QUAIS AS CONSEQUÊNCIAS DO TRANSTORNO DE ESTRESSE PÓS-TRAUMÁTICO E DO TRANSTORNO DO USO DE SUBSTÂNCIAS NA SAÚDE DE UM INDIVÍDUO HIV POSITIVO? – por Mariana Angélica da Silva Miranda e Isabella Fernandes de Azambuja Vedovato
Resenha do artigo: Understanding the interface of HIV, trauma, post traumatic stress disorder, and substance use and its implications for health outcomes
D. J. Brief, A. R. Bollinger, M. J. Vielhauer, J. A. Berger-Greenstein, E. E. Morgan, S. M. Brady, L. M. Buondonno, T. M. Keane.
For The HIV/AIDS Treatment Adherence, Health Outcomes And Cost Study Group.
Muitas pessoas que vivem com HIV já foram expostas a algum tipo de situação traumática durante suas vidas e podem apresentar sintomas de transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) como resposta à experiência. O TEPT, por sua vez, é um distúrbio debilitante que tem o potencial de afetar de maneira negativa na saúde de pessoas portadoras do vírus. Além disso, um grande número de pessoas também estão susceptíveis a desenvolver transtorno do uso de substâncias (SUD). Com isso em mente, o artigo em questão debate também a co-ocorrência de TEPT e SUD associadas ao paciente HIV positivo, pois, quando os dois transtornos acometem um indivíduo simultaneamente o nível do desafio para os cuidados da saúde se intensifica.
Existem várias vias através das quais o TEPT ou TEPT/SUD podem afetar negativamente a saúde das pessoas vivendo com HIV, incluindo participação em comportamentos negativos para a saúde, baixos níveis de adesão aos medicamentos anti-retrovirais, e/ou um efeito direto e prejudicial sobre a função imune.
Devido a isso, é necessário que se entenda melhor sobre os distúrbios e a maneira como estes agem em indivíduos com HIV. O artigo vem para explorar a prevalência da exposição ao trauma, TEPT e TEPT/SUD entre indivíduos soropositivos, os caminhos através dos quais estas condições podem afetar a saúde, possíveis intervenções para esses transtornos para indivíduos que vivem com o HIV, métodos para integrar cuidados para indivíduos com esses distúrbios e reduzir o impacto negativo destes condições na saúde. E também abre discussão sobre diretrizes futuras para a pesquisa relacionada ao HIV, TEPT e TEPT/SUD.

Os autores, entretanto, encontraram obstáculos para obter dados sobre os transtornos abordados em relação aos HIV positivos, pois as pesquisas sobre esse tema ainda estão em estágios iniciais ou não estão disponíveis. Dessa forma, foram usadas como base para o estudo pesquisas as quais abordam sobreviventes de trauma HIV negativos, porém devido ao grande número de informações encontradas, elas puderam ser úteis na orientação da pesquisa e no desenvolvimento de intervenções clínicas para indivíduos com HIV e TEPT e TEPT/SUD.
Por meio de pesquisas anteriores, pode-se perceber que a percentagem de traumas físicos e sexuais durante a infância em pacientes HIV positivos é bem maior do que a população no geral. Discute-se também o “padrão de repetição de trauma” devido a exposição infantil e consequentes repetições na vida adulta com parceiros. Acredita-se que esse abuso infantil gere comportamento de risco no adolescente, gerando envolvimento sexual precoce e abuso de drogas e aumente a probabilidade da infecção com o HIV.
Quanto a associação de TEPT/SUD, é possível imaginar que o abuso de substâncias seja por “medida de escape” ou alívio momentâneo por causa de um trauma. Mas também levanta-se a possibilidade de que o uso de substâncias também levam a situações potencialmente traumatizantes como assaltos, acidentes e violações.
Essa relação entre o trauma e a soropositividade é extremamente desgastante e influencia organicamente o paciente. Além de sua percepção pessimista da saúde que possibilita comportamentos de risco que podem trazer co ou super-infecções, o paciente também apresenta mais sintomas como erupções cutâneas, febre e problemas respiratórios. Um estudo de Smith et al. (2002), esses pacientes também relatam uma dor persistente que interfere mais incisivamente nas atividades diárias, estando relacionada a problemas psiquiátricos.
Outros estudos evidenciam que mulheres HIV + com história de trauma apresentaram declínio mais rápido em CD4 e CD8, em comparação as sem exposição ao trauma, sugerindo que essa relação também afeta o estado imune do paciente.
Devido a alta relação com a depressão, com recaídas no uso de substâncias e também pela maior prevalência do HIV na população de baixas condições socioeconômicas, há grande problema de aderência por parte dos pacientes ao tratamento anti-retroviral (TARV). Isso traria uma segunda via de piora orgânica e imunológica à esta parcela HIV/TEPT/SUD.
Em relação aos tratamentos, os autores relataram a falta de esquemas propostos para pacientes HIV positivos e com TEPT, entretanto, há muitos tratamentos validados para não-portadores que podem ser benéficos. Como exemplo, eles citaram a terapia de exposição, o treinamento em gerenciamento de ansiedade, a terapia cognitiva e/ou reestruturação cognitiva. Se em indivíduos não portadores do vírus HIV, sobreviventes a trauma – estes que vivem com uma doença crônica e com risco de vida, caso semelhante ao que ocorre com o HIV – os tratamentos trouxeram melhorias no funcionamento social e ocupacional, há grandes chances de sucesso. Devido aos comportamentos de alto risco em sobreviventes de trauma e HIV positivos, o objetivo central é manter o nível alto de adesão ao tratamento.
A necessidade da redução do impacto dos estressores pós traumáticos e do TEPT no funcionamento imune também pode ser necessária para melhorar os resultados de saúde em sobreviventes de trauma HIV positivos.
Foi verificado que uma intervenção cognitiva de controle de estresse comportamental, quando feita antes da notificação de diagnóstico positivo, obteve aumento significativo na contagem pré e pós de CD4, portanto, o uso de técnicas de gerenciamento de ansiedade podem amortecer o sistema imunológico de indivíduos HIV+ contra o impacto de um estressor traumático. As dúvidas remanescentes sobre essa intervenção são sobre a eficácia do tratamento em pacientes que já passaram pelo evento estressor e/ou um evento potencialmente traumático, na presença de TEPT.
As técnicas de treinamento de habilidades de enfrentamento – ou seja, cognitivas, comportamentais e interpessoais – também foram mencionadas ao longo do tratamento para abordar simultaneamente o TEPT/SUD. É promissor, pois, se mostrou eficaz em histórias de traumatizações repetidas, caso que se assemelha a muitas mulheres HIV positivas e pode ser efetiva em populações de difícil acesso (população restrição de liberdade e urbana de baixa renda).
O modelo integrado de tratamento foi indicado para pacientes HIV negativos, que possuíam histórico de TEPT e SUD. Nestes pacientes, a abordagem foi associada a níveis mais altos de envolvimento no tratamento, nível mais baixo no consumo de substâncias e melhor funcionamento psicossocial.
Para os pacientes HIV positivos com histórico de TEPT/SUD, o modelo integrado consistiria em (1) a formação de vínculos formais entre abuso de substâncias, saúde mental e cuidados médicos primários contra o HIV; (2) a inclusão de serviços para cuidados primários, saúde mental, HIV e tratamento de abuso de substâncias no mesmo local; (3) o uso de controle de casos para coordenar os cuidados. Para estes pacientes, o esperado é que o tratamento leve a melhores resultados na adesão ao TARV (tratamento anti-retroviral) e na saúde, tanto pelo declínio no uso de substâncias quanto pela melhor contagem de CD4+.
Atualmente, muito pouco se sabe sobre o impacto da exposição ao trauma e do TEPT na adesão em indivíduos vivos com HIV, embora muitos dos fatores conhecidos por perturbar a adesão à terapia anti-retroviral (por exemplo, sofrimento psicológico, depressão) são freqüentemente observados em trauma sobreviventes. Para pesquisas posteriores é necessário estabelecer se os tratamentos existentes, cuja eficácia foi estabelecida com sobreviventes de trauma HIV – negativos, levará a resultados positivos (por exemplo, redução do TEPT e depressão, melhorias no funcionamento psicossocial e diminuição do uso de substâncias) em indivíduos com HIV.
Mariana Angélica da Silva Miranda e Isabella Fernandes de Azambuja Vedovato-graduandas do curso de medicina-FCS/ UFGD-XVIIa turma
Referências Bibliográficas
Smith, M. Y., Egert, J., Winkel, G., & Jacobson, J. (2002). The impact of PTSD on pain experience in persons with HIV/AIDS. Pain, 98, 9-17.
Kessler, R. C., Sonnega, A., Bromet, E., Hughes, M., & Nelson, C. B. (1995). Posttraumatic stress disorder in the National Comorbidity Survey. Archives of General Psychiatry, 52, 1048-1060.
MacMillan, H. L., Fleming, J. E., Trocme, N., Boyle, M. H., Wong, M., Racine, Y. A., et al. (1997). Prevalence of child physical and sexual abuse in the community: results from the Ontario Health Supplement. Journal of American Medical Association, 278, 131-135.