Experiência de quase morte: explicação neurobiológica – resenha do artigo “Near death experiences: a multidisciplinary hypothesis” por Diana Sevilha

István Bókkon,, Birendra N. Mallick, and Jack A. Tuszynski. Frontiers in Human Neuroscience, 2013; 7: 533  http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3769617/#!po=2.38095

o beijo da morte

 

A experiência de quase morte (EQM) inclui um amplo conjunto de experiências subjetivas associadas com a morte iminente, sendo as mais frequentes: experiência fora do corpo (separação da consciência do corpo físico), passagem através de um túnel com luzes brilhantes, alucinações como ver parentes falecidos, reunir-se com espíritos guardiões ou seres místicos. As características dessas experiências são semelhantes em todo o mundo, independentemente da língua, cultura e idade. Embora haja teorias psicossociais para explicar as EQMs, o objetivo do artigo em análise foi propor explicações a partir de teorias neurobiológicas.

O artigo sugere que as luzes brilhantes percebidas na EQM podem ser devido à reperfusão durante o período de recuperação em várias áreas do sistema visual, o que geraria uma superprodução desregulada de radicais livres e moléculas energeticamente excitadas causando um aumento transitório de biofótons bioluminescentes em diferentes áreas do cérebro. Se esse excesso de emissão de biofótons exceder um limite em áreas cerebrais responsáveis pela visão, esses são interpretados como luzes (fosfenos) porque o cérebro os interpreta como se originados a partir do mundo visual externo.

biofóton meditação

 

Durante o processo de percepção visual, fótons refletidos a partir de objetos são absorvidos por fotorreceptores e convertidos em sinais elétricos na retina. Em seguida, os sinais elétricos retinotópicos são encaminhados para o V1 (córtex visual primário), através das vias axono-dendríticas clássicas. Esses sinais elétricos, ao mesmo tempo que são transportados, produzem biofótons cuja intensidade pode ser elevada no interior dos neurônios em comparação ao meio extracelular. Isto faz com que seja possível o aparecimento de imagens biofísicas em áreas visuais V1. O artigo, no entanto, argumenta que imagens no campo visual podem ser representadas diretamente nas redes neurais retinotópicas V1, sem a presença de objetos no mundo físico externo, graças aos biofótons gerados a partir de processos redox. Esse conceito, também chamado de realidade virtual visual biofísica, pode ser relacionado ao que acontece nos sonhos durante o sono REM e nas alucinações. Durante a EQM, há participação de mecanismos do sono REM associados a imagens oníricas criadas a partir da memória visual de longo prazo. Isso justificaria as visões de parentes e de seres místicos características das EQMs.

área retinotópica

 

A experiência fora do corpo (EFC) pode ser induzida através da estimulação elétrica no giro angular direito do cérebro. Assim a imagem do corpo do paciente é distorcida, causando a sensação de ser maior ou menor ou de estar fora do próprio corpo. A hipercapnia (nível anormalmente elevado de dióxido de carbono no sangue circulante), frequente em paciente durante EQMs, também pode produzir fenômenos como EFC. Apesar de haver várias outras situações que podem induzir a EFC (como acidente vascular cerebral, epilepsia, abuso de drogas e experiências traumáticas), essa sensação de que a sua própria consciência é colocada para fora de seu corpo físico é diferente na EQM, pois nela, em muitos casos, as pessoas podem recordar e relatar detalhes específicos de eventos que ocorreram quando estavam inconscientes. Este fato desafia a compreensão científica, mas também oferece uma oportunidade para a investigação da relação entre a autoconsciência e a função cerebral.

o sétimo selo

 

Apesar dos estudos estarem avançando, principalmente depois da criação da Associação Internacional de Estudos de Quase Morte (IANDS) em 1981 e do AWARE (awareness during resuscitation – consciência durante ressuscitação) do Projeto Consciência Humana em 2008, o artigo nos revela que há ainda muitos aspectos que deverão ser mais aprofundados como no que se refere à autoconsciência e à sua relação com a função neural e EFC. O artigo, assim, é um importante passo para consolidar a busca do conhecimento sobre essas experiências iminentes à morte que datam desde o Livro X de A República de Platão e que ainda produzem grande efeito na vida e na crença das pessoas implicando em reflexões sobre o propósito humano.

equipe 1

 

 

Diana Sevilha Salvucci

Natural de Vitória-ES, 27 de março de 1991. Graduando em medicina da Universidade Federal da Grande Dourados, turma XIV, bolsista do projeto Jovens Talentos para a Ciência — Capes/CNPq.  

 

 

 

Referências

Van Wijk EP et al: Anatomic characterization of human ultra-weak photon emission in practitioners of transcendental meditation(TM) and control subjects, J Altern Complmetn Med, 2006 Jan-Feb;12(1):31-8.

Walton KG, et al: Psychosocial stress and cardiovascular disease Part 2: effectiveness of the Transcendental Meditation program in treatment and prevention, Behav Med, 2002 Fall;28(3):106-23.

Tootell, Roger B.H. [et al.] – From retinotopy to recognition: fMRI in human visual cortex. Trends in cognitive sciences. S.l.: Elsevier Science. Vol. 2, n.º 5 (1998), p. 174-183.

16 thoughts on “Experiência de quase morte: explicação neurobiológica – resenha do artigo “Near death experiences: a multidisciplinary hypothesis” por Diana Sevilha

  • 23/09/2021 em 0:41
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    Não sou cientista nem nada, mas pesquisando sobre esse tema encontrei que uma das coisas que torna “inexplicável” algumas EQMs é o fato do cérebro só funcionar cerca de 20 segundos sem oxigênio, e muitas pessoas ficam mortas por muito mais tempo, já houveram casos de até 30 minutos, então como o artigo usa o cérebro para explicar as EQMs? Já que, pelo menos em alguns casos, ele nem está mais em atividade?

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    • 10/12/2022 em 12:55
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      Oi, Gabriel. Justamente por não ter havido morte cerebral, mas quase morte. Evento extremo, onde o indivíduo chegou bem perto da aparada dos sinais vitais. O artigo explica que a uma desregulagem na produção dos radicais livres no cérebro, gerando os biofotons, justamente próximo de um momento de morte cerebral, mas antes que ela ocorra, havendo recuperação dessa condição.
      Então não houve a morte do cérebro.

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  • 26/08/2021 em 2:02
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    Vi o comentario dos senhores(a), nao tenho diploma, estudo direto no interior de sp, acho fantastico a icognita que é a consciência, mas enfim…, estudos recentes revelam que quanto mais sedado o paciente esta,menor é a chance do individuo em ter um experiencia destas destacadas, tem o caso do pam, se interessarem, acredito que este é o mais famoso.
    Para os mais leigos assim como eu, indico o ep 16 da 3° temporada de grays anatomy e tambem a serie, vida a pos a morte. Depois desses episodios de facil compreensão acredito ser possivel a todos se aprofundar no assunto! Nao sou ninguem de renomeie pra falar se é real ou nao!, ficaria grato caso o dr que comentou acima entrasse em contato comigo, gostaria muito de me aprofundar neste tema. Email-augustorubens188@gmail.com

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  • 14/12/2020 em 21:09
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    Sou da opinião de que a ciência está restrita aos fenômenos do tempo-espaço-energia-matéria. À luz das conclusões tiradas de experimentos quânticos, temos que admitir que há um caráter transcendente na realidade. Ao que parece existe uma conexão entre a consciência e o mundo físico que precisa ser investigada, porem, se isso se verificar, talvez a ciência tenha que sofrer algumas reformulações sérias, se pretende ser protagonista nessa área, juntamente com a filosofia. A objetividade, por exemplo está fora de questão. Nas EQM o único fato constatável é a morte de quem retorna à vida. O relato em si é todo subjetivo porque ocorre em um outro campo de realidade para quem vivencia. Para a segunda pessoa essa experiencia é solipsista.

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  • 23/04/2020 em 20:52
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    Olá Diana Sevilha Salvucci
    Meu nome é Severiano Porto Galarraga. Tenho 74 anos e sou médico. Moro em Porto Alegre. Me considero ateu agnóstico. Li vários autores, entre eles o Richard Dowkins autor de Deus um Delírio, Sam Harris (carta para uma nação cristã), Daniel Clement Dennett (considerado um ateu moderno, autor de Quebrando o Encanto), Christopher Hitchens (deus não é grande) e acompanho os artigos, entrevistas e vídeos de participantes da Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos (ATEA) inclusive de seu Ex-presidente Daniel Sottomaior
    Nasci em berço católico tentando sempre acreditar mas nunca tendo fé. Enfim, atualmente estou convicto que, o conjunto formado pela ignorância científica mais a necessidade de um conforto espiritual mais o “dinheiro arrecadado” pelos espertos sacerdotes com tanta facilidade, desembocou no que é hoje a mentira das religiões (principalmente nos países do terceiro munto). Fazem coisas boas? Fazem. Entretanto, a sanha arrecadatória às custas do povo pobre, em sua grande maioria, mais o não pagamento de impostos pelas igrejas, creio que serve mais aos “bolsos” de poucos em detrimento dos “bolsos” de muitos.
    Feito este preâmbulo, e para não tomar muito o teu tempo, gostaria de saber o que achas dos estudos científicos das chamadas EQMs (experiência de quase morte). Como deves saber, esses estudos foram iniciados na década de 70 por Raymond Moody um psiquiatra, psicólogo, parapsicólogo e filósofo natural de Porterdale, Geórgia, Estados Unidos, amplamente conhecido como autor de livros sobre vida depois da morte e experiências de quase-morte, um termo criado pelo próprio em 1975. Aqui no Brasil a Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) está desenvolvendo um projeto denominado “Perfil das Experiências Quase-Morte no Brasil”. Trata-se de um estudo científico pioneiro que reúne uma equipe liderada pelo Professor Alexander Moreira-Almeida (UFJF), em parceria com o principal pesquisador de EQM no mundo, o professor Bruce Greyson, da Universidade da Virgínia (EUA). Também participam do projeto os professores da UFJF de neurologia Marcelo Maroco Cruzeiro e de enfermagem Monalisa Silva. Além disso, no Youtube há o canal “AFINAL, O QUE SOMOS NÓS’’ criado pelo físico de formação Dr. Carlos Mendes o qual, juntamente com o neurologista e neuro cirurgião Dr. Edson Amâncio, coordenador da equipe, estão fazendo uma investigação dentro das normas científicas criadas pelo Dr. Greyson, citado acima. Esta investigação inclui principalmente relatos de vivências fora do corpo ocorridas nos momentos de quase morte (parte subjetiva) e se possível a comprovação dos acontecimentos mediante relatos de testemunhas, o que dá um caráter objetivo a tais experiências. Conclusões daí estão sendo tiradas, tais como expansão da mente, independência da mente em relação ao cérebro, migração para outra dimensão. Esta última conclusão, ainda que pareça ficção científica, encontra alguma justificativa na moderna física quântica através do destacado cientista e físico quântico Amit Goswami, um indiano formado na universidade de Calcutá em 1964. Há uma longa entrevista no sitio http://www.rodaviva.fapesp.br/materia/187/entrevistados/amit_goswami_2008.htm
    O que mais me chamou a atenção, até agora, é o aspecto desmistificado destas experiências, que na maioria das vezes não leva em conta as crenças e religiões. ISTO ME PARECE MUITO IMPORTANTE!! GOSTARIA, DE ALGUMA FORMA, SEJA PELOS TEUS VÍDEOS OU POR AQUI MESMO, SABER QUAL SERIA TUA OPINIÃO SOBRE ISSO. Pelo que tenho lido e ouvido atualmente, as explicações relacionando as EQMs ao efeito das drogas utilizadas no momento da quase morte, já caíram por terra. Isto porque um alucinado em parada cárdio-respiratória não teria condições de informar com precisão detalhes a sua volta e muito menos à distância.

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    • 20/03/2021 em 16:54
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      Ola Severiano Porto Galarraga, gostaria de trocar umas ideias com o sr°, também moro em Porto Alegre, estou cursando a 2° graduação em psicologia, e me interesso pela área das EQM assim como o Ateísmo. se tiver interesse meu email é: claicava@yahoo.com.br

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    • 06/07/2022 em 13:00
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      Assino em baixo tudo oque você mencionou, eu não tiraria uma virgula, parece até que eu que escrevi. rsrs

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  • 16/04/2019 em 13:07
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    Os cientistas ou pseudo-cientistas arrumam um monte de explicação para o fenômeno, mas os cientistas que passaram por EQM são os mais apaixonados defensores da veracidade da experiência. Eu queria saber o que os céticos tem a dizer sobre acontecimentos simultâneos ao período da EQM e relatados com comprovação (objetividade) de testemunhas e que aconteceram em locais diferentes daquele de permanência do corpo inerte.

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  • 23/11/2016 em 8:47
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    Achei super interessante o conjunto de explicações sobre fisiologia cerebral relacionadas a EQM. Mas para quem passou pela experiência fica super difícil de refutar o que viu e sentiu. Sou da opinião de que há uma inversão. Ou seja, para que fique registrado em nossa consciência e possamos ter esse conjunto de sensações nosso cérebro tem de ter realmente a fisiologia alterada e não o contrário. Assim a alteração neurológica é consequência é não a causa.

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    • 20/06/2020 em 20:28
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      A morte do meu pai me trouxe aqui. Sou agnóstico, tenho muita dificuldade em seguir religiões, ao mesmo tempo em que quero acreditar na alma (ou na projeção da consciência) de forma a sentir algum conforto e ter uma visão menos vazia sobre a vida.

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      • 28/12/2020 em 2:56
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        tbm sinto desconforto por não ter uma fé, sou ateu, mas to procurando evidências pra ver se acredito em algo.

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        • 30/01/2023 em 0:34
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          Peça a um pessoa crente que faça oração por você, para que o Senhor lhe conceda fé. A fé é um dom de Deus, é sobrenatural, é concedida por Deus. Fé não é o mesmo que otimismo ou “pensamento positivo”, mas é a graça de Deus, um tesouro muito precioso. Que Deus lhe abençoe.

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      • 13/12/2021 em 15:20
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        E O QUE É COSNCIENCIA NA SUA CONCEPÇAO

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    • 08/02/2021 em 23:15
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      Nao entedi. Vc esta querendo dizer que as alteraçoes neurologicas do cerebro deveriam primeiro ser provocadas por medicaçao quimica , mas no caso sao causadas pelas eqms , é isto ?

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  • Pingback: EQM | Clube das trevas

  • 31/01/2014 em 0:19
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    Muito interessante o assunto!!!
    Ótimo texto!!! Adorei as imagens!!!

    Parabéns pela resenha! Tenho certeza que valeu muito todo o tempo dedicado!

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