A Realidade dos Sonhos –por Kaique Miranda: Resenha do artigo “Virtual reality and consciousness inference in dreaming” de James Allan Hobson
Figura 1_ “O Sonho” de Pierre Puvis de Chavannes (1883)
Um mundo repleto de criatividade, fantasia, mistério, possibilidades e principalmente curiosidade, assim são os sonhos perante os homens desde sua concepção. Uma experiência que possui explicações distintas dependentes dos objetos utilizados para analisá-los sejam eles a religião, a ciência ou a cultura. Em algumas tradições e culturas os sonhos são vistos como mensagens sobrenaturais, previsões que devem ser interpretadas, enquanto para o pesquisador e cientista americano James Allan Hobson, os sonhos são na verdade apenas um produto da atividade cerebral noturna.
Entretanto, na psicanálise e para Freud os sonhos são tidos como um lugar onde se pode realizar os desejos reprimidos, as cargas emocionais armazenadas no inconsciente que são expressas simbolicamente em imagens e sons. Assim, seria possível chegar à raiz dessas emoções estudando os símbolos encontrados no sonho. Portanto, as terapias psicanalíticas usam a interpretação dos sonhos como uma porta de entrada para o conhecimento da mente humana.

Para entender mais sobre o mundo dos sonhos é necessário conhecer um pouco mais sobre o sono e suas etapas. O sono se divide em dois tipos fisiológicos com diferentes EEG que são nomeados de Sono REM e Sono NREM (não-REM). O sono não REM (NREM) é característico de uma grande recuperação física e reposição de energia, papel anabólico, e comporta quatro estágios enumerados de 1 a 4, sendo eles:
- Estágio 1: Estado de sonolência, o EEG é semelhante ao de vigília e dura poucos minutos, é acompanhado por devaneios e contrações musculares principalmente nas mãos e nos pés. O despertar é fácil nessa fase.
- Estágio 2: Sono leve, o complexo de ondas fica mais lento e o despertar é mais difícil com estimulações sonoras.
- Estágio 3: Sono pesado, começa a produção de ondas delta e o despertar se torna mais difícil.
- Estágio 4: Sono profundo, a ondas delta atingem o ápice e se torna muito difícil o despertar.
Depois do estágio 4 acontece o retorno para o estágio 3 e 2, entrando no Sono REM, repetindo algumas vezes esse ciclo durante a noite. O sono REM (do inglês Rapid Eye Moviment) é caracterizado pelo movimento rápido dos olhos (que são gerados pelo núcleo geniculado lateral do tálamo), pela atonia muscular e pela intensa atividade cerebral (ondas beta). O sono REM é de muita importância para o estudo dos sonhos e é nele que ocorre os sonhos mais vívidos.

O sono REM funciona como um substrato para a criação e formação das imagens e movimentações virtuais que constituem os sonhos. Durante a atonia muscular e o bloqueio da percepção real do sono REM o cérebro é forçado a gerar um simulacro virtual de consciência desperta onde iremos viver o sonho. Durante essa etapa podemos notar a intensificação das seguintes áreas cerebrais: o tegmento da ponte, o opérculo parietal, a amigdala e o hipocampo (os dois últimos dependentes do nível emocional encontrado no sonho).
Para decorrer sobre a formulação dos sonhos é necessário considerar e entender o modelo bayesiano. Esse modelo se caracteriza em inferências e formulação de acontecimentos posteriores, por exemplo, é comum chover em setembro, logo observando as nuvens negras no horizonte a certeza de chover é solidificada. O cérebro se comporta dessa forma na formulação do sonho, por meio de inferências ele cria situações continuas que são vivenciadas pelo próprio sonhador como uma simulação, como um treino.
Dessa forma o cérebro se comporta como um gerador de realidade virtual, criando situações cotidianas que podem ser vivenciadas em um futuro próximo, ou não. É como se fosse um treino da vida real, onde o inconsciente tenta fazer previsões sobre acontecimentos e situações posteriores. Nesse sentido, sonhar pode preparar o cérebro para a imprevisível diversidade de cenários encontrados durante o despertar. A minimização da complexidade fornece uma perspectiva plausível da diversidade dos sonhos. O pesquisador e cientista norte-americano James Allan Hobson retratou “Todos os sonhos são animados, nós nunca ficamos quietos, sonhamos sobre correr, andar, mesmo voar, é como um programa de ensaio para o cérebro”.

Nem sempre essa simulação será lógica, muito pelo contrário, a grande maioria dos sonhos está repleta de fantasia e de impossibilidades, entretanto, isso não se torna delirante ou defeituoso para o sonhador, é como se tudo aquilo fosse normal e lógico. Isso porque na ausência das restrições sensoriais, os preceitos vividos, as crenças delirantes e os defeitos cognitivos deixam de ser fantasiosos – porque esses atributos são apenas definidos em relação à evidência sensorial. No entanto, no sono não existem evidências sensoriais e o único imperativo é selecionar livremente entre as simulações que podem entreter o cérebro adormecido com base no modelo Bayesiano já explicado.
A diminuição da ativação do lobo frontal durante o sonhar é a principal responsável para manter essa realidade virtual intacta e real para o sonhador, pois afeta a lucidez e a capacidade de definir o que é lógico do que é fantasioso. Algumas pessoas em algumas circunstâncias podem notar a quebra dessa realidade dentro do sonho e adquirir consciência de que tudo aquilo não é real. Isso se chama Sonho lúcido.

O sonho lúcido é o ato de induzir o estado de vigília durante o sonho, isso gera lucidez que pode ser definida como consciência, assim o sonhador acredita que esta acordado. Existem dois tipos de consciência, a do sono e a da vigília, mas nos sonhos lúcidos as duas estão presentes. Esse tipo de sonho sempre surge no sono REM, as ondas do EEG se tornam mais agitadas e o lobo frontal aumenta sua atividade consideravelmente. Esses sonhos acontecem com maior frequência entre 9 e 30 anos e principalmente em indivíduos ligados a tarefas que envolvam criatividade como artes e jogos eletrônicos.
É muito interessante mencionar que no sonho lúcido o sonhador se divide em dois, um personagem de si mesmo e um expectador, como se a mente se tornasse duas mentes distintas. O expectador se comporta como um “encorajador”, para ajudar na compreensão, ele se comporta como um “arquiteto” mencionado na figura 5. A funcionalidade “cérebro dividido” do sonho lúcido pode se tornar uma rica fonte de informação para estudos sobre a vontade e a meta-consciência.

Já existem evidencias que comprovam que o sono REM esta presente desde a vida uterina e persistem com a vida pós-natal de forma crescente e relevante. Nos bebês recém nascidos é possível afirmar a presença dos sonhos e sua importância na construção do seu modelo gerador de realidade virtual, afinal, é um mundo que eles ainda não conhecem, onde tudo é novo com muitos dados experimentais para assimilar e entender. Assim, o sono REM e os sonhos possuem um importante papel no neurodesenvolvimento e na plasticidade.
Dada à fenomenologia dos sonhos pode-se concluir que os sonhos e a realidade são espelhos um do outro. Em vez de argumentar que os sonhos precedem ou que a realidade precede, pode-se argumentar que a realidade e os sonhos são duas faces da mesma moeda que interagem de forma complementar e recíproca. Nossos dois estados de consciência se reforçam mutuamente em prol do nosso desenvolvimento e evolução. Mesmo com tantos estudos e descobertas, o mundo dos sonhos continua misterioso e fantástico, guardando segredos da mente humana que ainda não sonhamos em descobrir.
REFERÊNCIAS
Virtual reality and consciousness inference in dreaming. J. Allan Hobson, Charles C.-H. Hong, and Karl J. Friston. http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4191565/
http://www.cienciahoje.pt/index.php?oid=53623&op=all
Filmes assistidos para a complementação da Resenha:
A Origem de Christopher Nolan (2010)
O Pequeno Nemo de Masami Hata (1992)
