Explorando os déficits neuropsiquiátricos da Doença de Parkinson através de modelos animais- por Janieli Monteiro Lima Cabreira e Lorene Maira Vasques
Introdução: Parkinson não é uma doença apenas motora
A Doença de Parkinson (DP) foi descrita pela primeira vez por James Parkinson em 1817 no seu livro “Essay on the Shaking Palsy”. Atinge aproximadamente 1% da população mundial com mais de 65 anos. A incidência e prevalência desta doença devem aumentar com o progressivo envelhecimento da população.
A DP é definida patologicamente pela perda progressiva dos neurônios dopaminérgicos da substância negra e por acúmulo de agregados proteicos citoplasmáticos conhecidos como corpos de Lewy nos neurônios remanescentes (Calne, 2005). Clinicamente a DP é caracterizada pelos sinais motores de bradicinesia, tremor de repouso, rigidez muscular e instabilidade postural.
A Doença de Parkinson Idiopática (DPI) é tradicionalmente vinculada a um distúrbio essencialmente motor, porém cada vez mais é vista como entidade neuropsiquiátrica pela frequência e exuberância de manifestações psiquiátricas. Os sintomas não-motores são muito frequentes e, por vezes, mais incapacitantes do que o quadro motor. Esses sintomas são pouco reconhecidos e inadequadamente tratados. Eles pioram a qualidade de vida, dificultam o próprio tratamento do quadro motor e são sinais de mau prognóstico.
Existe o entendimento de que nos estágios iniciais, pré-clínicos, há ausência de sinais motores. A compreensão destes sinais não-motores é importante para uma possível intervenção ainda nos estágios iniciais da doença. Esses sinais são as alterações de olfato, os distúrbios autonômicos, as alterações do sono e os quadros depressivos e ansiosos.
A via nigroestriatal é uma parte essencial do sistema de memória dos gânglios da base que processa os hábitos aprendidos diante do estímulo-resposta e trabalha independentemente do sistema de memória hipocampal que processa a memória espacial. Pacientes com DP geralmente não são prejudicados para codificar e armazenar novas informações consolidadas, mas apresentam dificuldades em recuperar esta informação, particularmente quando têm de ter a iniciativa em criar estratégias para lembrar. Uma falha na função executiva pode explicar esse déficit.
Em humanos os efeitos benéficos da levodopa no aperfeiçoamento das funções cognitivas afetadas na DP, são controversos. Enquanto alguns estudos indicam um aperfeiçoamento da função cognitiva em pacientes com DP tratados com levodopa (Beardsley and Puletti 1971; Loranger et al. 1972; Girotti et al. 1986; Cooper et al. 1992; Cools et al. 2001), outros mostraram que o tratamento pode não causar nenhuma melhora, ou apenas melhora discreta (Pillon et al. 1989; Growdon et al. 1998; Rektorova et al. 2005), ou podem até mesmo agravar os déficits cognitivos na DP (Huber et al. 1989; Poewe et al. 1991; Prasher and Findley 1991; Cools et al. 2001).
Vários déficits cognitivos na DP dependem de diferentes áreas que são diferentemente deficitárias de dopamina, tais como o estriado dorsal e o córtex pré-frontal (PFC). Um estudo de Swainson et al. (2000) mostrou que pacientes não medicados tiveram uma melhor performance do que os medicados no teste reverso que depende do estriado e do córtex pré-frontal ventral. No entanto os mesmos pacientes tiveram uma pior performance do que os medicados na tarefa de memória de reconhecimento espacial que depende do córtex pré-frontal dorso lateral. Os autores sugeriram que a levodopa, ao mesmo tempo em que restituiu um nível normal de dopamina no estriado e no cortex pré-frontal ventral, causa uma.overdose prejudicial de levodopa no córtex pré-frontal dorso lateral, o qual estava menos afetado pela doença.
Cools et al, 2001, relataram resultados similares, mostrando que os pacientes tratados com levodopa podem ter uma performance melhor ou pior nas tarefas, dependendo dos diferentes componentes dos circuitos fronto-estriatais.

As vias dopaminérgicas nigroestriatais são elementos essenciais do circuito neural dos gânglios da base, participam em processos de memória e aprendizado específicos no cérebro. Associada à neurotransmissão da dopamina, estão os receptores de adenosina que são densamente expressos no estriado e exercem influência modulatória nessa neurotransmissão. Inclusive, propriedades neuroprotetoras da cafeína e de antagonista de receptor de adenosina foram relacionadas com neurônios dopaminérgicos na SNc (Chen et al. 2001). Além disso, estudos sugeriram que os antagonistas de receptores de adenosina são também drogas promissoras para tratar déficits cognitivos na DP (Miyoshi et al, 2006). Existem controvérsias em relação à natureza dopaminérgica da deficiência cognitiva da DP.
Usando modelos animais também é possível analisar a liberação de dopamina no estriado e sua modulação pelos receptores de adenosina como uma estratégia potencial para tratar as deficiências cognitivas nos pacientes que não melhoram com a terapia de levodopa.
A Doença de Parkinson e os Modelos Animais

A DP não se desenvolve naturalmente em modelos animais, constituindo uma dificuldade para se estudar a patogênese e a evolução da doença bem como para se testarem novas estratégias terapêuticas. Os traços característicos da doença podem ser imitados em animais através de abordagens genéticas e da administração de vários agentes neurotóxicos que interferem na neurotransmissão dopaminérgica (Myioshi E, 2006).
Os neurônios dopaminérgicos da substância negra também estão envolvidos nos processos de aprendizado e memória (Brown ET al. 1997), sendo que os déficits de memória e danos cognitivos ocorrem nos estágios iniciais da DP antes dos sintomas clássicos (Dubois and Pillon, 1997).
Infusões intranigrais da neurotoxina MPTP em ratos têm causado perda parcial de neurônios dopaminérgicos, resultando em déficits sensoriais e motores, representando um modelo das fases iniciais da DP (Myioshi E, 2006)
As neurotoxinas interrompem ou destroem o sistema dopaminérgico. As mais utilizadas são a hidroxidopamina (6-OHDA) e a MPTP. A MPTP é altamente lipofílica, atravessando a barreira hemato-encefálica (BHE), e sendo transformada dentro do neurônio pela MAO-B em MPP+, a qual se liga ao transportador de dopamina e posteriormente à mitocôndria, contribuindo para a formação de espécies reativas de oxigênio, que levam à apoptose dos neurônios dopaminérgicos.
A lesão bilateral da substância negra pars compacta (SNc) com MPTP em ratos representa um bom modelo das fases iniciais, enquanto que lesões unilaterais provocam alterações motoras bruscas sendo ideais para as fases finais da DP( Myioshi e col., 2006)
Feitas as lesões nos animais eles são testados e avaliados em comparação a grupos controle. Um dos testes é o Labirinto de Água de Morris, que consiste em uma piscina circular, onde os ratos são colocados para nadar em direção a uma plataforma de escape, invisível abaixo da superfície da água. Os animais, por pistas visuais, aprendem rapidamente a nadar para a plataforma de fuga. Nesse teste á avaliada a capacidade do rato de se posicionar de acordo com as características do lugar ao seu redor.

O sistema hipocampal processa memórias espaço-temporais que envolvem as relações entre os estímulos ambientais, enquanto os circuitos dos gânglios da base estão envolvidos na aprendizagem de hábitos em que um estímulo é repetidamente associado a uma resposta_aprendizado associativo (Packard and Knowlton 2002; McDonald et al 2004; White 2004).
No estudo com ratos foi mostrado que a lesão na SNc não afeta a aprendizagem ou memória na localização espacial no labirinto de água, mas a inativação hipocampal com lidocaína impede os animais de encontrar a plataforma submersa. (Miyoshi, 2006).
Animais com lesão dopaminérgica apresentaram dificuldades de aprendizado na “shuttle-box” que consiste em uma gaiola com uma repartição no meio, de forma a permitir que o animal pule de uma metade para outra. Apenas um dos lados da gaiola solta uma descarga elétrica logo após um sinal sonoro ter sido emitido. Com o aprendizado, o animal, depois de ouvir o som, imediatamente pula para o lado em que não haverá choque, sem precisar sentir a descarga elétrica para depois pular.

A memória espacial depende criticamente da integridade do hipocampo mas não do estriado, enquanto que o aprendizado associativo depende criticamente da integridade do estriado, mas não do hipocampo (Packard e McGaugh 1992; Branco e McDonald, 2002).
Modelos aniamis de atividade física na doença de Parkinson
Estudos recentes demonstram que o exercício melhora deficiências físicas e cognitivas dos pacientes que sofrem de perturbações do SNC, exercendo efeito neuroprotetor, aumentando a neurogênese e angiogênese. Tajiri e cols (2009) investigou se o exercício poderia exercer efeito neuroprotetor em modelo de ratos com DP aguda, tanto em testes comportamentais, quanto em avaliação imuno-histoquímica Exercício diário semelhante a situações clínicas (30 min/5 dias/4 semanas) foi analisado. O grupo de exercício mostrou preservação significativa de fibras tirosina-hidroxilase (Th)-positivas do corpo estriado e de neurônios Th positivos da SNc em comparação com o grupo não-exercício. Os autores concluíram que o exercício pode ser benéfico para doenças do SNC em ambientes clínicos. No entanto, as condições ideais para este benefício e os mecanismos subjacentes a eles ainda permanecem desconhecidos. Os autores sugerem que exercicio poderia atuar por melhora da plasticidade sináptica com posterior reconstrução da rede neuronal cortical. (Tajiri, N et al, 2009).
Foi demonstrado que o exercício no modelo de DP em ratos exerce efeito neuroprotetor no sistema dopaminérgico e aumenta a migração neuronal, pelo menos em parte, através da modulação do microambiente, incluindo regulação positiva de BDNF e GDNF. Tem sido demonstrado que o núcleo subtalâmico (STN) também consiste em um território associativo (Desbonnet et al,2004) e que lesões e bloqueio farmacológico do STN podem induzir ao déficit de atenção. Uma possibilidade é que essas modalidades (motora e cognitiva) são reguladas de forma semelhante em circuitos estriato—talamo-corticais paralelos.
Cinco macacos adultos foram treinados para realizar testes de funcionamento cognitivo e motor que incluiu uma tarefa complexa de discriminação de padrões visuais, uma tarefa de recuperação do objeto, um teste de persistência de tarefas e uma tarefa motora cronometrada. Uma vez estabelecido o desempenho de base, foi administrado MPTP duas a três vezes por semana em um total de 24 semanas. A ordem na qual o déficit cognitivo apareceu foi a mesma nos 5 macacos, embora o tempo de aparecimento diferiu entre os animais (Schneider, JS e Pope-Coleman, A 1995). O primeiro a aparecer foi o déficit de persistência nas tarefas, refletindo déficits de atenção e a dificuldade desta tarefa.
Conclusão
A doença de Parkinson é uma doença frequente e que tende a se tornar ainda mais comum com o envelhecimento populacional. Apesar disso, sua causa não é esclarecida e seu tratamento permanece insatisfatório, uma vez que este não exerce influência sobre a progressão do processo neurodegenerativo, mas apenas controla os sintomas temporariamente.
Os sintomas da doença de Parkinson não resultam apenas da degeneração da substância negra, mas refletem um processo gradual, progressivo multissistêmico que acomete diferentes áreas do SNC. Muitas vezes sintomas cognitivos e afetivos (como o transtorno comportamental do sono REM e a depressão) antecedem os sintomas motores e, ao longo da evolução da doença podem se tornar o fator mais agravante de incapacitação e de pior qualidade de vida para o paciente. Modelos animais, apesar de suas limitações, oferecem um meio ético e seguro de explorar os diferentes aspectos da doença e de aprimorar sua compreensão e tratamento.
Janieli Monteiro Lima Cabreira e Lorene Maira Vasques-graduandas do curso de Medicina-FCS/UFGD
Referências
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