APONTAMENTOS SOBRE O TRANSTORNO DE PERSONALIDADE BORDERLINE – por Daniel Salmi Valadão Borges


  1. Introdução

Os padrões de comportamento e experiência interna são as placas tectônicas que sustentam o oceano dos transtornos de personalidade. Estáveis, de longa duração, inflexíveis e persistentes, seus choques e abalos sísmicos geram ondas que varrem as praias da cognição, da afetividade, do funcionamento interpessoal e do controle de impulsos. Uma ampla faixa de eventos ao longo da vida é comprometida. O sofrimento clínico e o prejuízo funcional desencadeiam o estigma, a exclusão social e atos críticos, como o suicídio ou a automutilação.

Tradicionalmente, a psiquiatria adota uma abordagem categórica dos transtornos mentais, entendendo-os como síndromes clínicas qualitativamente distintas separadas da normalidade. Ao contrário, a perspectiva dimensional admite que os mais diversos aspectos do comportamento, da cognição e das emoções humanas aparecem em um continuum na população geral, de modo a existir uma gradação e não uma separação clara entre o normal e o patológico. Tanto a abordagem categórica quanto a dimensional estão sendo investigadas quanto à sua base teórica e utilidade clínica.

Ewald Hecker, em 1871, descreve uma forma de loucura típica da adolescência caracterizada por afeto “bobo, “pueril”, alterações comportamentais graves e desagregação progressiva do pensamento. Para Kahblaum, “vesânia ou loucura juvenil propriamente dita” era um quadro menor e menos grave onde estavam predominantes alterações do comportamento ético e social. Posteriormente, em 1884, este quadro foi classificado por Kahblaum como um dos transtornos hebéticos e recebeu o nome de heboidofrenia: uma alienação frustra e curiosa, juvenil. Desenvolvendo-se dentro das relações sociais e da personalidade, faria surgir alterações e distúrbios do instinto, da compreensão das regras morais e hábitos culturais, predispondo à delinquência.

Um outro quadro possível dos transtornos hebéticos, a hebefrenia era a loucura propriamente dita. Foi diferenciada da heboidofrenia pela evidência de sintomas alienantes e por ser mais desastrosa, evoluindo com a perda das capacidades cognitivas básicas e estado terminal confusional. (3)

O transtorno heboidofrênico seria caracterizado, superficialmente, como uma expressividade inadequada associada a flutuações de humor e comportamento. De forma mais complexa e profunda, observa-se oscilações de humor do tipo melancólicas/expansivas, com dificuldade em lidar com os sentimentos de agressividade. A percepção da realidade está comprometida, muito embora ideias delirantes verdadeiras não sejam identificadas.  Pensamento e raciocínio mantém-se intactos. (3)

  • Classificação, características e epidemiologia do Transtorno de Personalidade Borderline
  • Características gerais dos transtornos de personalidade

Garota, interrompida (Girl, Interrupted, EUA, 1999) dirigido por James Mangold, com Winona Ryder, Angelina Jolie, Elisabeth Moss, Clea DuVall, Brittany Murphy, Whoopi Goldberg, JeffreyTambor, Vanessa Redgrave.

Segundo o DSM-V, os traços de personalidade são padrões persistentes de percepção, de relacionamento e de pensamento em relação ao ambiente e a si mesmo, exibidos em uma ampla gama contextos sociais e pessoais, sendo considerados transtornos apenas quando inflexíveis e associados a prejuízo funcional ou sofrimento subjetivo. Seu diagnóstico exige avaliação a longo prazo dos padrões de comportamento apresentados pelo indivíduo. Além disso, é preciso que as características particulares à personalidade já estejam evidentes no começo da fase adulta. Os traços de personalidade devem ser diferenciados das características que surgem em resposta a estressores situacionais específicos ou durante estados mentais transitórios, como em fases determinadas no transtorno bipolar, ou no transtorno depressivo, de ansiedade, ou durante intoxicação por substância etc.

Nos transtornos de personalidade, muitos dos comportamentos e percepções são egossintônicos, ou seja, são vivenciados pela pessoa como estando em harmonia com a imagem que ela tem de si mesma e não geram sofrimento. Assim, é importante avaliar não apenas a experiência do paciente, mas também daqueles no seu entorno. 

  • Classificação dos transtornos de personalidade

Diante de um caso de transtorno de personalidade, é possível classificar a síndrome clínica em três subtipos: Grupo A, Grupo B e Grupo C. São eles:

  1. Esquizotípico, esquizoide e paranoide, que apresentam características de estranhamento e afastamento;
  2. Narcisista, borderline, antissocial e histriônico, que apresentam características dramáticas, impulsivas ou erráticas; e
  3. Obsessivo-compulsivo, dependente e evitativo, que apresentam características de ansiedade e medo.

Transtornos de personalidade do grupo A podem ser identificados na presença de parentes com esquizofrenia. A herança genética na personalidade esquizotípica, comparada com a esquizoide e a paranoide, é maior. Movimentos oculares irregulares, sacádicos, tendência à introversão, retraimento, fantasia e baixa autoestima são achados comuns na personalidade esquizoide. Indivíduos que utilizam a projeção como mecanismo de defesa principal sugerem um transtorno de personalidade paranoide.

Transtornos de personalidade do grupo B apresentam base genética nos transtornos de humor. Pacientes antissociais costumam mentir, infringir leis e deixar de se preocupar com as pessoas à sua volta. São imprudentes, seja com a própria segurança ou dos outros, e podem sofrer de transtornos por uso de álcool. Sintomas depressivos, passivo-agressivos, identificativo-projetivos e comorbidade com transtornos de humor podem ser encontrados em pacientes borderline. A síndrome de Briquet e outros transtornos somáticos, assim como a dissociação, a dramaticidade e a superficialidade emocional podem ser evidenciados em pacientes com transtorno de personalidade histriônica.

Estuda-se a relação entre impulsividade, tentativas de suicídio e agressividade e os níveis baixos de ácido 5-hidroxi-indilacético (5-HIAA), um metabólito da serotonina. O aumento de 5-HIAA diminui sintomas depressivos, impulsivos e de ruminação, além de gerar uma sensação de bem-estar. Mudanças no EEG relacionadas com o aumento da atividade de ondas lentas sugerem um transtorno de personalidade borderline.

Os Transtornos de personalidade do grupo C também pode ter bases genéticas. Evitativos podem apresentar níveis elevados de ansiedade. Depressão explicitada pelo período de latência reduzido do movimento rápido dos olhos (REM), isolamento e resultados anormais nos testes de supressão com dexametasona são achados comuns em pacientes obsessivo-compulsivos. Pacientes que adquirem traços de personalidade de caráter oral, decorrentes de uma fixação no estágio oral, desdobram-se como passivos e dependentes.

  • Transtorno de personalidade borderline

Pertencente ao grupo B, é caracterizado pela instabilidade nas relações interpessoais, na autoimagem e nos afetos. Personalidade, caráter e conduta comportam-se segundo os resultados da experiência interna gerada por hábitos e adaptações do eu (Ego) ao mundo. O objetivo psíquico é manter um estado de equilíbrio entre os impulsos internos (Id), as exigências morais (Superego) e a realidade. dificuldade de lidar com situações onde não se pode ter controle dos eventos aos quais é exposto.

  • Epidemiologia do transtorno de personalidade borderline

Estima-se acometimento de 6% da população mundial. Pacientes do sexo feminino são mais acometidas (75% dos casos). A prevalência do transtorno em serviços de atenção primária é de 6%. Os valores são de 10% e 20% em contextos de pacientes ambulatoriais de saúde mental e psiquiátricos, respectivamente. O diagnóstico é cinco vezes mais comum em parentes biológicos de primeiro grau de indivíduos com o mesmo transtorno, com aumento do risco para histórico familiar de transtornos por uso de substância, transtorno da personalidade antissocial e transtorno depressivo ou bipolar.

É comum o diagnóstico do transtorno diminuir de acordo com a idade, visto que os traços ficam menos evidentes ou desaparecem conforme o envelhecimento e, dos 30 aos 50 anos, a estabilidade nos relacionamentos e no funcionamento profissional é alcançada.

No Brasil, aproximadamente 10% dos pacientes diagnosticados cometem suicídio.

  • Etiologia
  • Fatores genéticos

O transtorno de personalidade borderline pode ter relação com antecedentes familiares de depressão e transtornos de humor, e eles próprios podem apresentar algum transtorno desse tipo associado ao seu quadro clínico.

  • Fatores biológicos

Testes de supressão com dexametasona (TSD) demonstraram resultados anormais em pacientes que possuem associação entre transtorno de personalidade borderline e depressão. Disfunção da ativação da excitação em sistemas dopaminérgicos e serotonérgicos, atividade de onda lenta em EEGs e níveis baixos de 5-HIAA são achados possíveis.

  • Fatores psicodinâmicos

Os traços de personalidade, de acordo com a teoria psicanalítica, possuem ligação com os estágios psicossexuais de desenvolvimento. Por meio das relações objetais internas, como a introjeção e a identificação, o indivíduo internaliza uma pessoa significativa, que pode ser um dos pais ou outros indivíduos, como um objeto em vez de um self e incorpora os pais e/ou outros indivíduos como objetos externos, “possuindo” seus traços. O desenvolvimento de uma espécie de couraça do caráter, revestida por estilos de defesa característicos de proteção contra impulsos internos e de catalisar a ansiedade interpessoal em relacionamentos significativos, pode ser consequência de uma ideação adesiva.

O paciente mimetiza o ambiente até o ponto em que começa a desintegrar-se; seu Ego é feito de núcleos neuróticos, com espaços abertos onde as pulsões do Id atuam.

Visto que as defesas mentais relacionadas aos transtornos de personalidade podem abolir os sentimentos ansiosos e depressivos causados ao nível do inconsciente, estes pacientes normalmente são relutantes em alterar seu comportamento, e, frequentemente, há um mecanismo dominante que se sobressai diante de outras defesas. No caso do mecanismo de defesa mais singular do transtorno de personalidade borderline, a identificação projetiva é dividida em três passos:

  1. Projeção de um aspecto do self sobre outra pessoa;
  2. Tentativa de convencer essa pessoa do aspecto que foi projetado; e
  3. Criação de um sentimento de unidade ou união entre a pessoa alvo da projeção e da pessoa que o realizou.
  • Diagnóstico do transtorno de personalidade borderline

Para que um indivíduo preencha os critérios de transtornos de personalidade, é preciso que estas características tenham surgido antes do começo da vida adulta, sejam típicas do funcionamento de longo prazo do indivíduo e não ocorram exclusivamente durante um episódio de outro transtorno mental,

O diagnóstico do transtorno de personalidade geral é feito a partir dos critérios do DSM-V. São eles:

  1. Um padrão persistente de experiência interna e comportamento que se desvia acentuadamente das expectativas da cultura do indivíduo. Esse padrão manifesta-se em duas (ou mais) das seguintes áreas:
  1. Cognição (formas de perceber e interpretar a si mesmo, outras pessoas e eventos);
    1. Afetividade (variação, intensidade, labilidade e adequação da resposta emocional);
    1. Funcionamento interpessoal; e
    1. Controle de impulsos.
  • O padrão persistente é inflexível e abrange uma faixa ampla de situações pessoais e sociais.
    • O padrão persistente provoca sofrimento clinicamente significativo e prejuízo no funcionamento social, profissional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo.
    • O padrão é estável e de longa duração, e seu surgimento ocorre pelo menos a partir da adolescência ou do início da fase adulta.

Os seguintes critérios definem o transtorno de personalidade borderline: um padrão difuso de instabilidade das relações interpessoais, da autoimagem e dos afetos e de impulsividade acentuada que surge no início da vida adulta e está presente em vários contextos, conforme indicado por cinco (ou mais) dos seguintes itens. São estes:

  1. Esforços desesperados para evitar abandono real ou imaginado. (Nota: Não incluir comportamento suicida ou de automutilação coberto pelo Critério 5.)
  • O paciente borderline tem extrema dificuldade em lidar com a ideia de abandono e toma medidas drásticas para evita-lo, como, por exemplo, fazendo uso de chantagem emocional e manipulação.
  • Um padrão de relacionamentos interpessoais instáveis e intensos caracterizado pela alternância entre extremos de idealização e desvalorização
  • A explicação para esta cascata de situações deve-se à desilusão causada pela quebra da falsa sensação de controle sobre o desfecho de eventos que explode em ciclos de idealização e desvalorização de pessoas ou grupos, podendo haver o deslocamento de fidelidade para outros grupos ou pessoas.
  • Perturbação da identidade: instabilidade acentuada e persistente da autoimagem ou da percepção de si mesmo
  • A crise existencial causada pela dificuldade de manter um bom desempenho nas relações sociais, no trabalho e nos estudos pode levar a sentimentos de inferioridade, assim como pode haver conflito entre os mecanismos de defesa psicológicos utilizados e a realidade, aumentando os sintomas ansiosos e depressivos do paciente.
  • Impulsividade em pelo menos duas áreas potencialmente autodestrutivas (p. ex., gastos, sexo, abuso de substância, direção irresponsável, compulsão alimentar). (Nota: Não incluir comportamento suicida ou de automutilação coberto pelo Critério 5.)
  • Gastar dinheiro de forma irresponsável, comer compulsivamente, abusar de substâncias, sexo deprotegido, atividades ilícitas, exposição desnecessária a riscos facilmente evitáveis e outras situações imprudentes são comportamentos comuns do paciente borderline.
  • Recorrência de comportamento, gestos ou ameaças suicidas ou de comportamento automutilante
  • Considera-se que 8 a 10% dos pacientes de fato se suicidam; muitos apresentam ideação suicida, realizam ameaças, atos de automutilação e atentados contra a própria vida.
  • Instabilidade afetiva devida a uma acentuada reatividade de humor (p. ex., disforia episódica, irritabilidade ou ansiedade intensa com duração geralmente de poucas horas e apenas raramente de mais de alguns dias)
  • O humor disfórico basal é alternado por momentos de raiva, pânico ou desespero, sendo aliviado por breves períodos de bem-estar ou satisfação.
  • Sentimentos crônicos de vazio
  • A sensação de não-existência, com mudanças súbitas e inconstantes de papel social, metas, valores e aspirações vocacionais devem-se ao fato de que estes indivíduos buscam constantemente algo para fazer porque ficam facilmente entediados.
  • Raiva intensa e inapropriada ou dificuldade em controlá-la (p. ex., mostras frequentes de irritação, raiva constante, brigas físicas recorrentes)
  • Extrema reatividade a estresses interpessoais faz florescer a raiva, desencadeada a partir da suposta negligência, contenção, despreocupação ou abandono de um cuidador ou companheiro, seguida de um sentimento de culpa e vergonha e da impressão de ser uma pessoa má ou maligna, o que dificulta a convivência e causa conflitos no trabalho, nos estudos ou na vida pessoal.
  • Ideação paranoide transitória associada a estresse ou sintomas dissociativos intensos
  • Os pequenos episódios de ideação paranoide não podem ser classificados como um diagnóstico adicional, pois são passageiros, durando de minutos a horas; quando o cuidador demonstrar retorno ao afeto que o indivíduo com transtorno de personalidade borderline lhe direciona, estes sintomas paranoides desaparecerão.

Indivíduos com esse transtorno estão no limiar entre a neurose e a psicose e seu comportamento é extremamente imprevisível. Suas realizações raramente estão no mesmo nível de suas capacidades. O roteiro de suas crises inclui mudanças de humor expressas, por exemplo, na tendência a participar de discussões acaloradas, seguidas de depressividade ou, mais tarde, de um estado onde queixam não ter sentimentos. Há episódios de curta duração onde o paciente apresenta sintomas psicóticos limitados, fugazes ou questionáveis (episódios micropsicóticos). Agressividade, autodestruição, automutilação ou tendências suicidas são reflexos comuns da natureza dolorosa da vida do paciente borderline.

Sua instabilidade afetiva e acentuada reatividade do humor predispõem a situações de risco. Estes comportamentos são formas de obter ajuda dos outros, expressar sentimentos agressivos ou anestesiar-se para evitar que seus afetos lhe consumam. A intolerância à solidão leva à busca frenética de uma companhia, mesmo que seja insatisfatória. Aceitam estranhos como amigos, apresentam comportamentos promíscuos e, quando pressionados, reclamam de como se sentem deprimidos, mesmo com o turbilhão de afetos que não são necessariamente depressivos agindo em sua psique.

Visto que no transtorno de personalidade borderline é frequente a presença de identificação projetiva, ou seja, aspectos do self que são intoleráveis ao indivíduo são projetados no outro, que é induzido a assumir o papel projetado, é difícil relacionar-se com o paciente. Por sentirem-se tanto dependentes quanto hostis, pacientes com este transtorno desenvolvem relacionamentos interpessoais tumultuosos. Eles têm dificuldade em lidar com seus sentimentos crônicos de vazio, raiva intensa difícil de ser controlada e a ideação paranoide transitória associada a estresse ou sintomas dissociativos intensos.

Relações interpessoais são marcadas por um ciclo de idealização e desvalorização, ou, melhor dizendo, pela tendência a classificar as pessoas como totalmente boas ou totalmente más. O indivíduo borderline enxerga que as pessoas são ora figuras de ligação afetuosas, ora figuras sádicas odiosas que os privam de suas necessidades de segurança e que ameaçam abandoná-las sempre que se sentirem dependentes. Pode haver, inclusive, deslocamento de fidelidade de uma pessoa ou grupo para outros. Os conceitos de panfobia, pan-ansiedade, pan-ambivalência e sexualidade caótica são uma boa maneira de definir as características do borderline.

  • Diagnóstico diferencial

O principal diagnóstico diferencial do transtorno de personalidade borderline é o transtorno de personalidade esquizoide e, em segundo e terceiro lugar, o transtorno de personalidade esquizotípica e a esquizofrenia. As relações interpessoais intensas diferenciam claramente os borderline dos indivíduos com personalidades esquizoides. Sintomas psicóticos breves são o diferencial de ambas a personalidade esquizotípica e a esquizofrenia. (5)

Existe grande relação entre borderline e bipolaridade. A depressão e mania presentes em ambos os quadros evidenciam a necessidade de saber diferenciar estas síndromes clínicas.

A investigação do diagnóstico diferencial consiste no raciocínio para:

  • Outros transtornos de personalidade;
  • Transtornos de humor;
  • Mudança de personalidade devido a outra condição médica;
  • Transtorno por uso de substância; e
  • Problemas de identidade.

Pode haver associação com:

  • Padrão de sabotagem pessoal no momento de atingir uma meta;
  • Regressão grave após constatação de bons rumos da terapia;
  • Destruição de um relacionamento bom exatamente quando está claro que ele pode durar;
  • Surtos psicóticos breves, de curta duração, em momentos de estresse;
  • Sentimento de proteção próximo a objetos transicionais mais do que a relacionamentos interpessoais;
  • Morte prematura por suicídio, especialmente quando há associação com uso de substâncias;
  • Deficiências físicas por comportamentos automutilantes; perdas de emprego recorrentes, interrupção da educação e separação ou divórcio;
  • Histórico, na infância, de abuso físico e/ou sexual, negligência, conflito hostil e perda parental prematura; e
  • Associação a outros transtornos de personalidade, TDAH, transtornos alimentares, transtornos de uso de substâncias e transtorno depressivo ou bipolar.
  • Tratamento do transtorno de personalidade borderline

A psicoterapia é o método de escolha para tratar o transtorno de personalidade borderline. Por promover o ensino de habilidades sociais e de estratégias para o controle de impulsos, além de permitir que se trabalhe com as dificuldades de lidar com os próprios sentimentos e comportamentos desviados são a base dos tratamentos psicoterápicos neste transtorno. Para que haja boa eficácia e adesão ao tratamento, é primordial que se estabeleça uma boa relação profissional-paciente.

A farmacoterapia e a terapia hospitalar podem ser utilizadas como ferramentas auxiliares para o processo psicoterapêutico, visto que é comum que o paciente apresente: a) regressões; b) atos impulsivos e transferências positivas ou negativas lábeis ou fixas, as quais são difíceis de analisar, c) identificação projetiva, causando problemas de contratransferência quanto o terapeuta não percebe que o paciente o coage a desempenhar um comportamento específico; d) cisão, que faz o paciente amar e odiar as pessoas à sua volta alternadamente.

  • Psicoterapêutico: psicoterapia comportamental dialética e outras

A terapia comportamental dialética foi desenvolvida especialmente para os pacientes com este transtorno que apresentam comportamento parassuicida, com cortes frequentes.

Diversos fatores influenciam na relação terapêutica: empatia, proteção, cuidado, flexibilidade, versatilidade, congruência e compromisso. O termo dialética vem da ideia de equilíbrio e busca promover a validação através de estratégias de aceitação e promover a mudança por meio de estratégias de resolução de problemas, caminhando juntas no processo psicoterápico. Alguns terapeutas priorizam somente as estratégias de mudança em detrimento das estratégias de validação, recapitulando os aspectos do ambiente invalidante, levando pacientes embotados a interpretar as estratégias para a mudança como uma invalidação, entendendo que o terapeuta está ignorando o seu real sofrimento.

Sensibilidade e empatia com os sentimentos e sofrimentos do paciente borderline, que podem ter sido negligenciados na infância, promovem uma melhor relação médico-paciente. Como a adesão ao tratamento e sua permanência é um dos principais problemas frente a estes casos, é de bom valor cuidar e proteger o indivíduo fazendo uso de ligações telefônicas para o manejo das crises. As ligações auxiliam o paciente a enfrentar suas dificuldades reforçando o uso de habilidades discutidas nas sessões. As ligações também promovem diminuição dos sentimentos de desesperança e depressão.

Pensamento dicotômico, rigidez cognitiva, desconfiança, ideias de referência e supervalorização da percepção de serem “maus” podem explicar a necessidade de despender mais tempo e energia para a resolução de conflitos que poderiam ser lidados com naturalidade e tranquilidade. É preciso flexibilidade e versatilidade por parte do terapeuta para lidar com os impasses na sessão, além de tomar cuidado com a predisposição à abordagem passiva e impotente das dificuldades. O paciente, ao invés de procurar estudar e aprender as estratégias e habilidades ensinadas para resolver seus problemas por si mesmo, tenta mobilizar o terapeuta a resolvê-los por ele. Isto pode ser resolvido mostrando como é importante lidar com os próprios déficits e utilizar-se das estratégias desenvolvidas na terapia. (1)

O paciente pode demonstrar sinais de medo, necessidade excessiva de proximidade e carinho intenso. Em contraponto, afetos negativos, principalmente diante de rejeição, indiferença, negligência ou omissão, podem gerar interrupção precoce do tratamento ou condutas agressivas. É demanda para o terapeuta afinar a atenção e procurar auxílio clínico, seja em grupos ou individualmente, sempre que for exposto a essas reações emocionais. O terapeuta necessita ser flexível consigo mesmo, pois as dificuldades de relacionamento com o paciente são benéficas ao tratamento se estiverem encaminhadas. É possível germinar, por exemplo, a abertura de janelas para outros relacionamentos. O profundo conhecimento da estrutura mental e comportamental do paciente aprimoram e especializam as estratégias de mudança ensinadas.

Quando ambos terapeuta e paciente tomam uma postura de comprometimento com o processo terapêutico, a estimulação ao uso de habilidades de resolução de problemas e a eliminação de comportamentos de risco suicidas ou parassuicidas, o abuso de substâncias, distúrbios alimentares, entre outros, passa a ser a prioridade. Estes atos impulsivos atrapalham a terapia e interferem na qualidade de vida. Os cuidados podem contribuir com uma melhora clínica significativa e aumento funcional global.

O paciente, pelo comportamento dicotômico, incongruência entre expressão verbal e não verbal, afeto intenso muitas vezes embotado, não comunicado, que desencadeia padrões de comportamento e percepções internas disfuncionais, desperta reações advindas de sua configuração sintomatológica em outras pessoas. A enxurrada de alterações comportamentais e cognitivas provenientes da cascata comportamental do borderline pode afogar e levar pessoas próximas à exaustão. Por ser alvo direto da correnteza desses rios de intensidade afetiva, o terapeuta pode se sentir extremamente pressionado. Daí a necessidade de procurar auxílio clínico, reforçando suas defesas para lidar melhor com as peculiaridades de seu cliente.

Ao sedimentar as habilidades e estratégias de resolução e controle de comportamento, é possível trabalhar a disforia e as percepções internas das experiências emocionais. A terapia comportamental pode controlar os impulsos e as explosões de raiva do paciente e reduzir sua sensibilidade a críticas e rejeição, além de treinar suas habilidades sociais e comportamento interpessoal. A terapia baseada na mentalização pode ajudar o paciente a aumentar suas capacidades de mentalização e controle de pensamentos, emoções e comportamentos impulsivos. Uma abordagem terapêutica com psicoterapia focada na transferência, uma modificação da terapia psicodinâmica, pode ser utilizada quando existe cisão associada ao transtorno, visto que ela reduz a necessidade desse mecanismo de defesa. (1,4)

  • Terapia farmacológica e hospitalar

O tratamento farmacológico inclui antidepressivos inibidores da Mao (fluoxetina), benzodiazepínicos (especialmente aprazolam), estabilizadores de humor (valproato de sódio) anticonvulsivantes (carbamazepina) e inibidores da receptação de serotonina (sertralina). O comportamento global, sintomas depressivos e ansiosos e diminuição do risco de suicídio são os alvos principais. Neurolépticos controlam os sintomas cognitivo-perceptuais e antidepressivos e estabilizadores de humor regulam as alterações bruscas de humor, ansiedade e raiva .

Quando os pacientes apresentam melhora dos comportamentos a partir da intervenção psicossocial é possível a descontinuação da medicação. É possível receber o paciente em instalações hospitalares, sobretudo em casos de automutilação, comportamento suicida e ambiente familiar impróprio para o tratamento, podendo ser, posteriormente, encaminhados a outras instalações de tratamento, como casas de reabilitação .

  • Conclusões

O transtorno de personalidade borderline é uma síndrome clínica de causas multifatoriais, com quadro clínico e características clínicas baseadas em um comportamento de idealização e desvalorização de outras pessoas e da realidade ao seu redor, gerando comportamentos impulsivos, acessos de raiva, agressividade, automutilação e ideação suicida. É necessário tato para conduzir casos onde os mecanismos de defesa psicológicos mascaram sintomas ansiosos e depressivos para reduzir as retaliações diante da necessidade de enfrentar a doença e buscar acompanhamento psicoterapêutico e, se necessário, farmacológico e hospitalar. É importante que o paciente borderline tenha o apoio familiar e vivencial necessário. A compreensão dos sintomas que estes pacientes apresentam pode funcionar muito melhor do que simplesmente lhes explicar sobre a doença e não demonstrar empatia pelos seus fenômenos psíquicos associados.

É necessário maior esclarecimento sobre o transtorno na classe médica e, principalmente, entre a população. O estigma psicológico pode afetar as famílias por conta dos sentimentos de vergonha, culpa, responsabilização e vitimização do paciente, gerando rupturas e situações dramáticas . Muitas vezes, o paciente borderline é taxado de egoísta, irresponsável, desequilibrado e problemático, o que não ajuda e, pior ainda, agrava a sua instabilidade. Esticados numa corda entre a neurose e a psicose, aproximam-se cada vez mais da loucura, desamparados por si mesmos, pelo mundo, privados do direito de receber um tratamento multidisciplinar psicossocial intervencionista .

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

1. KAPLAN & SADOCK. Compêndio de Psiquiatria. 11ª ed. Editora Artmed. 2014.

2. DALGALARRONDO, P.; VILELA, W. A. Transtorno Borderline: História e Atualidade. Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, vol. II, cap.2, p. 52-71.

3. CARNEIRO, Ligia L. F. Borderline – no limite entre a loucura e a razão. Ciências & Cognição, 2004; Vol 03: 66-68.

4. AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. DSM-5. Artmed 2013.

5. DE LA ROSA et al. Determining if Borderline Personality Disorder and Bipolar Disorder Are Alternative Expressions of the Same Disorder: Results From the National Epidemiologic Survy on Alcohol and Related Conditions. J Clin Psychiatry, 2017 Sep/oct; 78(8): e994-e999. Doi: 10.4088/JCP. 16m11190.­

6. IBRAHIM J.; COSGRAVE, N.; WOOLGAR M. Childhood maltreatment and its link to borderline personality disorder features in children: A systematic review approach. Clin Child Psychol Psychiatry. 2018 Jan; 23(1): 57-76. Doi: 10.1177/1359104517712778. Epub 2017 Jun 15.

7. CAVALHEIRO, C. V.; MELO, W. V. Relação Terapêutica Com Pacientes Borderlines Na Terapia Comportamental Dialética. Psicologia em Revista, Belo Horizonte, v. 22, n.3, p. 579-595, dez. 2016­

5 thoughts on “APONTAMENTOS SOBRE O TRANSTORNO DE PERSONALIDADE BORDERLINE – por Daniel Salmi Valadão Borges

  • 09/04/2021 em 16:55
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    Sou borderline e hoje com 30 anos levo uma vida aparentemente “normal”, muitos nem sabem que possuo algum transtorno. Tenho um bom emprego, estou cursando minha segunda faculdade, me relaciono a nível amoroso, tenho amigos. Mas pessoas que não são borders nunca conseguiram compreender o que nós sentimos, e o quão solitário é viver assim…. Conviver com a dor diariamente até que você se acostuma tanto com ela que ela já faz parte de você. Sou o tipo de border que guardo tudo pra mim, passo um bom tempo mantendo minha rotina saudável, estudando, trabalhando, fazendo exercícios físicos, mas quando menos espero desmorono e me vejo de volta num loop sem fim de tristeza e insegurança, onde a única coisa que me acalma são os cortes….. até hoje não descobri quem eu sou de verdade. Sempre me sinto uma estranha dentro do meu próprio corpo. Posso me cortar e voltar pra vida “normal” pois sou capaz de fingir como ninguém, mas me sinto totalmente incapaz de sentir, pois meus sentimentos são a minha ruína. E quando digo que finjo, não é fingir sendo falsa, finjo pra ser alguém melhor para as pessoas, finjo para me adequar, para tornar esse tudo isso menos pior e pra quem sabe um dia juntar as peças que faltam nesse quebra cabeças que existe dentro de mim.

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    • 06/08/2022 em 4:58
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      Olá, Vandinha! Sinto muito por você e entendo como se senti, também estou borde, só quem estar, sabe o que é bordeline. Você ficará bem, o acolhimento é a cura. Acolha-se.
      Esteja ao seu lado nessa jornada, seja sua melhor amiga, você vai dar conta, você é forte. Sucesso

      Resposta
  • 14/09/2020 em 1:05
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    Eu sou borderline e garanto que nao sou nenhum monstro. Monstro foi quem abusou de mim, os que nao me amaram quando criança e os que me enganam até hoje. Idealizo um “super-heroi ” até hoje. Eles existem? Não….quando vejo que ninguém me salvará desse inferno, é obvio que vc quer se matar! Pior parte: ninguém compreender e as acusaçoes. Entendam, meu cérebro nao é como o seu…pagaria um tudo pra tirar a parte que rege as emoçoes

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