Compreender as diversas formas de se adquirir conhecimento pode ser fundamental para transformar a relação entre estudantes, escolas e sociedade
A neurociência pode ser uma importante ferramenta para potencializar processos de aprendizagem. Isso porque, ao pesquisar e trabalhar informações e dados sobre diferentes aspectos do sistema nervoso, esse ramo do conhecimento nos ajuda a entender como aprendemos, abrindo possibilidades para aperfeiçoar as relações educacionais.
De acordo com Alfred Sholl Franco, professor associado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e coordenador do projeto Ciências e Cognição – Núcleo de Divulgação Científica e Ensino de Neurociências (CeC-NuDCEN), a neurociência ajuda a conhecer melhor as pessoas e, a partir dessas informações, torna-se possível produzir processos de ensino e aprendizagem mais eficazes.
“A neurociência busca estudar temas sobre o sistema nervoso que contribuem para entender como aprendemos e como podemos potencializar o ensino. Por exemplo: para compreender como funciona o sono nas crianças e como ele pode impactar na sua aprendizagem”, explica o professor.
Franco destaca que o papel da neurociência não é produzir metodologias para facilitar o aprendizado, o que cabe a outros profissionais, como pedagogos, mas sim levantar informações e conhecimentos que embasem esses processos.
Múltiplas inteligências e tecnologia
Um exemplo dos benefícios proporcionados pela neurociência à educação pode ser visualizado tomando como base as chamadas múltiplas inteligências.
Esse conceito, desenvolvido na década de 1980 por uma equipe da Universidade Harvard liderada pelo psicólogo Howard Gardner, classifica as habilidades como intrapessoal, interpessoal, corporal-sinestésica, espacial, linguística verbal, musical, naturalista e lógico-matemática (veja imagem ao final do bloco).
Para Franco, professores, coordenadores e outros profissionais da educação têm de reconhecer e entender essas habilidades dos estudantes para saber como potencializá-las. E é neste ponto que a neurociência pode ser de grande utilidade, já que auxilia no entendimento sobre o que são tais características.
“Uma criança com alta habilidade sinestésica (de fazer associações entre sentidos e estímulos) poderá ter um controle motor muito mais desenvolvido. Já no caso de uma criança com desenvoltura em matemática, é preciso ter a sensibilidade de saber que ela não é uma calculadora e que ela não pode ser tratada como tal”, diz.
Essa mesma função pode ser cumprida pela neurociência no que diz respeito ao uso de tecnologias na educação, pois ela oferece a possibilidade de se conhecer melhor o funcionamento da relação entre inovações tecnológicas e aprendizagem. “A tecnologia possui um fator atrativo muito forte, principalmente para os jovens. Mídias ou sistemas que são lidos originalmente como entretenimento ou redes sociais têm papel fundamental para a educação, desde que bem usados”.
Formação de docentes e multidisciplinaridade da neurociência
Alfred Sholl Franco adverte, porém, que não se pode achar que a neurociência é a solução para todos os problemas da educação. Além disso, o especialista destaca que, para que ela seja utilizada nos processos de aprendizagem, é essencial a existência de uma formação qualificada e continuada de docentes e profissionais da educação.
“Não adianta só pesquisadores quererem contribuir com trabalhos na área. Tem que haver a participação de alunos e professores do ensino básico. Também é muito importante dar aos alunos orientações sobre como lidar com as informações”, diz.
Outro ponto salientado pelo professor trata da possibilidade de se trabalhar o tema em várias áreas do conhecimento. “De certa forma, o conteúdo de neurociência até está mesclado em algumas disciplinas escolares, como a Biologia. Contudo, pode ser trabalhada também no ensino de Linguagens, de Matemática (cognição e lógica), na parte de Artes (criatividade e imaginação), por exemplo”.
Neurociência e educação fora da escola
A ideia de expandir a abordagem do tema para as diversas áreas de conhecimento reflete outra preocupação do pesquisador: a importância de que a relação entre neurociência e educação extrapole os limites escolares e atinja a toda a sociedade.
“Pensa-se muito a educação apenas na criança, na escola. Mas, na verdade, aprendemos a vida inteira. O processo de ensino-aprendizagem está inserido na sociedade. Assim, é urgente a conscientização pública sobre a importância da neurociência, que a sociedade a veja como importante para ela mesma e para a escola”, aponta.