Poesia, investigação e imaginação
Letícia Maria de Lima Silva e Glaucio Aranha
“Se toda estrela cadente
Cai pra fazer sentido
E todo mito
Quer ter carne aqui
A ciência não se ensina
A ciência insemina
A ciência em si”
(A ciência em si, Gilberto Gil e Arnaldo Antunes)

Pensar uma educação ativa, aquela em que não tratamos os alunos como meros receptores de informações, mas sim como agentes produtores de conhecimento, também é pensar uma educação comprometida com a imaginação. Mas você já se questionou sobre o que significa imaginação? Sabe qual é a relação entre ela e o emprego de atividades investigativas? E mais importante ainda: sabe como recrutar tudo isso para a construção de aulas capazes de desenvolver habilidades críticas em sala dentro de uma lógica transformadora e democrática de educação? As possibilidades são variadas e a aproximação das aulas de ciências em relação aos campos das artes e da literatura podem levar a importantes oportunidades de unir as dimensões da razão e da emoção, tornando o aluno aberto para sentir a beleza das ciências.
Para refletir sobre isso, apresentamos hoje o trabalho de Guilherme Lima, João Ramos e Luíz Piassi, respectivamente de Minas Gerais, Pernambuco e São Paulo. Intitulado “Ciência, poesia, filosofia: diálogos críticos da teoria à sala de aula”. O trabalho foi publicado em 2020, pelo periódico Educação em Revista, de Belo Horizonte, e buscou investigar tanto as contribuições teóricas, quanto as empíricas, para discutir o uso da poesia na educação científica.
Para a execução do trabalho, os autores tomaram como base as contribuições teóricas de L.S. Vigotski. Os autores recorrem a ele no sentido de entender a imaginação como “fruto de operações que articulam experiências vivenciadas pelo indivíduo” (LIMA, RAMOS e PIASSI, 2020). Isso significa dizer que, quando tratamos da imaginação, a relação com a realidade sociocultural está marcadamente presente. Nesse sentido, quanto mais diversificadas forem as experiências vividas, mais amplo é o repertório do que podemos entender como “substrato” (o material base) que alicerça a atividade imaginativa.
A partir dessas contribuições teóricas, os autores se voltaram para analisar poesias criadas por alunos do 9º ano do ensino fundamental em uma escola do município de Piracicaba–SP, em aulas de Ciências. As produções foram executadas no primeiro semestre letivo no ano de 2013. Essa produção poética fez parte de uma sequência didática elaborada pelo professor de ciências, que trabalhou o tema micro e macrocosmos. Fizeram parte do universo da pesquisa (amostra) 38 estudantes, sendo 26 estudantes do sexo feminino e 12 do sexo masculino, com idades variando entre 13 e 16 anos.
Para a condução da análise, foram utilizadas três categorias de demarcação dos sentidos expressos nas obras poéticas. A primeira categoria foi o Questionamento da realidade, para isso analisaram as propriedade mais gerais (dimensão ontológica) dos elementos discursivos usados na poesia, a partir dos quais foram apresentadas reflexões acerca das características da realidade identificadas. A segunda categoria foi a Problematização do saber humano, entendendo como tal a existência ou não de um crítica ao conhecimento humano (limitações ou potenciais). A terceira categoria foi o Posicionamento valorativo, entendendo-se como tal as apreciações e os valores que as/os estudantes apresentaram em relação a assuntos abordados na poesia.

A partir dessas categorias e suas análises, os pesquisadores chegaram a resultados que sinalizam no sentido de que as poesias coletadas no contexto da pesquisa apresentaram significativos aspectos cognitivos, emocionais e responsivos em relação aos assuntos de ciências abordados nas aulas, que sugerem que o uso de poesias em práticas didáticas de ciências pode contribuir para o desenvolvimento da formação crítica dos estudantes.
O trabalho nos traz um importante exemplo de como a criação de propostas didáticas investigativas não se restringe às objetivas contribuições das aulas práticas e da realização de experimentos. É possível investigar por meio da esfera sensível, da empatia e de outros aspectos. Mesmo em aulas de “ciências”, como trabalhado no artigo analisado, a utilização de metodologias ativas podem admitir contribuições múltiplas em intercessão com as ciências humanas e as artes. Levar os estudantes a questionamentos sobre o nível sensível – apresentando-os à dimensão estética, à beleza existente na elaboração científica, na contemplação do cosmos, da criatividade matemática, na dança dos elementos químicos em interação, pode ser uma forma de aproximar os estudantes não só pela via da racionalidade, mas também da sensibilidade e da imaginação. A pesquisa revelou, no que tange ao trabalho com a imaginação em ambiente escolar, que, no caso, o uso de poesias trouxe novas dimensões à experiência da construção do saber em sala de aula.
A utilização da arte nessa perspectiva é uma demonstração de que a inventividade se expressa em diferentes âmbitos de construção criativa e intelectual. Admitir essa complexidade e pluralidade nos aproxima de uma compreensão mais profunda de como inovar em nossa atuação docente e, com isso, contribuir para uma educação alinhada às crescentes necessidades de desenvolvimento autônomo, crítico e criativo. Atividades artísticas (estéticas) podem não apenas estimular os alunos a ganharem uma ponte de acesso ao saber científico, mas também podem permitir ao professor investigar como seus alunos sentem os conteúdos trabalhados ajudando-o a tornar o conteúdo mais significativo.
Referência
LIMA, G. da S.; RAMOS, J. E. F.; PIASSI, L. P. de C. Ciência, poesia, filosofia: diálogos críticos da teoria à sala de aula. Educ. rev., Belo Horizonte , v. 36, e215986, 2020 . Available from <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-46982020000100214&lng=en&nrm=iso>. accesso em 02 May 2021. Epub June 12, 2020. https://doi.org/10.1590/0102-4698215986.

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