TODA DOR É UMA PERCEPÇÃO CEREBRAL E TODA DOR CRÔNICA ENVOLVE A NEUROPSIQUIATRIA

Por Elisabete Castelon Konkiewitz

A princípio, a dor é ruim, mas é boa. Sem ela, nós não conseguiríamos sobreviver. A dor é um sinal de alerta fundamental que nos mostra que algo está errado, ou seja, que alguma parte do nosso corpo está sendo ferida. Assim, tiramos o dedo da chapa quente, antes de fritá-lo, não estiramos os músculos durante exercícios além do limite de ruptura, não transferimos nosso peso sobre uma perna fraturada, etc. Por isso, uma doença rara associada à insensibilidade à dor (analgesia congênita) leva à morte precoce por volta dos 20 anos.

Por outro lado, nem sempre a dor se associa à lesão real. Ela também pode resultar de um desarranjo químico do sistema nervoso, criando uma percepção negativa que nos faz sofrer. Este é o caso da dor do membro fantasma, da neuralgia pós-herpética, da polineuropatia diabética, da síndrome dolorosa complexa regional, dentre outras.

Na realidade, toda dor crônica, ou seja, toda dor que perdura por mais de três meses seguidos, é acompanhada de mudanças do sistema nervoso central e por isso merece tratamento neuropsiquiátrico. Toda dor crônica induz à neuroinflamação, neuroplasticidade e neurodegeneração, mecanismos que perpetuam e até mesmo aumentam o sinal doloroso. Assim, conforme a informação de dor vai sendo retransmitida de um neurônio para o outro, sua intensidade vai aumentando, de forma que a dor vivenciada não depende apenas da gravidade da lesão de fato ocorrida, mas de um processamento complexo que a modificou. Por isso, a dor de cada pessoa é única.  Ademais, a dor é percebida no cérebro em grande parte pelas mesmas áreas que processam as emoções, ou seja, as mesmas áreas que nos fazem sentir tristeza, medo e sensação de ameaça. Ela está intimamente ligada à depressão, sendo causa e consequência da mesma. Assim, a fibromialgia, as artroses, as artrites, as dores do nervo ciático, a enxaqueca, a cefaleia do tipo tensional, dentre vários outros exemplos, em geral, melhoram com o uso de medicamentos antidepressivos, ou com medidas que atuam sobre o estado emocional e a resposta ao estresse, como técnicas de relaxamento e técnicas de respiração.

O estresse agudo faz com que o cérebro libere substâncias analgésicas_ os opióides endógenos_ que agem de forma semelhante à morfina. Isso explica casos em que uma pessoa, logo após um acidente, foi capaz de correr, salvar o filho e apenas depois recebeu o diagnóstico de múltiplas fraturas. Ao contrário, o estresse crônico piora a experiência de dor. A atenção que a pessoa dirige para a dor, a ansiedade associada ao receio de vivenciá-la de novo, a insônia, a limitação dos movimentos podem ter consequências terríveis sobre a vida social, profissional e familiar do paciente. Mesmo uma dor moderada pode ser incapacitante. Viver com dor é triste e isso é muito sério. 

A medicina de hoje tem muitos recursos para resolver diversos problemas, mas infelizmente, o paciente com dor crônica fica muitas vezes sem a valorização e os cuidados adequados. O estudo aprofundado da fisiopatologia da dor, que envolve necessariamente o estudo das vias neurais e o entendimento de que a dor é uma experiência pessoal e subjetiva, formada no cérebro daquele que a sente, poderia ser mais valorizado na formação médica. Entretanto, o paciente não deve desistir. Há, de fato, possibilidades de tratamento multidisciplinar. A pessoa com dor crônica precisa ter seu sofrimento compreendido em diferentes dimensões, nos aspectos ortopédicos, cirúrgicos, reumatológicos, neurológicos, psiquiátricos, dentre outros. Por isso, o conselho é não se automedicar, pois o uso contínuo e não controlado de analgésicos e anti-inflamatórios, além de ser potencialmente perigoso para o fígado, o estômago e os rins, pode, a longo prazo, por mecanismos neurológicos, piorar a dor. Leve sua dor a sério, procure a causa dela, procure quem te ouça e te ajude a buscar uma solução. E não se esqueça de que a sua mente está no centro de tudo isso.

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