APONTAMENTOS SOBRE A ESQUIZOFRENIA, por Daniel Salmi Valadão Borges

INTRODUÇÃO

Da Demência Precoce à Esquizofrenia: evolução histórica da compreensão de uma doença ainda não compreendida

Demência Precoce foi um termo utilizado pela primeira vez por Arnold Pick em 1891 (AMARAL, 2014), e posteriormente adotado por Emil Kraepelin na quarta edição de seu “Tratado de Psiquiatria” para descrever processos psiquiátricos degenerativos como um grupo diferenciado de transtornos separados em três síndromes: dementia paranoides, catatonia e dementia praecox. A última seria o produto da fusão de todos os processos degenerativos psíquicos com perda da unidade psíquica e prejuízo da volição(OLIVEIRA, 2010). Kraepelin, na oitava edição de seu tratado, definiu ainda, duas síndromes principais para descrever a esquizofrenia: a síndrome avolicional, primeira descrição de sintomas que posteriormente receberam o nome de negativos; e a síndrome da perda de unidade interna, caracterizada por incoerência do pensamento, mudanças intensas do humor e inconstância do pensamento (ELKIS, 2000).

Bleuler lança, em 1911, o termo esquizofrenia (mente dividida) em sua monografia intitulada “Demência precoce ou o grupo das esquizofrenias”, em busca de um termo que denotasse claramente o distanciamento da ideia de que apenas jovens desenvolveriam a doença. Neste livro, ele propõe seis sintomas fundamentais para o diagnóstico da esquizofrenia (os notórios seis As: Associação, Afeto, Autismo, Ambivalência, Atenção e Avolição), além dos sintomas secundários, que Kraepelin identificava como sendo os principais indicadores de dementia praecox, os delírios e as alucinações. A esquizofrenia era um termo que se referia, portanto, a um grupo heterogêneo de psicoses que tinha em comum a perda de associação, além da presença de sintomas fundamentais e sintomas acessórios, sendo os primeiros a expressão de alguma alteração cerebral subjacente e os segundos uma reação de complexos afetivamente carregados da personalidade.

Kurt Schneider, em 1948, propõe onze “Sintomas de Primeira Ordem” para a esquizofrenia. Seu Present State Examination (PSE) foi base para o exame de pacientes com esquizofrenia em países que participaram do Estudo Piloto Internacional da Esquizofrenia (IPSS), patrocinado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), onde se constatou que a presença de SPO era um achado em 25% dos casos de transtornos do humor, embora não tenham perdido sua grande caracterização da esquizofrenia em alguns países.  (ELKIS, 2000).

Schneider definiu os SPO como:

  1. Distúrbios da percepção  e sensações: sonorização do pensamento, vozes que dialogam entre si, vozes que acompanham a própria ação com comentários, vivências de influência corporal;
  2. Distúrbios do pensamento: subtração ou roubo do pensamento, imposição do pensamento, difusão do pensamento, percepção delirante;

‘In the distance I could see people looking for me under the night stars with flashlights. There was a dog barking. But I was not afraid because I felt in the care of the tree’ ( Henry Cockburn ).

On Schizophrenia: Father and son discuss battling mental illness and the art it inspires
In the first of a three-part series, Patrick Cockburn and his son Henry, reflect on the trauma of schizophrenia Henry has experienced for the past 16 years – and how painting helped.
Disponivel em: https://www.independent.co.uk/news/long_reads/schizophrenia-henry-cockburn-mental-illness-father-son-patrick-art-folkestone-triennial-art-festival-a7940126.html

Distúrbios do sentimento, impulso e vontade: sugestão, possessão, hipnose.

No DSM-II, em 1968, o conceito de esquizofrenia estava muito amplo, sendo considerado psicótico todo paciente “incapaz de atender às demandas da vida diária”. O conceito de psicose esquizoafetiva de Kasanim e o conceito de esquizofrenia pseudoneurótica de Hoch e Polatin aboliram a dicotomia kraepeliniana e aproximaram a esquizofrenia dos transtornos de personalidade, o que contribuiu para uma certa inacurácia diagnóstica.

No DSM-III, publicado em 1980, havia sintomas schneiderianos e bleulerianos no critério A, a noção kraepeliniana de “deterioração a partir de um nível prévio” no critério B, e 6 meses de evolução de história clínica, juntamente com a distinção entre esquizofrenia e doença maníaco-depressiva, no critério C. Tal algoritmo se manteve até o DSM-IV como um dos mais restritos do mundo (ELKIS, 2000).

Em 1980, Crow, baseado em Jackson, propôs a divisão da esquizofrenia em dois grupos de sintomas, os positivos, ou psicóticos, e os negativos, ou deficitários, trazendo o conceito de duas dimensões da esquizofrenia, a positiva e a negativa. A dimensão positiva apresentava-se como um quadro agudo, reversível, com boa resposta ao tratamento neuroléptico, provável aumento de receptores dopaminérgicos e ausência de alterações cerebrais estruturais, possuindo um bom prognóstico. A dimensão negativa estava relacionada com má resposta ao tratamento neuroléptico, cronicidade, provável redução de receptores dopaminérgicos e alterações cerebrais a nível estrutural, associando-se com um mau prognóstico. Os sintomas negativos, posteriormente, foram figurados oficialmente no DSM-IV.

Atualmente, a CID-11 torna o conceito de esquizofrenia novamente amplo, tendo, em sua descrição sintomatológica a presença de SPO e distúrbios do pensamento e embotamento afetivo, associados a delírios e alucinações, com duração de 1 mês.

Lançado em 2013, o DSM-V lançou o conceito de espectro para os distúrbios psiquiátricos como um todo que se decompõe em partes, assim como a luz do sol é decomposta ao passar por um prisma. Segundo o DataSUS, tais distúrbios têm como característica em comum processos de distorções do pensamento e da percepção.

O termo esquizofrenia vem do grego σχιζοφρενία, que une as palavras σχίζειν e φρήν: cisão e phren, e pode ser entendido como a divisão da mente.

Segundo o DSM V, o Espectro Esquizofrênico compreende:

  • Transtorno da Personalidade Esquizotípica;
  • Transtorno Delirante;
  • Psicose;
  • Transtorno Psicótico Breve;
  • Transtorno Esquizofreniforme;
  • Esquizofrenia com ou sem transtorno esquizoafetivo associado;
  • Transtorno psicótico induzido por substância/medicamento;
  • Transtorno psicótico devido a condição médica; e
  • Outros transtornos especificados ou não especificados.

Como a refração da luz ao passar por um prisma, o Espectro Esquizofrênico representa o conjunto de transtornos do funcionamento cerebral onde o indivíduo apresenta distorções do pensamento e da percepção associadas a afetos embotados ou inapropriados, com preservação da consciência e da capacidade intelectual, apesar dos déficits cognitivos que evoluem ao longo do tempo. Seus fenômenos psicopatológicos mais importantes incluem eco do pensamento, imposição ou roubo do pensamento, divulgação do pensamento, percepção delirante, ideias delirantes de controle, de influência ou de passividade, vozes alucinatórias comentando ou discutindo com o paciente em terceira pessoa, transtornos do pensamento e sintomas negativos.

Sintomas positivos

Delírios, alucinações, desorganização do pensamento (discurso), comportamento motor grosseiramente desorganizado ou anormal. Estão relacionados a surtos psicóticos agudos e alterações afetivas e psicomotoras.

Os delírios – crenças impassíveis de serem vistas de outra maneira, sob uma nova ótica, mesmo com evidências conflitantes que provem o contrário ou apresentem outra realidade – possuem uma variedade de temas, podendo ser separados em delírios bizarros ou não bizarros. Podem ser classificados como: persecutórios, dereferência, degrandeza, erotomaníacos, niilistas, somáticos e decontrole.

As alucinações – experiências que são semelhantes às percepções que ocorrem no meio externo, porém sem um estímulo que as sustentem – são vívidas, claras, com a mesma verossimilhança das percepções da realidade, normais. São algo que o indivíduo não pode controlar, tendo muitas vezes um caráter de “sonho acordado”, e podem se enquadrar em qualquer um dos sentidos. É mais comum, na esquizofrenia, a presença de alucinações visuais, e as que se tem ao adormecer e ao acordar, além das experiências religiosas de algumas culturas, são tidas como normais e não devem ser vistas sob a ótica patológica.

A desorganização do pensamento é inferida a partir do discurso do indivíduo, que muda de um tópico a outro apresentando descarrilamento ou afrouxamento das associações.

Respostas e perguntas apresentam uma fina linha de conexão e, às vezes, o discurso se apresenta completamente desconexo, incompreensível, podendo ser comparado a uma afasia receptiva em sua desorganização linguística, ou seja, uma incoerência ou salada de palavras, devendo ser suficientemente pertinente ou grave a ponto de prejudicar a substância da fala do indivíduo, a comunicação afetiva com o seu ambiente. É difícil avaliar o diagnóstico quando não é possível estabelecer uma boa relação médico-paciente. Os períodos prodrômico e residual da esquizofrenia apresentam desorganização menos grave do pensamento ou do discurso.

O comportamento desorganizado ou anormal manifesta-se de várias formas, desde o comportamento “tolo e pueril” até a agitação imprevisível. Estas situações são observadas em comportamentos dirigidos a um objetivo, o que leva a uma dificuldade na realização das atividades do cotidiano.

A catatonia se caracteriza por alterações motoras e redução importante na reatividade ao ambiente. Pode se manifestar como negativismo, manutenção de postura rígida, inapropriada ou bizarra, mutismo e estupor, excitação catatônica, movimentos estereotipados, olhar fixo, caretas, mutismo e eco da fala.

Os sintomas são inespecíficos e podem ocorrer em outros transtornos mentais e, ainda, em outras condições médicas.

Sintomas negativos


Making friends: ‘Homeless People Under a Bridge’ (Henry Cockburn)
On Schizophrenia: Father and son discuss battling mental illness and the art it inspires
In the first of a three-part series, Patrick Cockburn and his son Henry, reflect on the trauma of schizophrenia Henry has experienced for the past 16 years – and how painting helped.
Disponivel em: https://www.independent.co.uk/news/long_reads/schizophrenia-henry-cockburn-mental-illness-father-son-patrick-art-folkestone-triennial-art-festival-a7940126.html

Diminuição da expressividade emocional, avolição, alogia, anedonia, falta de sociabilidade. Estão relacionados a cronicidade e pobreza do conteúdo do discurso, isolamento social e embotamento afetivo, trazendo prejuízos sociais para o paciente.

Grande parte dos sintomas que expressam a gravidade do quadro da esquizofrenia se integram neste item, sendo dois proeminentes : a diminuição da expressividade emocional, que inclui reduções na expressão de emoções pela face, pelo contato visual, movimentos das mãos, cabeça, coisas que apresentam  apresentando também prosódia, e a avolição, uma redução das atividades motivadas, autoiniciadas, com um objetivo específico.

Também estão presentes a alogia, produção diminuída do discurso; a anedonia, capacidade reduzida de ter prazer resultante de estímulos positivos, ou degradação na lembrança do prazer anteriormente vivido. A falta de sociabilidade refere-se à aparente ausência de interesse em relações sociais, podendo estar associada com avolia. Esta pode, no entanto, ser na verdade uma tentativa limitada de interação social.

 Sintomas cognitivos

Dificuldade de realizar funções diárias que envolvam a realização concomitante de tarefas, a atenção direcionada e o uso da memória.

A Psicose é uma síndrome que serve como característica definidora da Esquizofrenia, podendo estar associada, também, a transtornos maníacos, depressivos, cognitivos e Alzheimer.

Epidemiologia

A esquizofrenia tem prevalência nos EUA de 1%; 2/3 são do sexo masculino e 1/3 do sexo feminino, internados pela primeira vez entre 10-25 anos (homens) e entre 25-35 anos (mulheres). As mulheres possuem um melhor funcionamento social antes do desenvolvimento da doença, e possuem melhor prognóstico, enquanto os homens são mais propensos a ter sintomas negativos. Quando ocorre em ambos os sexos após 45 anos, o quadro pode ser considerado como o de uma esquizofrenia de início tardio.

Schizophrenia is a photograph by Tim Vernom-2013. Disponível em : https://fineartamerica.com/featured/schizophrenia-tim-vernon-lth-nhs-trust.html

Existe uma série de fatores, divididos em ambientais, sociais e genéticos. Alguns fatores podem estar relacionados com a incidência e a prevalência da esquizofrenia. São eles:

  • Pré-natais: infecções maternas e complicações do parto associadas a uma resposta imunológica exarcebada ao estresse fetal.
  • Epigenéticos: genes que, associados a um contexto vivencial que favoreça a sua expressão, podem desencadear a sintomatologia e o quadro esquizofrênico, podendo explicar a suscetibilidade alta e a alta relação proporcional ao grau de parentesco com o paciente afetado.
  • Abuso de substâncias: comuns a 50% dos pacientes (as substâncias mais relacionadas são o álcool e a nicotina, especialmente a nicotina, que, por melhorar alguns comprometimentos cognitivos e o parkinsonismo, além de diminuir os sintomas positivos, como as alucinações, pode ser considerada uma forma de automedicação).

Fisiopatologia e etiopatogenia

As mutações nos genes das Os candidatos a gene específico são o receptor nicotínico alfa-7, DISC , GRM 3, COMT, NRG 1, RGS 4 e G72, e DTNBP1. A distroverbina (neurregulina 1) está especialmente relacionada aos sintomas negativos (NATURE).

Hipótese dopaminérgica

A hipótese sobre o papel da dopamina partiu da observação da eficácia e da potência da maioria dos antipsicóticos antagonistas do receptor D2.

A desregulação do sistema mesolímbico de dopamina pode levar a alterações na saliência de incentivo (relacionada à motivação para fazer coisas, o desejo de fazer algo). É possível supor que um disparo dopaminérgico caótico em neurônios dopamina-ligantes no corpo estriado de pacientes esquizofrênicos atribui saliência de incentivo para estímulos outrora irrelevantes, gerando erros de predição da importância de um estímulo e sua relação com a realidade externa, aumentando a gravidade de sintomas psicóticos positivos (HEINS, 2010).

Estudos de receptores de dopamina com tomografia por emissão de pósitron documentam aumento nos receptores D2 de dopamina no núcleo caudado de pacientes esquizofrênicos livres de medicamentos, com aumento da concentração de dopamina na amígdala, diminuição da densidade do transportador de dopamina e aumento nos números de receptores de dopamina tipo 4 no córtex entorrinal.

Outros neurotransmissores

A serotonina pode estar associada aos sintomas positivos e negativos quando encontrada em níveis altos. Uma degeneração neuronal seletiva no sistema de recompensa da norepinefrina poderia explicar a anedonia, entretanto os dados bioquímicos e farmacológicos que apoiam essa proposição são inconclusivos.  Os pacientes que apresentam perda de neurônios GABAérgicos no hipocampo tem perda da sua função inibidora, o que poderia levar à hiperatividade dos neurônios dopaminérgicos. A substância P e a neurotensina, podem alterar os padrões de disparo das catecolaminas e indolaminas. Estudos de necrópsia na esquizofrenia demonstraram que o aumento dos receptores muscarínicos e nicotínicos no caudado putame, no hipocampo e em regiões selecionadas do córtex pré-frontal, áreas de regulação dos neurotransmissores envolvidos na cognição, podem sugerir participação da acetilcolina e da nicotina no processo fisiopatológico do transtorno. Outras substâncias possivelmente envolvidas são o hormônio luteinizante, o LH e o FSH, a prolactina, o TRH e a apomorfina. Antagonistas de glutamato, como a fenciclidina, podem levar a uma síndrome parecida com a esquizofrenia.

Cérebro e neuroimunologia

Exames de tomografia computadorizada têm mostrado alargamento dos ventrículos laterais e do terceiro ventrículo e redução no volume cortical. Volumes reduzidos da substância cinzenta cortical foram demonstrados durante os primeiros estágios da doença e não progridem. Não se sabe ainda se um processo patológico ativo pode ser responsável por uma possível progressão da doença ou não. Há simetria reduzida nos lobos temporal, frontal e occipital iniciada possivelmente durante a vida fetal, indicando interrupção na lateralização cerebral durante o neurodesenvolvimento. É possível notar a diminuição do tamanho da amígdala, do hipocampo e do giro para-hipocampal – esse achado neuropatológico está de acordo com a observação feita por estudos de imagem por ressonância magnética.

O hipocampo não é apenas menor em tamanho na esquizofrenia como também é funcionalmente anormal, como indicado por distúrbios na transmissão de glutamato, sendo a desorganização dos neurônios no hipocampo também foi observada em secções de tecido cerebral de pacientes com esquizofrenia, em comparação a de controles saudáveis. Podem ser vistas anormalidades anatômicas no córtex pré-frontal, com déficits funcionais na região pré-frontal demonstrados por imagens do cérebro, sendo que vários sintomas de esquizofrenia imitam aqueles encontrados em pessoas com lobotomias pré-frontais ou síndromes do lobo frontal.

Alguns estudos do tálamo evidenciam diminuição de volume ou perda neuronal, em subnúcleos específicos; o núcleo dorsomedial do tálamo pode apresentar um número reduzido de neurônios. Seu número total (neurônios, oligodendrócitos e astrócitos) é reduzido em 30 a 45% em pacientes com esquizofrenia, e não parece ser devido aos efeitos de medicamentos antipsicóticos, pois o volume do tálamo é semelhante em tamanho quando pacientes em tratamento foram comparados a pacientes que nunca foram expostos a neurolépticos.

Os gânglios de base e o cerebelo têm sido de interesse teórico na esquizofrenia pelos movimentos bizarros de alguns pacientes; os transtornos do movimento que envolvem os gânglios da base são mais comumente associados com psicose. Estudos neuropatológicos dos gânglios da base produziram relatos variáveis e inconclusivos a respeito da perda celular e da redução de volume no globo pálido e da substância negra. Também se sabe que há aumento no número de receptores D2 no núcleo caudado, no putame e no nucleus accumbens. Permanece a questão, entretanto, quanto a se o aumento é secundário à administração de medicamentos antipsicóticos ou não. Alguns pesquisadores sugeriram um papel para a serotonina nos transtornos psicóticos pela utilidade clínica de agentes antipsicóticos com atividade de antagonismo à serotonina como a clozapina e risperidona.

Alguns estudos procuram solucionar o mistério dos possíveis efeitos de um vírus neurotóxico ou um transtorno autoimune endógeno possa, através de uma infecção viral, causar a diminuição da produção de interleucina-2 pelas células T, a redução do número e da responsividade dos linfócitos periféricos, a reatividade celular e humoral anormal a neurônios e a presença de anticorpos direcionados ao cérebro (anticerebrais), sendo que anticorpos cerebrais autoimunes já foram identificados, mas o processo fisiopatológico proposto se encaixa em apenas um grupo de indivíduos da doença.

Psicologia e esquizofrenia

Foi Freud quem promoveu a esquizofrenia como sendo produto de fixações precoces do desenvolvimento, que produzem déficits do ego que contribuem para os sintomas do transtorno, pela desintegração deste que remete a tempos onde estava sendo construído ou não existia.

Tratamento


‘Institutionalised’: patients queue for medication while others sit watching TV (Henry Cockburn)

https://www.independent.co.uk/news/long_reads/schizophrenia-mental-health-patrick-cockburn-art-illness-therapy-painting-exhibition-father-son-art-a7944161.html

Hospitalizar o paciente em locais bem ambientados, confortáveis e acolhedores pode ser benéfico quando houver ideação suicida ou homicida e comportamento flagrantemente desorganizado ou inadequado. Visitas domiciliares e centros de atenção especializada também são importantes. No que tange à farmacoterapia, os antipsicóticos são, em sua maioria, a base para o tratamento da esquizofrenia, divididos em dois grupos: os de primeira geração e os de segunda geração ou antagonistas de serotonina e dopamina (ASDs).

Associados a psicoterapias, bom vínculo com o paciente, respeitando sua diversidade, sua individualidade, promovem melhora dos sintomas, considerando os aspectos multidisciplinares e multifatoriais do transtorno. As abordagens terapêuticas isoladas têm pouco valor.

As fases do tratamento na esquizofrenia dividem-se em: Tratamento da psicose aguda e Fase estável ou de manutenção. Cerca de 60% dos pacientes com esquizofrenia tratados durante 4 a 6 semanas respondem bem ao tratamento e 40% apresentam resistência ao medicamento. Alucinações e delírios são sintomas persistentes que podem não ser suprimidos facilmente.

Um dos maiores problemas frente ao tratamento da esquizofrenia é a falta de adesão por parte do paciente, que pode afetar os níveis plasmáticos necessários ao efeito terapêutico destes, seja para mais ou para menos. Cerca de 40 a 50% dos pacientes abandonam a medicação em 1 ano ou 2. A adesão pode ser aumentada com o uso de medicamentos de ação prolongada, fazendo manutenção para regular os níveis plasmáticos máximos que ainda não são alcançados.

A suplementação de medicamentos antipsicóticos com eletroconvulsoterapia potencializa o efeito terapêutico de ambos os métodos. O treinamento de habilidades sociais/comportamentais visa reparar os efeitos na personalidade do paciente frente ao contato com o outro, visto que muitas vezes apresentam pouco contato visual, retardo incomum das reações, expressões faciais estranhas, falta de espontaneidade em situações sociais e percepção incorreta ou falta de percepção das emoções das outras pessoas; também é demonstrado que há diminuição da necessidade de hospitalização do paciente frente a este tratamento, que pode incluir: a) uso de vídeos de outras pessoas e do paciente; b) terapia psicodramática e outras dramatizações; c) atividades para serem treinadas em casa, a partir das habilidades específicas que estão sendo trabalhadas na terapia. A estimulação magnética transcraniana também tem sido estudada, tendo em vista que pode agir nos córtex temporal (diminuindo assim as alucinações auditivas experimentadas pelos pacientes) e no córtex pré-frontal (diminuindo os sintomas depressivos), mas ainda necessita de mais estudos, embora seja uma forma de tratamento promissora dada a sua eficiência. Psicoterapia individual, terapias de grupo, terapia cognitivo-comportamental, arteterapia, treinamento cognitivo e terapia vocacional ajudam o paciente a lidar com os aspectos subjetivos da esquizofrenia, como seu enfrentamento perante a doença, o modo de ver e enxergar o outro, o elenco de comportamentos sociais que façam o indivíduo integrar-se saudavelmente ao seu contexto sociocultural e trazer a possibilidade de uma reinserção social mais rápida.

Não é incomum aos pacientes de esquizofrenia possuírem outros transtornos associados à patologia. Dentre os transtornos associados, os mais comuns são: Transtorno causado por abuso de substâncias; Transtorno de personalidade borderline; Transtorno de caráter depressivo; Transtornos esquizoafetivos; Transtornos bipolares; e Outros transtornos associados. É importante que o paciente seja abraçado pela equipe terapêutica, a fim de lhe oferecer conforto e ambiente possível para a reestruturação de seus sintomas. Não é incomum pacientes estáveis apresentarem recaídas, especialmente se o transtorno ao qual estão sendo tratados é comórbido ou está relacionado a drogas de abuso ou comportamentos sociais autodestrutivos.

Conclusão

Esquizofrenia é uma doença complexa e de evolução bastante variável. A qualidade de vida e a integração do paciente dependerão do tratamento medicamentoso, psicoterápico e do apoio social e familiar que ele receber.

A esquizofrenia tem origem multifatorial, resultando da interação complexa entre a composição genética e as experiências de vida. Mecanismos epigenéticos explicam como genes dormentes podem ser ativados por meio de experiências traumatizantes, estresse, neuroinflamação ou outros gatilhos existenciais.

Pacientes psiquiátricos em geral demandam maior humanização do profissional que os trata. As novas antigas terapias, como a estimulação magnética transcraniana e a eletroconvulsoterapia, precisam ser melhor estudadas a fim de diminuir os efeitos colaterais para o paciente. Hipóteses de tratamento como a psicocirurgia e a terapia insulínica, abandonadas hoje em dia, podem nos ensinar muito sobre a invasividade dos tratamentos. De qualquer modo, os avanços na medicina atual devem vir sempre com a perspectiva humanizada, para que erros do passado, como os manicômios, não venham a diminuir a credibilidade desta ciência fantástica que é a Medicina, sobretudo a Psiquiatria.

REFERÊNCIAS

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CAMPOS, M. O grupo das esquizofrenias ou demência precoce: relatório apresentado ao III Congresso Brasileiro de Neurologia, Psiquiátrica e Medicina Legal. Rio de Janeiro. Julho de 1929. Hist. cienc. saude-Manguinhos,  Rio de Janeiro ,  v. 17, supl. 2, p. 709-732, Dec. 2010.  

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AMARAL, V. F. do. Esquizofrenia: da dementia praecox às considerações contemporâneas. Vínculo, São Paulo, v. 11, n. 2, p. 19-30, dez.  2014 .  

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2 thoughts on “APONTAMENTOS SOBRE A ESQUIZOFRENIA, por Daniel Salmi Valadão Borges

  • 29/01/2022 em 17:01
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    Faz 23 anos que comecei a passar em psicólogos, no começo aos 6 anos era visto apenas como uma normalidade de criança, aos 16 já havia muitos traumas e estava tão sobrecarregado por curso, trabalho e escola a semana inteira e com a morte traumática do meu pai foi a primeira vez que passei por um psiquiatra e psicologia em grupos, tive uma certa melhora, mas depois aos 19 voltei a ter sintomas e não percebi e aos 24/25 anos voltei ao tratamento, agora aos 29/30 anos passei em uma neuropsicóloga que levou a hipótese de eu ter esquizofrenia desorganizada com depressão grave, ela diz que apresento alguns traços de borderline, mas os psiquiatras toda vez que mostro o relatório não se interessam ou me dão os mesmos medicamentos mesmo eu tendo diretamente ligação com parentes esquizofrênicos, meu avô era já que já é falecido (pai da minha mãe), meu tio (irmão da minha mãe) e meu pai tbm era, mas eu sou ou bipolar ou depressivo na vista deles, algumas vezes me dão antipsicóticos mas, é mais por dar mesmo, não me vêem como paciente e que eu sou totalmente reversível mas, sem me tratar de forma a reverter meus problemas, as vezes acho que dei um certo azar com os profissionais que me encontrei na fase adulta.

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