Livro discute a inteligência, a criatividade e a superdotação.
PARTE 1 – VISÃO GERAL DA INTELIGÊNCIA
Capítulo 1
A inteligência em seus aspectos cognitivos e não cognitivos na pessoa com altas habilidades/ superdotação: Uma visão histórica
Angela M. Rodrigues Virgolim
Capítulo 2
Neurobiologia da inteligência – um desafio às Neurociências: Circuitos cerebrais associados ao processamento intelectual, funções executivas, neuroplasticidade, interação gene-ambiente e epigenética
Elisabete Castelon Konkiewitz
Capítulo 3
Arte e música como essências da inteligência humana
Paulo Estêvão Andrade
Olga Valéria Campana dos Anjos Andrade
Capítulo 4
Neuroeducação e Inteligência: como as artes e a atividade física podem contribuir para a melhora cognitiva
Alfred Sholl-Franco
Tatiana Maia Barreto
Talita da Silva de Assis
Capítulo 5
O estudo das funções neuropsicológicas envolvidas na aquisição da leitura
Wânia Cristina de Souza
Kátia Estevão Rodrigues da Silva
Capítulo 6
A educação bilíngue e suas implicações para a aprendizagem da leitura e da escrita
Simone Aparecida Capellini
Giseli Donadon Germano
Capítulo 7
O papel da nutrição na cognição infantil
Thalise Yuri Hattori
Andréa Pereira Vicentini
Maria Cristina Corrêa de Souza
Capítulo 8
Avaliação psicométrica das habilidades cognitivas: Relação entre inteligência e criatividade
Tatiana De Cássia Nakano
PARTE 2 – A SUPERDOTAÇÃO
Capítulo 9
A Concepção de Superdotação no Modelo dos Três Anéis: Um modelo de desenvolvimento para a promoção da produtividade criativa
Joseph S. Renzulli
Capítulo 10
As altas habilidades/ superdotação no transcurso da vida: Infância e adultez
Juan José Mouriño Mosquera
Claus Dieter Stobäus
Soraia Napoleão Freitas
Capítulo 11
Características sócio-emocionais do individuo talentoso e a importância do desenvolvimento de habilidades sociais
Jane Farias Chagas-Ferreira
Capítulo 12
Ok, a prática traz a perfeição, mas o que sustenta a prática? Aspectos motivacionais e emocionais da aprendizagem expert, numa perspectiva psicanalítica.
Afonso Galvão
Anna Carolina Lemos Ribeiro
Capítulo 13
Desafios na identificação de alunos intelectualmente dotados
Eliana Santos de Farias
Solange Múglia Wechsler
Capítulo 14
Pensamento e criação na educação contemporânea: Aportes teóricos e sugestões práticas
Christina Cupertino
Denise Roche Belfort Arantes
Mariangela Fabiane Melcher
PARTE 3 – APLICAÇÕES EDUCACIONAIS
Capítulo 15
Superdotação e Currículo Escolar: Potenciais superiores e seus desafios na perspectiva da educação inclusiva
Vera Lucia Palmeira Pereira
Capítulo 16
Superdotação e currículo
Maria Clara Sodré S. Gama
Capítulo 17
Plano de Atendimento Educacional Especializado integrado ao Plano Individual de Ensino com vistas a Aceleração de Estudos: Sugestão adaptada do modelo de Joseph Renzulli
Cristina Maria Carvalho Delou
Capítulo 18
Aceleração: Mais rápido não é sinônimo de melhor
Susana Graciela Pérez Barrera Pérez
Capítulo 19
O fazer matemática na escola e o desenvolvimento da inteligência: Quando o contexto lúdico favorece o desenvolvimento da criatividade revelando novas concepções acerca da capacidade cognitiva.
Cristiano Alberto Muniz
INTRODUÇÃO
Por muitos anos, o estudo e a pesquisa na área da superdotação, da inteligência e do talento em potencial esteve reservado a poucos estudiosos na área da psicologia, da filosofia e da educação. Noções equivocadas e estereotipadas sobre a inteligência e as altas habilidades fizeram com que este campo permanecesse, por muito tempo, pouco desenvolvido e longe do conhecimento da população em geral. Ainda hoje, principalmente no nosso país, são temas que envolvem ainda mistério, preconceito, desconhecimento e mitos que impedem o desenvolvimento pleno da área.
O Brasil tem enfrentado inúmeros desafios na área educacional, nas últimas décadas, atuando com efetividade, por exemplo, no oferecimento do acesso gratuito à educação para todas as crianças e jovens de todas as camadas sociais. No entanto, a educação brasileira tem sido menos efetiva com relação às necessidades educacionais especiais de seu alunado. Através da nossa história observa-se que, para as crianças especiais que se encontram nos extremos – tanto aquelas com deficiências, quanto as com altas habilidades – o compromisso com a individualização de sua educação tem sido hesitante e incompleto.
O educador norte-americano James Gallagher (1994) faz uma interessante reflexão que também se aplica ao nosso contexto. Segundo ele, o fracasso em possibilitar que crianças com deficiências desenvolvam o seu potencial é uma tragédia pessoal tanto para elas quanto para suas famílias; no entanto, o fracasso em ajudar crianças com altas habilidades a desenvolver o seu potencial é uma tragédia para a sociedade, embora seja difícil medir a extensão deste fracasso. Diz este autor: “como podemos medir a extensão de uma sonata que não foi escrita, de uma droga com poderes curativos que não foi descoberta, ou da ausência de liderança política? As crianças superdotadas são parte substancial das diferenças entre o que somos e o que poderíamos ser enquanto sociedade” (p.4).
A Drª Eunice Soriano de Alencar, uma das pioneiras no estudo da superdotação no Brasil, chama a atenção para a importância do desenvolvimento dos talentos e para a implementação de programas educacionais direcionados aos portadores de altas habilidades. Além disso, essa autora ressalta que “uma boa educação para todos não significa uma educação idêntica para todos”, e que “um sistema educacional voltado apenas para o estudante médio e abaixo da média pode significar o não-reconhecimento e estímulo do talento e, consequentemente, o seu não-aproveitamento” (Alencar & Fleith, 2001, p. 11).
Desta forma, observa-se a importância de se buscar a eqüidade na educação, não através do fornecimento de experiências de aprendizagem idênticas para todos os alunos, mas sim através de uma ampla gama de experiências cuidadosamente planejadas e diferenciadas que levam em conta as habilidades, interesses e estilos de aprendizagem de cada estudante (Virgolim,1998).
Neste sentido, a Drª. Zenita Günther, especialista na área da educação dos bem-dotados em nosso país, alerta para o desperdício e o desvio dos talentos humanos; e reflete que o nosso papel, enquanto educadores, é o de “encaminhar o desenvolvimento de pessoas e encontrar a melhor e mais apropriada forma de prover a cada um aquilo de que ele necessita para se tornar o melhor ser humano que pode vir a ser (Günther, 2000, p. 20). Reconhecer, estimular e aproveitar talentos humanos em desenvolvimento ou em potencial nas diversas áreas do saber humano torna-se, afinal, uma grande responsabilidade, que recai sobre todos nós: família, escola e sociedade.
Em nosso país, vários são os problemas ainda enfrentados com esta população. Um grande mito que permeia nossa sociedade é de que os superdotados são percebidos como aqueles que têm tudo, não necessitando de maiores recursos para se desenvolver, o que demonstra uma falta geral de maior conhecimento por este tema. Além disso, a área se caracteriza pela falta de: (a) treinamento especializado dos profissionais; (b) materiais adequados à necessidade do grupo; (c) currículos e programas adequados aos diferentes níveis em escolas públicas e particulares; (d) cursos de graduação e pós-graduação nas universidades brasileiras específicos para a área; (e) maiores recursos governamentais para programas voltados para o desenvolvimento da superdotação em todo o país; (f) técnicas mais modernas de identificação; (g) maior número de pesquisas realizadas com esta população para a realidade brasileira; e (h) mais literatura especializada em nosso idioma.
Vários pesquisadores brasileiros (por exemplo, Alencar & Fleith, 2001; Aspesi, 2003; Chagas, 2003; Fleith & Virgolim, 1999; Günther, 2000; Maia-Pinto, 2002; Novaes, 1979; Ourofino, 2005; Sabatella, 2005; Virgolim, 1997, 2005) assinalam a necessidade de se aumentar os serviços direcionados a esta população, no sentido de vir a conhecer melhor as características deste grupo em nosso país; e de atender, no contexto escolar e familiar, suas necessidades afetivas e cognitivas especiais. Assinalam também a necessidade de se fazer mais pesquisas na área e de influenciar o desenvolvimento de políticas públicas, no contexto brasileiro, que favoreçam o reconhecimento, o estímulo e o aproveitamento de nossos potenciais humanos.
Além disso, a grande revolução que se observa na ciência da mente, com o grande desenvolvimento da moderna tecnologia, tem tornado possível o estudo da neuropsicologia e da neuroquímica do cérebro, ultrapassando as simples observação do comportamento para entender os complexos processos de aprendizagem, raciocínio e resolução de problemas. Por exemplo, as noções bem estabelecidas até o século passado de que o número de neurônios é fixo no nascimento foi substituída pela evidência de que os neurônios e as conexões neuronais estão em contínuo crescimento no cérebro (Kerr, 2009). Também a visão unitária e fixa da inteligência deu, paulatinamente, lugar a outras concepções, pluralísticas e mais dinâmicas. A maioria dos teóricos da atualidade concorda que a inteligência é composta de muitos fatores e habilidades (por exemplo, Gardner, 1983; Renzulli, 1978; Sternberg, 1986; Tannembaum, 2000). Aliando dados observacionais, métodos estatísticos complexos e neuroimagens cerebrais, o campo toma rumos inusitados. Diferentes definições, teorias e métodos educativos surgem para a questão da superdotação, que sugerem novas implicações para as políticas educacionais no país.
Os alunos com altas habilidades necessitam de serviços educacionais diferenciados que possam promover seu desenvolvimento acadêmico, artístico, psicomotor e social, o que inclui métodos de ensino adaptados às suas necessidades especiais. No contexto brasileiro atual, torna-se necessário que o país abra suas portas às modernas evidências de pesquisa sobre o indivíduo com altas habilidades, e que considere seu potencial como promotor do desenvolvimento tecnológico, cultural e educacional da nossa nação. Não podemos desperdiçar nossas inteligências; há por toda parte um rico manancial de jovens esperando por melhores oportunidades e desafios às suas capacidades. O Brasil iniciou várias mudanças, em nível do governo e de sociedade, voltadas para uma ampla abertura na política educacional para a área de superdotação. Na área acadêmica, pesquisas têm demonstrado a necessidade de se dar mais atenção a uma área que ainda se mostra tabu em nossa cultura, onde o desafio que nos espera é vencer medos e preconceitos.
Este livro foi idealizado com todos estes parâmetros em mente, voltados principalmente para a seguinte reflexão: dados todos os mitos na área, o desconhecimento da população em geral e da acadêmica, em particular, e o avanço substancial promovido pela tecnologia nas áreas da neuropsicologia, psicologia e pedagogia, o que sabemos sobre a inteligência, as altas habilidades e o desenvolvimento de talento? Como se deu o desenvolvimento destas áreas, quais mitos venceu e quais propostas e tendências podemos esperar nas próximas décadas?
A primeira parte do livro compreende oito capítulos que se propõem a explorar as relações mais gerais da inteligência com as altas habilidades/ superdotação.
Desta forma, o primeiro capítulo, “A inteligência em seus aspectos cognitivos e não cognitivos na pessoa com altas habilidades/ superdotação: Uma visão histórica”, de autoria de Angela M. Rodrigues Virgolim, procura focalizar a inteligência em uma dimensão temporal, mostrando como este conceito foi se modificando ao longo dos séculos. A visão unicista e fixa da inteligência, com seus primórdios nos pensadores do campo da filosofia antiga, passando pelos criadores da Psicologia científica e finalmente aos seus sucessores modernos, é substituída por uma visão pluralista, múltipla e complexa deste construto. Assim, aquela visão tradicional, fortemente alicerçada em métodos psicométricos de medida, dá lugar a um espectro maior de possibilidades, passando a abranger, para além dos aspectos cognitivos tradicionais (como o julgamento, o raciocínio, a memória e a resolução de problemas) também os aspectos de criatividade e de personalidade, como motivação, persistência, otimismo, coragem e paixão, abrindo ainda campo para o entendimento da inteligência emocional.
Complementando esta visão sócio-histórica e psicológica do capítulo inicial, o segundo capítulo deste livro abre espaço para os aspectos biológicos da inteligência. Em “Neurobiologia da inteligência – um desafio às Neurociências: Circuitos cerebrais associados ao processamento intelectual, funções executivas, neuroplasticidade, interação gene-ambiente e epigenética”, a autora, Elisabete Castelon Konkiewitz tenta integrar concepções da inteligência com as evidências experimentais sobre o funcionamento cerebral. Se por um lado, o cérebro é a base da cognição, por outro lado, sua atividade é explicada como resultado de interações dinâmicas entre as potencialidades genéticas e as experiências ambientais, de forma que não se pode falar em determinismo biológico, ou genético. Este jogo já se inicia durante a gestação, mesmo antes do nascimento e se continua por toda a vida e por isso a classe social, a escola, a família e a sociedade como um todo terão um papel decisivo no desenvolvimento e na expressão das habilidades intelectuais humanas. Este capítulo também tenta conciliar a visão generalista e a visão multifacetada da inteligência, discutindo o papel da criatividade e das emoções no desempenho intelectual.
O terceiro capítulo, “Arte e música como essências da inteligência humana”, por Paulo Estêvão Andrade e Olga Valéria Campana dos Anjos Andrade, pretende fornecer, com base em evidências científicas e nas mais recentes abordagens sobre a natureza e origem da inteligência humana, uma visão mais real e profunda do que representam as artes para a espécie humana. Será enfatizado o papel fundamental das artes, particularmente da música, como um componente biopsíquico do repertório de capacidades humanas com raízes profundamente biológicas (não obstante sua grande e rica diversidade nas manifestações culturais). Nesta perspectiva as artes devem ser consideradas como um conteúdo essencial na formação do indivíduo (como é nas culturas tradicionais) e como disciplina escolar fundamental.
“Neuroeducação e Inteligência: como as artes e a atividade física podem contribuir para a melhora cognitiva” é o quarto capítulo, escrito por Alfred Sholl-Franco, Tatiana Maia Barreto e Talita da Silva de Assis. Neste capítulo, os autores mostram a Neuroeducação como uma área emergente, que a cada dia vem sendo mais utilizada pelos profissionais de educação, a fim de melhorar o processo de ensino-aprendizagem. Para tanto, é necessário compreender quais processos neurofisiológicos estão envolvidos nas questões educacionais. Como o sistema nervoso se desenvolve? Existe uma idade adequada para a aprendizagem? O que é inteligência? Como desenvolver novas propostas pedagógicas se o sistema educacional está pautado em um modelo defasado, que valoriza alguns tipos de inteligências em detrimento de outras? Nesse ponto, compreender a teoria das inteligências múltiplas nos faz repensar as diferentes formas de inteligências e, com isso, explorar áreas que em geral são colocadas em segundo plano, tais como as artes e a educação física. Será que um sujeito com a habilidade musical de Beethoven pode ser considerado menos inteligente que um indivíduo com elevado QI? Como as artes e a atividade física contribuem, dentro do contexto escolar para o desenvolvimento de novas inteligências? Assim, a discussão geral que norteia este capítulo está centrada na articulação entre neuroeducação e inteligências a partir de uma análise sobre a importância das manifestações artística e corporais para a aprendizagem.
No quinto capítulo “O estudo das funções neuropsicológicas envolvidas na aquisição da leitura”, Wânia Cristina de Souza e Kátia Estevão Rodrigues da Silva abordam os aspectos fundamentais para a compreensão da habilitação da leitura enquanto processo neuropsicológico complexo, ampliando a visão do leitor para a construção de intervenções de estimulação, prevenção e busca do diagnóstico do distúrbio de leitura. As autoras argumentam que a habilidade da leitura requer uma diversidade de fatores que não necessariamente expressam a potencialidade intelectiva do indivíduo, mas que exige a construção de um processo que depende tanto dele quanto do meio que o cerca. Elas abordam as variáveis extrínsecas e intrínsecas ao indivíduo (como variáveis de ordem psicossocial e socioeconômica, condições biológicas, afetivas e neuropsicológicas) que interferem de forma direta ou indireta no processo de aquisição da leitura, viabilizando ou dificultando o sucesso do seu desenvolvimento.
O tema “A educação bilíngue e suas implicações para a aprendizagem da leitura e da escrita”, é abordado no sexto capítulo por Simone Aparecida Capellini e Giseli Donadon Germano. As autoras analisam as oportunidades e os riscos associados à educação bilíngüe, tema cada vez mais relevante num mundo globalizado e composto por intercâmbios e relacionamentos entre as mais diversas culturas. São considerados dados de diversos estudos e avaliados os componentes cognitivos envolvidos no processo do aprendizado da segunda língua.
O sétimo capítulo “O papel da nutrição na cognição infantil”, de Thalise Yuri Hattori, Andréa Pereira Vicentini e Maria Cristina Corrêa de Souza, discute o papel da nutrição, focalizado desde o período gestacional até a primeira infância, no desenvolvimento cognitivo infantil e seus reflexos a longo prazo, mostrando a relação de alimentos, nutrientes, dietas e outros aspectos da nutrição com a cognição, o comportamento, assim como as disfunções e as doenças. As autoras argumentam que nutrientes específicos influenciam na cognição ao agir sobre sistemas moleculares vitais para a manutenção da função cognitiva, o que leva a uma possibilidade futura de se fazer manipulações dietéticas para melhoria das habilidades cognitivas e da proteção de danos no cérebro, tanto para promover a reparação quanto a neutralização dos déficits cognitivos e dos seus efeitos no corpo.
O oitavo capítulo, “Avaliação psicométrica das habilidades cognitivas: Relação entre inteligência e criatividade”, escrito por Tatiana de Cássia Nakano, parte do princípio de que o conhecimento total do potencial de um indivíduo só é conhecido quando a inteligência é pareada com a criatividade, embora este seja ainda um tema controverso em Psicologia. A autora explora a literatura sobre a relação entre inteligência e criatividade, debatendo os principais achados de pesquisa na área, e focaliza a relação entre estes construtos sob três vertentes teóricas: aqueles que afirmam a relação intrínseca entre criatividade e inteligência; aqueles que consideram estes como dois construtos distintos entre si; e a terceira vertente, que aponta para uma relação não-linear entre inteligência e criatividade, existente a partir de um certo nível de inteligência. Tatiana Nakano revisa ainda algumas pesquisas brasileiras na área e reflete sobre como tais estudos podem auxiliar na compreensão da superdotação.
A segunda parte deste livro compreende seis capítulos que tratam da problemática específica da superdotação sob diferentes óticas.
O nono capítulo, “A Concepção de Superdotação no Modelo dos Três Anéis: Um modelo de desenvolvimento para a promoção da produtividade criativa”, por Joseph S. Renzulli, traz a visão deste renomado pesquisador sobre questões atuais e altamente pertinentes para o campo da superdotação. Desde que sua Teoria dos Três Anéis foi publicada, no final da década de 70, inúmeras pesquisas foram desenvolvidas para dar apoio empírico às suas reflexões teóricas. No Brasil, o Modelo de Enriquecimento Escolar (The Schoolwide Model – SEM) foi oficialmente adotado em 2007 pelo MEC como referêncial teórico de base para os recém-criados Núcleos de Atividades de Altas Habilidades – NAAHS, como resultado da implantação de uma política pública de educação especial. Neste capítuloRenzulli debate com profundidade a definição de superdotação, sua relação com a inteligência, a diferenciação entre a superdotação acadêmica e a criativo-produtiva, culminando com relatos de pesquisas que embasam a concepção dos Três Anéis. Além disso, este autor ainda contribui com uma ampla discussão sobre os aspectos não-cognitivos da superdotação, focalizando suas mais recentes pesquisas com relação ao projeto Operação Houndstooth, mostrando o papel que a educação dos superdotados poderia desempenhar no preparo das pessoas com alto potencial para uma liderança responsável e ética.
Juan José Mouriño Mosquera, Claus Dieter Stobäus e Soraia Napoleão Freitas discutem, no décimo capítulo “As altas habilidades/ superdotação no transcurso da vida: Infância e adultez”, a complexidade das questões relacionadas à superdotação a partir de três eixos principais: inteligência, personalidade e criatividade, considerados elementos essenciais para uma superdotação socialmente construtiva. O desenvolvimento da personalidade da criança com Altas Habilidades/Superdotação é descrito com relação ao desenvolvimento da aprendizagem, ao processo de socialização e às influências culturais. No decorrer do seu desenvolvimento, a problemática do adolescente e do adulto com Altas Habilidades é abordada, focalizando-se pesquisas e estudos clássicos na área da Psicologia do Desenvolvimento.
No decurso do desenvolvimento, as questões sociais e afetivas de uma pessoa com altas habilidades tornam-se fundamentais para a promoção de um desenvolvimento sadio e integrado. As características individuais e ambientais que promovem o desenvolvimento emocional é a tônica do décimo-primeiro capítulo, “Características sócio-emocionais do individuo talentoso e a importância do desenvolvimento de habilidades sociais”, de autoria de Jane Farias Chagas. A autora revisa os principais dados de pesquisa presentes na literatura da área, que apontam para a complexidade e interação dos elementos biológicos e ambientais que constituem uma teia de fatores dinâmicos presentes nos vários sistemas ecológicos onde o indivíduo se insere em sua trajetória de vida. A família e a escola são analisados como sistemas complexos no contexto de desenvolvimento e sugestões são dadas para promover o desenvolvimento do talento nestes ambientes. Jane Chagas discursa ainda sobre o impacto dos processos cognitivos superiores sobre o desempenho social de indivíduos talentosos e sugere métodos para o ensino das habilidades sociais, com a finalidade de promover interações sociais mais saudáveis.
Um dos elementos mais ressaltados na literatura que aborda o desenvolvimento da pessoa superdotada e talentosa é a motivação, considerada pelos modernos teóricos do campo como o diferencial no surgimento das habilidades excepcionais. Afonso Galvão e Anna Carolina Lemos Ribeiro discutem estas e outras questões no décimo-segundo capítulo “Ok, a prática traz a perfeição, mas o que sustenta a prática? Aspectos motivacionais e emocionais da aprendizagem expert, numa perspectiva psicanalítica”. Os autores sustentam a tese de que o desenvolvimento da expertise no adulto, em interação com características de personalidade, como habilidades, personalidade e interesses, apenas se dá quando ligado ao estudo deliberado. Galvão e Ribeiro discutem ainda questões voltadas ao desenvolvimento expert à luz das investigações na área, como a motivação a longo prazo, e explicam o alcance da expertise por algumas pessoas por meio da noção psicanalítica de desejo, entendendo o expert como aquele indivíduo que mescla prazer e ansiedade no desenrolar da aquisição do conhecimento de seu domínio específico.
No décimo-terceiro capítulo, “Desafios na identificação de alunos intelectualmente dotados”, por Eliana Santos de Farias e Solange Múglia Wechsler, o tema principal debatido pelas autoras é a importância da identificação e do desenvolvimento da dotação e do talento. As autoras argumentam que esta população é sub-identificada quanto se trata do Censo Escolar, o que sugere que os professores não estão conseguindo identificar adequadamente o potencial do estudante. Farias e Wechsler mostram o panorama histórico da área no Brasil, focalizando as primeiras iniciativas na identificação do superdotado, assim como as Leis, Resoluções e documentos que buscam assegurar os direitos desta população especial; apontam também para alguns dos modelos conceituais sobre a inteligência; e finalmente se concentram na avaliação dos talentos intelectuais. A discussão final recai sobre um estudo exploratório realizado com o objetivo de elaborar um instrumento brasileiro, preciso e fidedigno, para a identificação de alunos com potencial por seus professores.
O décimo-quarto capítulo, “Pensamento e criação na educação contemporânea: Aportes teóricos e sugestões práticas”, desenvolvido por Christina Cupertino, Denise Roche Belfort Arantes e Mariangela Fabiane Melcher, aborda o papel da criação e do pensamento na educação e na vida contemporânea. A discussão de base filosófica e fenomenológica que se segue contextualiza e reflete sobre a noção de criatividade como potencial inato, universal, um modo de ser que se realiza no cotidiano de cada um. As autoras destacam alguns pontos de vista, afirmações e concepções sobre a criatividade, o produto criativo e o processo criador, contrastando posições tradicionalmente postas na literatura sobre o tema, como o pensamento funcional, com outra postura, não-linear e fenomenológica, que é o pensamento sem finalidade ou utilidade imediata. A contribuição de Milner para o desenvolvimento da criatividade na educação é apresentada e que embasam as Oficinas de Criatividade desenvolvidas pelas autoras para crianças com altas habilidades/superdotação.
A terceira e última parte deste livro trata das aplicações educacionais das diversas teorias e modelos aqui apresentados para o desenvolvimento do potencial e do talento de crianças e jovens no ambiente escolar.
Assim, o décimo-quinto capítulo, apresentado por Vera Lucia Palmeira Pereira, intitulado “Superdotação e Currículo Escolar: Potenciais superiores e seus desafios na perspectiva da educação inclusiva”, aponta para a necessidade da escola oferecer um currículo escolar que respeite os interesses, aptidões e modos de aprender de todos os seus alunos, fundamentada em uma concepção de educação inclusiva. A autora discute brevemente a contribuição do potencial humano no desenvolvimento de diversas sociedades através dos séculos; pontua as ideias-chave de Joseph Renzulli para o reconhecimento e a identificação dos comportamentos de superdotação nas crianças e jovens; mostra características desta população e possíveis problemas que tais características trazem para o ambiente escolar; e finaliza com considerações sobre o trabalho pedagógico a ser desenvolvido em uma escola inclusiva, chamando a atenção para os objetivos e estratégias metodológicas que alcancem as diferentes necessidades dos estudantes com superdotação.
O tema da “Superdotação e currículo” é retomado no décimo- sexto capítulo por Maria Clara Sodré S. Gama, que discute com profundidade programas, currículos e modelos de aprendizagem diferenciados e modificados para os superdotados. A autora tece considerações sobre conteúdo dos currículos, formas de reorganização de conteúdos, processos curriculares, tipos ou níveis de atividades mentais propostas, o planejamento do ambiente de aprendizagem, a moralidade e outras questões pertinentes às necessidades educacionais da criança. Sodré Gama apresenta ainda um modelo diferenciado de currículo para alunos com altas habilidades/superdotação, de forma a contribuir para o desenvolvimento de habilidades cognitivas, afetivas e éticas do cidadão na construção de um mundo melhor.
O décimo-sétimo capítulo, “Plano de Atendimento Educacional Especializado integrado ao Plano Individual de Ensino com vistas a Aceleração de Estudos: Sugestão adaptada do modelo de Joseph Renzulli” por Cristina Maria Carvalho Delou, aborda as altas habilidades/superdotação e sua nomenclatura de acordo com as Leis, Resoluções, Decretos e documentos da Educação Especial no Brasil, comentando sobre algumas das iniciativas iniciais e as mais recentes na área. Delou focaliza os projetos político-pedagógicos das escolas, as normas que estabelecem o Atendimento Educacional Especializado em salas multifuncionais e ainda o atendimento público-privado dos alunos altas habilidades. Por fim, a autora apresenta um Plano de Atendimento Educacional Especializado, com base no modelo de Renzulli, que mostra como proceder quando da decisão sobre a adaptação curricular para o enriquecimento ou aceleração de estudos de alunos com altas habilidades/superdotação.
O assunto polêmico da aceleração é trazido por Susana Graciela Pérez Barrera Pérez no décimo-oitavo capítulo, “Aceleração: Mais rápido não é sinônimo de melhor”. Inicialmente a autora define a aceleração e traça um panorama geral sobre a aceleração no mundo, tanto em países ocidentais quanto orientais, para depois focalizar a aceleração nos documentos legais brasileiros. Segue-se uma discussão dos motivos e objetivos que se buscam com a aceleração enquanto modelo de atendimento e enquanto modelo de currículo; e tece reflexões sobre a razão pela qual a aceleração é defendida. A autora defende a posição de que a aceleração é aceitável apenas quando a instituição de ensino pode fazer uma cuidadosa avaliação dos alunos e proporcionar um serviço adequado de atendimento aos alunos e seus familiares envolvidos neste processo, assim como um serviço de formação docente que garanta a adequada implementação deste procedimento.
O décimo-nono e último capítulo deste livro trata de “O fazer matemática na escola e o desenvolvimento da inteligência: Quando o contexto lúdico favorece o desenvolvimento da criatividade revelando novas concepções acerca da capacidade cognitiva”, apresentado por Cristiano Alberto Muniz. O autor discute a relação entre desenvolvimento da inteligência e a atividade matemática em suas bases filosóficas, pressupondo que a matemática é limitada à capacidade intelectual humana em um dado momento histórico e num dado contexto cultural. Muniz discute também a inteligência e a matematização na escola, o sucesso ou insucesso escolar e a postura tradicional da imposição de procedimentos formais na aula de matemática, sem espaço pedagógico para a valorização de procedimentos espontâneos por parte dos alunos. O autor reflete sobre o fazer matemática no ambiente escolar, pontuando situações e oportunidades observadas por ele, enquanto pesquisador, que dizem respeito à constituição de significado e sentido do fazer matemática em sala de aula e a vazão, por parte de alguns alunos, de processos mais criativos de pensar e solucionar problemas nesta área. Muniz apresenta ainda os sentidos da mediação pedagógica por meio de situações lúdicas ou de jogos e discute a noção de auto-regulação nas produções matemáticas das crianças em contexto de jogo na escola e fora dela.
Como palavras finais deste capítulo introdutório, queremos, como organizadoras desta obra, expressar a nossa consciência do risco intelectual que aceitamos correr, quando decidimos abordar um assunto tão complexo como as altas habilidades e, ao mesmo tempo, expor abertamente as incertezas e contradições ao redor do mesmo. Associar autores com formações e experiências tão diversas para discorrer sobre um mesmo tema, como neste livro foi feito, pode resultar em confusão, perda de foco e superficialização teórica. Por outro lado, compreender e lidar com as altas habilidades representam um desafio que exige a comunicação e o esforço conjunto das diversas áreas do saber. Após longa ponderação, concluímos que, se optássemos por uma obra que mantivesse um discurso mais uniforme, esta representaria apenas uma perspectiva sobre o assunto e, portanto, não estaria contribuindo para uma discussão mais séria, inovadora e ampla do mesmo. Manter a separação entre a Neurobiologia, a Pedagogia, a Psicologia do Desenvolvimento, a Neuropsicologia, a Medicina e outras disciplinas ofereceria um texto mais coeso e provavelmente de mais fácil compreensão. No entanto, estaríamos assim repetindo outras obras destas respectivas áreas. Ao contrário, decidimos oferecer ao leitor esta “colcha de retalhos”, esta “colagem” de perspectivas, que, se por um lado, torna o texto menos uniforme, por outro, o torna também mais multifacetado e mais completo. Acreditamos estar assim oferecendo ao leitor melhores condições para que ele mesmo possa avaliar os diversos conteúdos e fazer suas próprias ponderações.
Nosso mais profundo desejo é o de estar contribuindo, ainda que modestamente, para um futuro de abordagens pedagógicas coerentes e sem modismos e de pesquisas inovadoras, sem repetições de velhas receitas e de velhos livros, para que as pessoas, e, em especial, as crianças, no nosso país, tenham todas finalmente a oportunidade de desenvolver as suas potencialidades em plenitude.
Referências
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