de variados tipos. Segundo Lopes Neto, 

“algumas características físicas, comportamentais ou emocionais podem torná-lo mais vulnerável às ações dos autores e dificultar a sua aceitação pelo grupo. A rejeição às diferenças é um fato descrito como de grande importância na ocorrência de bullying. No entanto, é provável que os autores escolham e utilizem possíveis diferenças como motivação para as agressões sem que elas sejam, efetivamente, as causas do assédio.”

Os preconceitos (conceitos prévios) tendem a ser uma desculpa para justificar socialmente a agressão. As vítimas preferenciais tendem a ser aquelas que não dispõe de recursos, status ou habilidade para reagir ou cessar o bullying. Criar um argumento de naturalização do bullying em função de algum preconceito, costuma ser uma estratégia dos agressores. O preconceito socialmente estabelecido cria um ambiente propício ao silêncio das testemunhas. Segunda, Lopes Neto afirma que ‘’Grande parte das testemunhas sente simpatia pelos alvos, tende a não culpá-los pelo ocorrido, condena o comportamento dos autores e deseja que os professores intervenham mais efetivamente.”, todavia costumam não se posicionar em função de argumentos preconceituosos. E seu silêncio acaba tornando-os auxiliares do agressor:

“Cerca de 80% dos alunos não aprovam os atos de bullying. A forma como reagem ao bullying permite classificá-los como auxiliares (participam ativamente da agressão), incentivadores (incitam e estimulam o autor), observadores (só observam ou se afastam) ou defensores (protegem o alvo ou chamam um adulto para interromper a agressão).”

Outras características comuns da vítima preferencial são: ser pouco sociável, insegurança, timidez, baixa autoestima, ter poucos amigos, introversão, envergonhado, depressão, ansiedade, entre outras. É importante notar, então, que se um jovem não se defende, direta ou indiretamente, ao ser agredido socialmente por seus pares, devido às suas ideias, seus comportamentos, sua identidade ou qualquer outro aspecto, ele estará, involuntariamente, alimentando a prática do bullying.

Algumas vezes, a autoestima da vítima pode estar tão comprometida por maus-tratos em casa ou outros grupos sociais, que ela passa a acreditar ser merecedora dos maus-tratos subsequentes. Soma-se a isso o tempo de duração e a regularidade das agressões, que a acabam contribuindo para o agravamento dos efeitos.

Outro aspecto é o medo, que pode tomar a forma de medo do agressor diretamente ou, em alguns casos, do medo da reação familiar. Mais precisamente, medo de reações severas em casa ou da reação pela não correspondência a uma determinada imagem pré-concebida pelos pais. Isto se verifica de forma mais recorrente em ambientes familiares muito severos ou engessados em torno de estereótipos, onde a criança ouve frases como: “meu filho tem que se defender, se apanhar na rua, apanha em casa de novo” ou “homem não chora, enfrenta”, “minha filha é independente, ela se vira”. Por vezes, o medo de não corresponder à imagem familiar ou de sofrer punições também em casa acaba levando o sujeito a silenciar suas fraquezas e suportar o bullying em silêncio.

Então, o bullying, em muitas situações, quando aceito pela turma e não repreendido por pessoas com superioridade hierárquica (responsáveis, pais, professores, chefes etc.) conduz a uma promoção social do agressor daquele indivíduo no seu meio. Isto ganha especial relevo se pensado no contexto infantil, quando a sociabilidade e seus paradigmas estão sendo construídos e os indivíduos estão se desenvolvendo cognitivamente.  

Algo que pode ser feitos, tanto no contexto familiar, quanto educacional, é cultivar a autovalorização, de forma que gere uma autoconfiança sólida no indivíduo, que favoreça a ele reagir em uma situação de afronta. Aliado a isso, cultivar também a escuta, ou seja, criar oportunidades para escutar o indivíduo, quer em casa, quer na escola.  

‘’Todos desejamos que as escolas sejam ambientes seguros e saudáveis, onde crianças e adolescentes possam desenvolver, ao máximo, os seus potenciais intelectuais e sociais. Portanto, não se pode admitir que sofram violências que lhes tragam danos físicos e/ou psicológicos, que testemunhem tais fatos e se calem para que não sejam também agredidos e acabem por achá-los banais ou, pior ainda, que diante da omissão e tolerância dos adultos, adotem comportamentos agressivos. ‘’ (Lopes Neto, 2005) 

‘’A adequada compreensão dos mecanismos de interação social é objeto central das Ciências Humanas, mas a Neurociência também lança olhares sobre esse tema. Neurocientistas estão preocupados, como psicólogos, sociólogos e antropólogos, com a compreensão das bases biológicas do relacionamento humano e da empatia. ‘’ (Ferreira, Cecconello e Machado, 2017) 

Em seu artigo, o autor aponta algumas soluções psicopedagógicas para as várias situações de bullying, partindo inclusive do campo da pediatria. Obviamente, os danos que o bullying causa nos jovens alvos, nos praticantes, nas testemunhas, e nas famílias envolvidas, difere e varia muito. Portanto, é necessário que isso seja alvo de muita atenção dos professores, dos pais, e da sociedade como um todo, porque atividades que estimulem mais a empatia ajudam a fortalecer o exercício da civilidade entre os jovens, criando adultos mais responsáveis. Habilidades de relacionamento interpessoal são essenciais para o convívio humano, pois a vida em sociedade é uma das características da nossa espécie.  

Referências

ARENGHERI, S. Bullying na escola está ligado à má relação familiar, diz estudo. Jornal da USP. 24/10/2017. Disponível em https://jornal.usp.br/ciencias/ciencias-da-saude/bullying-na-escola-esta-ligado-a-ma-relacao-familiar-diz-estudo/

BANDURA, A. A evolução da teoria social cognitiva. In A. Bandura, R. G. Azzi & S. Polydoro, Teoria social cognitiva: conceitos básicos. (pp. 15-42). São Paulo: Artmed, 2008.

CORRADINI, A. & ANTONIETTI, A. (2013). Mirror neurons and their function in cognitively understood empathy. Consciousness and cognition, 22(3), 1152- 1161.

DAYRELL, J. O jovem como sujeito social. Revista Brasileira de Educação, v. 24 (set-dez), pp. 40-52, 2003.

DEL PRETTE, Z. A. P. & DEL PRETTE, A. C. (Orgs.). Psicologia das habilidades sociais: diversidade teórica e suas implicações. Petrópolis: Vozes, 2011.

FERREIRA, V. R. T.; CECCONELLO, W. W.; MACHADO, M. R. Neurônios-espelho como possível base neurológica das habilidades sociaisPsicologia em Revista, [S. l.], v. 23, p. 1-13, 4 jan. 2017.

FOGASSI, L. & RIZZOLATTI, G. (2013). Is science compatible with free will?: exploring free will and consciousness in the ligth of Quantum Physics and Neuroscience. New York: Springer.

FRITH, C. D., & FRITCH, U. (2012). Mechanisms of social cognition. Annual Review of Psychology, Vol. 63, pp. 287-313. https://doi.org/10.1146/annurev-psych-120710-100449 

LOPES NETO, Aramis. Bullying – comportamento agressivo entre estudantes. J Pediatr (Rio J). 2005; 81(5 Supl):S164-S172.

SHIMABUKURO, I. 43% dos brasileiros se envolveram com bullying entre 2019 e 2020, diz pesquisa. Olhar Digital, online, 16 jan 2021.

Sugestões de leitura

JOMAR, R. T.; FONSECA, V. A. de O.; RAMOS, D. de O. Effects of sexual orientation-based bullying on feelings of loneliness and sleeping difficulty among Brazilian middle school students. Jornal de Pediatria, [S. l.], p. 1-9, 15 abr. 2020. Disponível em: https://www.scielo.br/j/jped/a/rXHCDjptZff7sQtrXCRMfFh/?lang=en. Acesso em: 13 set. 2021. 

MAYEZA, E.; BHANA, D. Boys and Bullying in primary school: Young masculinities and the negotiation of power. South African Journal of Education, [S. l.], p. 1-8, 1 fev. 2021. Disponível em: http://www.scielo.org.za/pdf/saje/v41n1/09.pdf. Acesso em: 13 set. 2021.

OLWEUS, D. (1997). Bully/victim problems in school: Facts and intervention. European Journal of Psychology of Education, 12(4), 495-510.

SANTOS, I. F.; SILVA, M. A. C. da. O corpo no ensino médio: uma análise da percepção corporal dos estudantes do Rio de Janeiro. Journal of Physical Education, [S. l.], p. 1-12, 4 maio 2021. Disponível em: https://www.scielo.br/j/jpe/a/CS633xsKR9HTvRQ477RVXtd/?lang=pt. Acesso em: 13 set. 2021.

SANTURIO, J. I. M.; FERNÁNDEZ-RÍO, J.; ESTRADA, J. A. C.; GONZÁLEZ-VÍLLORA, S. Bullying, basic psychological needs, responsibility and life satisfaction: connections and profiles in adolescents. Annals of psychology, [S. l.], p. 1-9, 2
jan. 2021. Disponível em: https://scielo.isciii.es/pdf/ap/v37n1/1695-2294-ap-37-01-133.pdf. Acesso em: 13 set. 2021.

 

* Gláucia Batista de Barros

É graduanda no curso de Saúde Coletiva, na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e aluna extensionista no projeto Redeneuro (Rede de Estudos em Neuroeducação). Autora do livro de ficção “O Segredo dos Barsala”.


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