Imaginação e Criatividade: dois temas caros para a neuroducação

Por Joelma Rocha e Glaucio Aranha

Para você, a criatividade é um privilégio reservado para gênios e artistas? Estaria relacionada apenas ao que é inédito? É possível estimular a criatividade e a imaginação? Vamos, aqui, desenvolver nossas reflexões em diálogo com o pensamento de L. S. Vigotski, que elaborou ideias bem à frente de seu tempo e que permanecem atuais e relevantes.

Durante muito tempo, acreditou-se que a criatividade era um dom inato, restrito a um conjunto de gênios ou pessoas dotadas de uma capacidade já estabelecida ao nascer. Na antiguidade clássica, acreditava-se, inclusive que se tratava de uma habilidade inumana, concedida por divindades: as musas inspiradoras. Mesmo recentemente, em termos históricos, podemos encontrar a crença numa concepção estanque da criatividade, no sentido de que uma pessoa nascia criativa ou não. Felizmente, os estudos científicos estão desfazendo esses mitos, principalmente após a primeira metade do século XX.

Um cientista que contribuiu enormemente para a compreensão da criatividade e da imaginação foi o psicólogo russo L. V. Vigotski (1896-1934), para quem a atividade criativa humana diz respeito tanto à capacidade de representação do mundo exterior, quanto à capacidade de construção mental, interna. Ele vai distinguir dois tipos básicos de ação criativa: a reprodutiva (ou reprodutora) que consiste, em breve linhas, à capacidade do homem reproduzir ou repetir ações e comportamentos a partir de um acervo de impressões passadas (memória). Poderíamos arriscar dizer que encontramos aqui a atividade criativa, de certa forma, relacionada com o conceito de mímesis, apresentado por Platão e desenvolvido por Aristóteles. Já a segunda ação, é a ação imaginativa, que não se limita a lembrar as memórias registradas em nosso cérebro, mas avança na direção da formação de novas relações combinatórias. Essa ação imaginativa é por ele compreendida como a imaginação.

Para Vigotski, contudo, não apenas o comportamento humano, mas todas as atividades por nós desenvolvidas possuem um conjunto de características fortemente relacionadas com a memória, valendo-se do que foi anteriormente assimilado e elaborado. Não é por acaso que crianças pequenas gostam de repetições, por exemplo, cantam as mesmas músicas repetidas vezes, assistem aos mesmos desenhos e filmes, pedem para ouvir as mesmas histórias. Essas repetições favorecem a comunicação e, principalmente, a consolidação das experiências, a partir do reforço dos esquemas sinápticos constituintes da memória. Daí a importância da experiência direta, da vivência, para a adaptação ao meio e para a estimulação de hábitos que se repetem sob as  mesmas circunstâncias, de tal forma que constitua-se como processo de aprendizagem. Vigotski defendia, ainda, a ideia de que a adaptabilidade e a conservação, em conjunto, são propriedades importantes relacionadas à plasticidade do sistema nervoso, um conceito que só seria aprofundado cerca de duas décadas mais tarde. 

Criatividade e imaginação são, assim, dois conceitos caros para a neuroeducação, tendo em vista que nós recebemos influências genéticas e ambientais as quais cooperam para aprendizagens e elaborações. Pensar o processo de aprendizagem nessa direção significa estar atento para o lugar da experiência, a dimensão prática, o papel da repetição (reforço), bem como para a mediação no sentido de estimular a capacidade relacional, ou seja, a capacidade de estabelecer relações, combinações, que conduzirão à esfera da imaginação. Imaginar, nesse sentido, é projetar possibilidades, é ir além da dimensão imediata do contexto da aprendizagem aplicando o conhecimento construído em diferentes contextos.

Nosso sistema nervoso preserva as vivências e facilita as repetições em maior ou menor escala, ou seja, desenvolve atividades criativas reprodutivas, mas não se limita a essa função de preservação de experiências, pois desse modo não seria capaz de lidar com um passado muito remoto ou com projeções do futuro, nem mesmo com situações novas e inesperadas. Quando o docente ou o mediador do processo de aprendizagem está atendo a isto poderá agir ativamente no sentido de orientar o aprendiz para a importância de transcender a ação reprodutiva, atingindo também o nível imaginativo da criatividade.

Quando a atividade transcende o modelo reprodutivo, criando-se novas imagens e ações, o sistema nervoso atinge plenamente o papel de órgão combinatório, capaz de dar condições para a elaboração, a partir de um repertório de informações, a novos princípios e abordagens. A capacidade de se comportar e de agir, mimetizando e combinando (imaginando), faz do homem um ser que se projeta para o futuro ao mesmo tempo em que cria e transforma o seu presente. Essa atividade imaginativa, capaz de atribuir novos sentidos que se distinguem do científico, é chamada pela psicologia de imaginação ou fantasia. 

A imaginação é um ingrediente central, um fundamento para a atividade criadora que será desenvolvida. Ao mesmo tempo, ela se relaciona com os nossos sentidos e com as nossas percepções de mundo, manifestando-se também a medida que expressamos nossas emoções e ideias nas técnicas, nas artes, nas ciências, na cultura e em todas as circunstâncias da vida. Uma mente criativa não é necessariamente aquela que vai propor algo novo, mas aquela que vai agregar suas impressões e valores de maneira que acrescente e aperfeiçoe a sua produção, encontrando caminhos novos e soluções diferentes para resolver antigos problemas. 

Quando uma pessoa adquire um vasto repertório de informações e estímulos, alterna entre a reprodução e a criação, portanto a criatividade pode ser aprendida, estimulada, exercitada. Podemos também desmitificar a atividade criativa como algo que promove o novo, que rejeita o antigo e produz algo inédito, pois a ideia de inovar se sustenta no aproveitamento do que veio antes com implementações para o aperfeiçoamento. E também ressaltar a importância de proporcionar estímulos e experiências enriquecidas para retroalimentar esse processo desde a tenra idade.

Concordamos com Albert Einstein, em sua afirmação de que “a imaginação é mais importante do que o conhecimento” (1), pois a imaginação é uma terra fértil que, quando nutrida e irrigada, fará brotar sementes de soluções. Cada vez mais, a escola e a sociedade podem contar com os avanços e pesquisas das Neurociências, que oferecem variados olhares para o Sistema Nervoso, sob variadas perspectivas, num diálogo transdisciplinar.

Saiba mais em:

Vigotski, L. S. (2014). Criatividade e Imaginação. In Vigotski, L. S. Imaginação e criatividade na infância (pp. 1-7). São Paulo: WMF Martins Fontes.

Nota:

(1) https://super.abril.com.br/blog/superblog/frase-da-semana-8220-a-imaginacao-e-mais-importante-que-o-conhecimento-8221-einstein/

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