TRATAMENTO DE ESCLEROSE MÚLTIPLA COM ÊNFASE NA UTILIZAÇÃO DE BETA INTERFERONA- por Felipe Ariel Mao Silva Caio Cezar Esqueapatti Sandrin

About the Artist:
“This is my 15th year of having MS. While I try not to let MS define me, it dictates much of what I can and can’t do. My vision’s a challenge daily. My morning fatigue is debilitating. But I have something in which I can get lost in and forget all of my problems – my art. Since I can’t hold onto a brush, I paint only with my fingers. Getting lost in the music I paint to and helping the colors dance across the canvas has become my mental, spiritual, and emotional therapy. I’m so grateful for MSAA for all that they do and for showing the world that, yes, we may be knocked down a bit – we may have to work a little harder – but we are capable of great things, such as bringing beauty and art into the world.
I have MS. But I am an artist.”
http://blog.mymsaa.org/
INTRODUÇÃO
A esclerose múltipla (EM) é uma doença de caráter autoimune, crônica e desmielinizante associada a perda axonal do sistema nervoso central(SNC), afetando 2,5 milhões de pessoas no mundo, principalmente jovens e adultos, sendo mais frequente em mulheres(1). Apesar de sua etiologia ainda ser desconhecida, atualmente há estudos que relacionam a ocorrência dessa patologia como sendo de origem genética, imunológica ou de fatores ambientais, dentre os quais, os mais propensos associados com a EM podem ser viroses, tabagismo e hipovitaminoses(1,2).
A doença caracteriza-se por perda de capacidades física e cognitivas devido à desmielinização, fazendo com que o impulso nervoso fique prejudicado. A EM apresenta sintomas que podem ocorrer isolados ou combinados: perda aguda de visão, redução de força dos membros, disfunção cognitiva e fadiga. Dentre os aspectos cognitivos afetados, é possível citar: a aprendizagem, a atenção, a memória, sendo uma causa importante de incapacidade(2,3).
Os estudos sobre a EM evoluíram muito nos últimos anos, chamando a atenção de profissionais de saúde, pois, por ser uma patologia que afeta predominantemente jovens adultos e que afeta diretamente não somente a vida social, mas também a vida sexual e a rotina da pessoa acometida, o que acarretaria na diminuição da qualidade de vida(3).

Apesar de ainda não haver consenso sobre o melhor tratamento da EM, há vários métodos eficientes que auxiliam na amenização da doença. As drogas administradas no tratamento são conhecidas como “terapias modificadora da doença” (DMT’s) e dentre elas faz-se presente a utilização de Interferon beta, acetato de glatiramer, imunomoduladores, imunossupressores, natalizumab, fingolimod, alemtuzumab, teriflunomida e furamato de dimetila. Tais tratamentos têm como objetivo evitar o desenvolvimento da doença, além de prevenir novos ataques e evitar a degenerescência(4).
Os sintomas, diagnóstico e tratamento da EM são diversificados e numerosos, por isso será dado maior enfoque ao tratamento dessa doença, o qual ainda é estudado e existem apenas métodos de retardar a progressão da mesma.
FISIOPATOLOGIA
A EM é uma doença desmielinizante que é causada por uma resposta imunológica inapropriadamente dirigida contra os componentes da bainha de mielina, a qual envolve os axônios dos neurônios auxiliando na velocidade do impulso nervoso. A bainha de mielina do SNC é uma estrutura de multicamadas lipídicas que são formadas pelo envolvimento do oligodendrócito ao axônio, o que garante isolamento dos impulsos nervosos. Essas bainhas são delimitadas por pequenas faixas denominadas nódulos de Ranvier que são ricos em canais de sódio. Esses nódulos permitem que o impulso seja transmitido de forma mais rápida devido à abertura de canais de sódio presentes nos nódulos, desempenhando a diferença de potencial e consequente impulso nervoso. Entretanto, a bainha de mielina não permite a saída da corrente, fazendo com que essa vá diretamente para o próximo nó, acelerando a despolarização(4,5).

As pessoas acometidas com tal doença podem apresentar diversos surtos já que é uma patologia de caráter progressivo, enquanto outras podem passar décadas sem sofrer algum surto. O termo “esclerose múltipla” se deve às lesões causadas devido à resposta imunológica e que ficam na substância branca do cérebro, cerebelo e medula espinhal, a qual é constituída principalmente de fibras nervosas revestidas por mielina. Estudos indicam que a doença se inicia quando células T CD4+ Th1, que reagem contra antígenos da mielina, o que causa uma resposta mediada por macrófagos que fagocitam a bainha. Tal ação é causadora das placas presentes na substância branca do cérebro sendo consistida em células T (CD4+ e CD8+) além de macrófagos. Apesar desse conhecimento, o motivo inicial dessa reação não é bem claro. No entanto, acredita-se que gatilhos microbianos e genes de suscetibilidade desempenhem tal papel.
Por ser uma doença que atinge a substância branca do SNC, o exame macroscópico da parte externa estaria inalterado já que esta área é coberta por substância cinzenta. As placas causadas nessa doença têm margens bem definidas e quando melhor avaliadas microscopicamente observa-se a presença de macrófagos contendo resíduos de lipídeos PAS positivo(5).
Nas imagens a seguir é possível observar considerável região de desmielinização:


A EM pode ocorrer em qualquer lugar do SNC, mas há alguns sinais neurológicos que são comumente presentes em pacientes. O comprometimento visual unilateral é devido ao nervo óptico ter sido comprometido, ataxia, nistagmo e oftalmoplegia intranuclear devido comprometimento do fascículo longitudinal medial são outros fatores presentes. Já em lesões medulares, as vias aferentes e eferentes do tronco e membros são comprometidas e, além disso, há dificuldade no controle voluntário da bexiga.
Quando se avalia o exame de líquido cefalorraquidiano (LCR), observa-se aumento na quantidade de proteínas. Já a proporção de gamaglobulinas se encontra aumentada e na maioria de pacientes com EM observa-se bandas oligoclonais, a qual se deve à proliferação de células B no sistema nervoso(5).
TRATAMENTO
A ideia de que a EM é uma doença sem tratamento está mudando progressivamente, com o aparecimento de drogas que influenciam seu curso clínico. A eficácia do tratamento é garantida através da diminuição da intensidade dos surtos e da prevenção dos surtos em si.
A primeira linha de tratamento para os surtos é a utilização dos glicocorticoides. Suas principais vias de ação são a inibição da proliferação de linfócitos T, supressão da produção e ativação de citocinas, restauração da barreira hematoencefálica e alteração da transmissão axonal(6). No entanto, o uso contínuo dessa classe de medicamentos é contraindicado, pois não altera a progressão neurológica ou o número de surtos que acometem o paciente. Para resolver este problema, a utilização de fármacos conhecidos como Interferons tem demonstrado bons resultados com relação à diminuição dos surtos e à progressão da doença.
Interferons são proteínas produzidas por quase todas as células de vertebrados e atuam na função celular e na imunorregulação(7). Existem três tipos principais: alfa, beta e gama. No entanto, somente os do tipo beta apresentaram eficiência no tratamento de EM. Interferons gama possuem atividade citotóxica sobre os oligodendrócitos. Promovem a ativação de macrófagos e linfócitos e o aumento da expressão de moléculas de adesão na superfície das células endoteliais, responsáveis pela migração de célula T para o SNC(6). Em contrapartida, Interferons beta agem antagonicamente, evitando a síntese e a ação do tipo gama.
O Interferon beta 1b, uma forma modificada e recombinante da proteína humana, reduz a frequência de surtos na EM forma surto-remissiva. Além disso, pode-se constatar redução no número e frequência de lesões encefálicas através RNM. Outro ponto positivo para a utilização desse fármaco é que ele também altera a progressão da incapacidade neurológica na forma citada anteriormente. Os efeitos colaterais relacionados a sua utilização são pequenos e geralmente se destacam febre, cefaleia e fadiga.
O Interferon beta 1a difere do interferon beta 1b pela substituição de um único resíduo de aminoácido e por ser glicosilado. Além de estar relacionado à diminuição da frequência dos surtos, age na redução da gravidade destes. Sua administração também se demonstra segura, pois provoca efeitos colaterais transitórios bem tolerados pelos pacientes.
Além disso, há também a administração de acetato de glatiramer, uma mistura de quatro peptídeos: L-alanina, L-lisina, L-tirosina e L-ácido glutâmico. O tratamento prévio com acetato de glatiramer diminui a incidência e a gravidade da encefalite autoimune experimental, uma forma animal de EM. Seu mecanismo de ação ainda não está totalmente elucidado. De qualquer forma, os mecanismos postulados incluem dessensibilização, aumento da produção de células T supressoras antígeno-específicas, inibição das células T efetoras MPB-específicas e competição com o sítio de ligação do antígeno da Classe II do MHC.
Em estudos recentes, demonstrou-se que sua administração pode reduzir em 30% a taxa anual de surtos, quando comparados dois grupos-controle: um tratado com o medicamento e outro grupo com placebo. A droga é bem tolerada e apresenta leves sintomas sistêmicos, como palpitações, ansiedade e dispneia. No entanto, não deve ser utilizada durante a gestação.
Além dos medicamentos já citados, outra via de ação contra a EM é a utilização de imunossupressores, drogas capazes de reduzir a atividade ou a eficiência do sistema imunológico. A exemplo, há a administração de ciclofosfamida. Sua utilização parece alterar o perfil da resposta imunológica na Esclerose Múltipla, reduzindo a produção de interleucinas amplificadoras da resposta inflamatória. No entanto, sua utilização a longo prazo é inviável, pois exibe alta toxicidade e pode causar neoplasias da bexiga e leucemia.
A Mitoxantrona, outra droga imunossupressora, possui efeito antineoplásico com potente efeito imunomodulador, suprimindo a imunidade mediada pelas células B e T. Sua utilização demonstrou redução na taxa de surtos e na progressão da incapacidade neurológica, além de não haver efeitos tóxicos quando comparado a outros fármacos da mesma classe. A cardiotoxicidade é o efeito colateral potencialmente mais grave.
Além de todos os medicamentos já citados, outras formas de tratamento incluem o uso de imunoglobulinas e plasmaferese, apesar de suas utilizações não serem tão amplamente empregadas. O emprego de Vitamina D apresenta uma forma de tratamento ainda em fase de estudos.
CONCLUSÃO
A análise dos artigos dentro dessa revisão permitiu evidenciar que apesar de não possuir uma etiologia muito clara, podendo estar relacionada com diversos fatores internos e externos, a EM vem sendo altamente estudada e seus progressos, principalmente no âmbito dos tratamentos, vêm sendo cada vez mais eficientes e inovadores. Isso fica claro ao se observar tratamentos realizados com o interferon beta e imunossupressores que ainda não são a cura dessa doença, mas podem evitar ou amenizar a quantidade de surtos e proporcionar uma melhor qualidade de vida para pessoas que sofrem desse malefício. Há muito ainda a ser elucidado acerca dessa doença, mas os avanços obtidos ano após ano mostram que a cura não está longe de ser atingida. Enquanto ela não vem, os tratamentos utilizados atualmente tentam oferecer uma vida melhor para todos os pacientes que sofrem com essa moléstia.
Felipe Ariel Mao Silva e Caio Cezar Esqueapatti Sandrin-graduandos do curso de Medicina-FCS-UFGD-XVa turma
REFERÊNCIAS
- Matas SL, Glehn FV, Fernandes GBP, Soares CAS. Cerebroespinal fluid analysis in the contexto of CNS demyelinating diseases. Arq Neuropsiquiatr. 2013;71(9-B):685-688). Disponível em: < http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0004-282X2013001000685>.
- Brum DG, Comini-Frota ER, Vasconcelos CCF, Dias-Tosta E. Suplementação e uso terapêutico de vitamina D nos pacientes com esclerose múltipla: consenso do departamento científico de neuroimunologia da academia brasileira de neurologia. Arq Neuropsiquiatr. 2014;72(2):III-VII. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/anp/v72n2/pt_1678-4227-anp-72-02-00152.pdf>.
- Ferreira MLB. Cognitive déficits in multible sclerosis. Arq Neuropsiquiatr. 2010;68(4):632-641). Disponível em: < http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0004-282X2010000400029>.
- Sá MJ. Physiopathology of symptoms and signs in muultiple sclerosis. Arq Neuropsiquiatr. 2012;70(9):733-740. Disponível em: < http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0004-282X2012000900016>.
- ROBBINS & COTRAN. Patologia: bases patológicas das doenças. 7 ed. Rio de Janeiro: Elservier, 2005.
- Souza NA, Oliveira EML. Considerações sobre o tratamento de Esclerose Múltipla. Revista Neurociências. 1999;98-103.
- Tilbery CP, Felipe E, Moreira MA, Mendes MF, França AS. Interferon beta 1-A na esclerose múltipla. Arq Neuropsiquiatr. 2000;58(2-B):452-459. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0004-282X2000000300009&script=sci_arttext>.