Infecção pelo HIV no cérebro, uma abordagem investigativa- por Helder Freitas dos Santos

Resenha do artigo “Current understanding of HIV-associated neurocognitive disorders pathogenesis” Gannon P, Khan M.Z, Kolson D.L. Department of Neurology, University of Pennsylvania School of Medicine, Philadelphia, Pennsylvania, USA, Jun, 2011. http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3683661/pdf/nihms469437.pdf

 

vírus HIV penetrando no SNC: “cavalo de Troia”

 

O sistema nervoso central é um importante reservatório potencial a persistente infecção pelo HIV-1, onde provávelmente entra no SNC durante a infecção primária através da migração de monócitos e linfócitos infectados através da barreira hematoencefálica. A entrada do vírus no SNC pode acarretar desordens neurocognitivas associadas ao HIV, do inglês (HIV-associated neurocognitive disorders, HAND).

Os efeitos do HIV no cérebro são avaliados por meio de testes neurocognitivos, com o advento do tratamento com antirretrovirais (ART), tem havido algum sucesso no tratamento de HAND, havendo diminuição na incidência das formas mais graves destes distúrbios. Apesar disso, as doenças relacionadas à Aids continuam tendo forte impacto nos países em desenvolvimento. Existem três categorias da HAND com base nas avaliações neuropsicológicas, e são atualmente conhecidas como, insuficiência neurocognitiva assintomática associada ao HIV (ANI), desordem neurocognitiva menor (DNM) e a demência associada ao HIV (HAD), a qual é a forma mais grave de desordem.

Os ART’s são uma combinação de medicamentos, que vem sendo utilizados como uma terapia supressora do efeito deletério sobre o sistema imunológico de pessoas vivendo com HIV/Aids. Extremamente efetiva na redução da carga viral plasmática de RNA do HIV-1 para níveis indetectáveis, a terapia antirretroviral vem alterando consideravelmente a história natural da infecção pelo HIV e, assim, aumentando a sobrevida destes indivíduos.

O HIV atravessa a barreira hemato-encefálica por um mecanismo tipo cavalo de Troia, usando macrófagos infectados, causando resposta do sistema imunológico e neuroinflamação. No cérebro, o vírus infecta células gliais que em última instância secretam neurotoxinas que levam ao dano e morte neuronal. Quando o vírus entra no sistema nervoso, invade suas células e produz lesões em todo tecido neural, derivando certos comprometimentos cognitivos. São descritos perda neuronal sobre todo córtex frontal, atrofia cerebral e desmielinização, fundamentalmente nas zonas periventriculares, corpo caloso, comissura anterior e trato óptico.

A resposta imunológica, juntamente com neuroinflamações podem estar associados a infecção no SNC, devido a ativação de células gliais residentes (macrófagos, micróglia e astrócitos), que estão também associados com lesões neuronais, sendo reversíveis ou não. A neuroinflamação está associada com a replicação do HIV, tanto na periferia e no interior do sistema nervoso central em que a ativação dos macrófagos tem sido correlacionada com a HAND.

A persistência deste alto risco de HAND em indivíduos que experimentam o controle efetivo da carga viral sistêmica do HIV não é completamente explicada, estudos sugerem que os fatores incluem efeitos do envelhecimento sobre a vulnerabilidade do cérebro, a persistência da replicação do HIV em macrófagos do cérebro e evolução de estirpes de HIV altamente neurovirulentos no SNC.

A inflamação sistêmica crônica tem sido fortemente ligada à morbidade e mortalidade em pacientes infectados pelo HIV que recebem ART, o que sugere que a terapia anti-inflamatória adjuvante é necessária para melhorar os resultados. Estudos têm correlacionado inflamação sistêmica, inflamação do SNC e HAND e persistência da ativação imune, apesar do uso ART e cargas virais indetectáveis no soro.

 

Recentemente, a HAND tem sido estudada quase exclusivamente nos países desenvolvidos (Estados Unidos e Europa), onde uma única clade de HIV predomina, o subtipo B. A distribuição dos subtipos de HIV-1 varia em todo o mundo, e diferenças nas características fenotípicas, incluindo a indução de respostas imunitárias, a aptidão viral, resistência a fármacos, a utilização de co-receptores, a sensibilidade de neutralização do anticorpo e neurovirulência entre clades do HIV têm sido descritas.

 

Além disso, as clades do HIV podem ser modificadas, através de eventos de recombinação genética, o que poderia alterar o seu potencial patogênico. Os primeiros estudos em Uganda (onde clades A e D predominam) mostraram que a prevalência de algumas características de HAND são comparáveis ao observados nos Estados Unidos durante a era pré-ART, e que a idade avançada e baixa contagem de células T CD4 + são grandes fatores de risco.

Sobretudo sabemos que, a utilização de ART pode melhorar significativamente a função neurocognitiva nestes indivíduos dentro de poucos meses. Os estudos têm-se centrado no subtipo C, como é o subtipo mais comum do HIV e é responsável por aproximadamente 50% das infecções de HIV em todo o mundo. A clade C está ligada à epidemia crescente na África Subsaariana e partes da Ásia, incluindo a China e a Índia. Notavelmente, apesar de possíveis riscos diferentes de HAND entre esses subtipos diferentes do HIV, os efeitos benéficos da ART foram demonstradas em todo o mundo.

 

 

Embora a definição estrita de HAND requer a exclusão de outras comorbidades (além de infecção pelo HIV) como a causa da disfunção cognitiva, a contribuição das drogas de abuso como um grande risco de comorbidade para a disfunção cognitiva em indivíduos HIV-positivos é uma grande preocupação em todo o mundo. Entre as principais drogas de abuso que contribuem para a patogênese do HIV são os opiáceos (morfina) e estimulantes (cocaína e metanfetamina). Nos países desenvolvidos, aproximadamente 30% dos indivíduos HIV-positivos são usuários de drogas intravenosas, e o risco de HAND é claramente maior entre esses indivíduos.

A neuroinflamação associada com HAND parece ser agravada por drogas de abuso, como demonstrado por estudos de autópsia do cérebro que revelam uma maior prevalência de encefalites causadas por HIV (presença de células gigantes multinucleadas). As inflamações que ocorrem no SNC, juntamente com a replicação do HIV, impulsionam a patogênese da HAND.

De modo geral, a ativação imunitária sistémica, migração de monócitos ativados, drogas de abuso e efeitos secundários do envelhecimento contribuem para possível lesão neuronal associada com a HAND, que persistem mesmo com tratamento eficaz de antirretrovirais. As drogas supressoras de ativação imune sistémica e inflamações poderiam representar adjuvantes eficazes e assim facilitar a implementação de estratégias neuroprotetoras adjuvantes contra sintomas da HAND.

Referências

Braga, I. S., Guimarães, N. S., & Figueiredo, S. M. (2015). Distúrbios nutricionais e metabólicos provocados pela utilização da terapia antirretroviral e abordagem nutricional: uma revisão narrativa. Nutrición clínica y dietética hospitalaria, 35 (1), 71-75.

 

Heaton, R. K., Franklin, D. R., Deutsch, R., Letendre, S., Ellis, R. J., Casaletto, K., & Teshome, M. (2015). Neurocognitive change in the era of HIV combination antiretroviral therapy: the longitudinal CHARTER study. Clinical Infectious Diseases, 60 (3), 473-480.

 

Ouyang, Y., Liu, L., Zhang, Y., Yuan, L., Liu, Z., Yang, S., & Chen, D. (2014). Discordant patterns of tissue-specific genetic characteristics in the HIV-1 env gene from HIV-associated neurocognitive disorder (HAND) and non-HAND patients. Journal of neurovirology, 20 (4), 332-340.

 

Neuro-AIDS in the developing world. Dean D, Berger JR. Neurology 2012, 78: 499.

 

Plessis, S., Vink, M., Joska, J. A., Koutsilieri, E., Stein, D. J., & Emsley, R. (2014). HIV infection and the fronto–striatal system: a systematic review and meta-analysis of fMRI studies. AIDS, 28 (6), 803-811.

One thought on “Infecção pelo HIV no cérebro, uma abordagem investigativa- por Helder Freitas dos Santos

  • 29/05/2020 em 1:51
    Permalink

    Oi eu tenho um filho que tem distúrbio mental causado pelo hiv,eu gostaria de encontrar uma clínica especializada,porque aqui no Brasil tem somente 2,meu filho tem 33 anos e já faz 4 anos que ele está assim.

    Resposta

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *