Sonho como uma intensificação da mente vagando – resenha do artigo “Dreaming as mind wandering: evidence from functional neuroimaging and first-person content reports”
Kieran C. R. Fox, Savannah Nijeboer, Elizaveta Solomonova, G. William Domhoff, and Kalina Christoff. Frontiers in Human Neuroscience, 2013; 7: 412 http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3726865/#__ffn_sectitle
Os sonhos e a mente vagando (popularmente denominada “sonhar acordado”) influenciaram a humanidade por séculos sendo responsáveis por grandes avanços científicos, incluindo descoberta de o anel de benzeno por Kekulé, a formulação de da tabela periódica por Mendeleev e a pesquisa sobre base química da neurotransmissão por Loewi, que lhe rendeu o Prêmio Nobel. No entanto, há poucas pesquisas comparando os dois estados neurais. O artigo é uma revisão e meta-análise que reúne resultados de estudos e evidências a fim de comparar ambos os estados neurais e sustentar a tese de que o sonho pode ser entendido como uma versão “intensificada” da mente vagando.
A primeira evidência que o artigo expõe são as semelhanças subjetivas entre o sonho e a mente vagando em diversas áreas tais como sensorial, emocional, fantástico, mnemônico, motivacionais e sociais, além da ausência do controle cognitivo e metacognitivo. Apesar dos aspectos citados estarem presente em ambos os estados neurais, há evidentes diferenças quanto à sua prevalência, tais como o aspecto emocional e o fantástico que são mais comuns, mais envolventes e mais intensos nos sonhos. Essas diferenças, no entanto, são utilizadas para evidenciar que o sonho pode ser mesmo uma espécie intensificadora da mente vagando já que cada diferença de um determinado aspecto apresenta uma maior preponderância nos sonhos.
Além disso, foi ressaltado um recente estudo (Fosse et al ., 2003) que examinou as fontes de memória dos sonhos e descobriu que uma quantidade substancial de conteúdo do sonho foi respaldada na experiência de vigília (~ 39% das fontes de memória), ou seja, o sonho, na verdade, é uma repetição ou uma recordação amplificada e intensificada dos pensamentos de vigília o que, por fim, reforça ainda mais a tese do artigo.
Outra evidência são as semelhanças neurais entre o sonho e a mente vagando. A partir de neuroimagens, observou-se que, durante o sono REM (estágio do sono mais confiável de se encontrar a atividade mental do sonho), dos oito agrupamentos principais de ativação cerebral correspondente a essa fase do sono, sete sobrepôs pelo menos alguma extensão das regiões centrais da DMN (Default Mode Network – tradução do termo poderia ser algo como Rede em Modo Padrão é uma rede neural que apresenta relativa atividade durante o pensamento espontâneo, tais como imaginar o futuro, pensar em fatos passados, recuperar memórias a esmo e aferir as perspectivas próprias e dos outros). O fato de tantos significativos agrupamentos de ativação do sono REM se sobrepor às regiões DMN sugere que a atividade cerebral durante o sono REM não é uma simples atividade do DMN, mas sim representação de uma versão intensificada da mesma. Observou-se também um número de agrupamentos significativos de desativação, quase todos em regiões PFC (Córtex Pré-Frontal) lateral que são responsáveis pela regulação de emoção, o controle cognitivo e monitoramento metacognitivo, e estão entre as principais áreas que se tornam mais ativas durante o pensamento meta-dirigido, formando uma direção de cima para baixo em relação ao estado de repouso ou pensamento espontâneo. Isto sugere uma tendência de diminuição da atividade do PFC do pensamento meta-dirigido, para o pensamento espontâneo e, em seguida, para o sonho.
A figura acima é usada no artigo para resumir e tornar mais claro os resultados encontrados. Pode-se notar que o sonho é um fator intensificador ascendente de três aspectos em relação ao pensamento espontâneo em vigília (imagens áudio visuais, bizarrices/fantasias, atividade nas regiões DMN) e um intensificador descendente em um aspecto (atividade nas regiões PFC). Dessa forma as conclusões dos resultados sugerem que a atividade mental durante o sono REM é em muitos aspectos uma versão mais longa, mais envolvente e mais intensa da mente vagando.
Apesar dos processos neurais dos sonhos e da mente vagando serem pouco compreendidos e de faltarem pesquisas mais diretamente relacionadas ao pensamento espontâneo em vigília, o artigo nos traz fortes evidências de que os processos neurais de ambos os estados são semelhantes e de que o sonho pode ser uma forma “intensificada” da mente vagando, o que foi a proposta principal do artigo. Além disso, por ter sido o primeiro a apresentar essas fortes evidências, o artigo adquire a importância de abrir caminho para as próximas pesquisas focarem nessa área a fim de alargar o nosso conhecimento sobre esses estados neurais que ocupam, temporalmente, grande parte do nosso dia.
Natural de Vitória-ES, 27 de março de 1991. Graduando em medicina da Universidade Federal da Grande Dourados, turma XIV, bolsista do projeto Jovens Talentos para a Ciência — Capes/CNPq.
Referências
Fosse M. J., Fosse R., Hobson J. A., Stickgold R. J. (2003). Dreaming and episodic memory: a functional dissociation? J. Cogn. Neurosci. 15, 1–9. doi: 10.1162/089892903321107774.
Rechtschaffen, A; Kales, A – Manual of standardized terminology, techniques, and scoring system for sleep stages of human subjects. Brain Information Service/Brain Research Institute, UCLA, Los Angeles, 1968.
Horne, JA – Sleep and body restitution. Experientia. 36:11-13, 1980.
Morrison, AR – A window on the sleeping brain. Sci. Am.. 248:94-102, 1983.