Sono, aprendizagem e memória- por Thiago Lima de Almeida-

Do dimensional psychopathology measures relate to creative achievement or divergent thinking?

INTRODUÇÃO

            O sono é uma atividade fisiológica dos seres humanos e animais, e sua função não foi totalmente elucidada. Desde os tempos de Aristóteles até os tempos modernos se acredita que este comportamento é fruto da redução da percepção sensorial com o meio externo e diminuição da atividade cerebral (KANDEL et al., 2014).

            O ser humano dorme por volta de um terço de sua vida, aproximadamente 25 anos, e o ciclo vigília-sono é importante para a reposição e manutenção energética ao longo do dia. Ademais, estudos científicos demonstram que o sono participa da cognição e consolidação da memória, além de promover ambiente favorável para a remoção de metabólitos tóxicos acumulados durante a atividade cerebral alta durante a vigília por meio do sistema glinfático (PLOG; NEDERGAARD, 2018).

            Estudos científicos sugerem que a etiopatogênese da demência por Alzheimer ocorra por falha na remoção de substâncias tóxicas – placas beta-amiloide e proteína tau – do tecido cerebral por falha no sistema glinfático durante o período do sono (PENG et al., 2016).

            A memória e o aprendizado são funções importantes para a proteção, manutenção e interação social do indivíduo. A consolidação da memória protege o ser humano de situações perigosas, como a aversão a determinada atividade experimentada por ele ou pelos pares, como levar um choque em uma tomada e, em uma segunda oportunidade, não realizar novamente esta ação. Por outro lado, a capacidade de ler um livro, dirigir um carro ou tocar um instrumento são importantes no contexto de interação social (KANDEL et al., 2014).

            Esta revisão de literatura tem por objetivo abordar os ciclos e circuitos do sono (REM e nREM) e vigília, distúrbios do ritmo circadiano e sono, tipos e circuitos do aprendizado e memória.

SONO E VIGÍLIA

            O estado de vigília é definido como o comportamento no qual os animais e seres humanos demonstram respostas aos estímulos externos e internos, e atividade motora voluntária. Nesse período se observa alta atividade cerebral demonstrada por ondas alfa e beta (baixa amplitude e alta frequência) no eletroencefalograma (HALL, 2017).

            O sono é dividido em duas formas – sono REM, do inglês rapid moviment of eyes (movimento rápido dos olhos), e sono nREM (não REM). O sono nREM é dividido em quatro fases, denominadas numericamente de 1 a 4 em uma escala na qual a fase 1 é a sonolência e a fase 4 o sono profundo. O indivíduo oscila por todas as fases durante o período de sono. Em geral, leva em torno de 30 a 60 minutos para migrar da fase 1 a 4 e, de forma intermitente, ingressa na fase REM, também chamada de fase 5, com permanência de 30 minutos e retorna para o sono profundo (fase 4). Essas oscilações podem ocorre de quatro a cinco vezes por período de sono (HALL, 2017).

            A fase 1 do sono nREM representa a fase de sonolência na transição da vigília e sono, com algumas contrações musculares e predominância de ondas alfa (8 a 13Hz), semelhantes ao estado de vigília com início de aumento da amplitude e redução da frequência (KANDEL et al., 2014).

A fase 2 é o primeiro estágio do sono verdadeiro com predominância de ondas delta (0–4 Hz) e theta (4-7 Hz) (alta amplitude e baixa frequência) com a demonstração de sincronização do tálamo e córtex cerebral. Os principais sinais do indivíduo são a redução do tônus muscular, nistagmo leve, diminuição da temperatura corporal e frequência respiratória (KANDEL et al., 2014).

As fases 3 e 4 demonstram maior sincronização tálamocortical, aumento da amplitude das ondas cerebrais (delta e theta), maior redução das atividades autonômicas, como frequência cardíaca e respiratória, e temperatura corporal (KANDEL et al., 2014).

A REM, também chamada de fase 5, apresenta ondas cerebrais (alfa e beta) semelhantes à vigília, movimentos rápidos dos olhos, aumento das atividades autonômicas (taquicardia e taquipneia) e inibição das vias motoras descendentes à medula espinal. Os sonhos da fase REM são vívidos, emocionais e bem parecidos com a realidade, apesar de que há relatos de sonos bizarros e fora do contexto da realidade (KANDEL et al., 2014).

As fases REM e nREM são determinadas por um conjunto de exames denominados de polissonografia que inclui o eletroencefalograma (EEG), eletromiografia submentoniana (EMG), eletro-oculograma (EOG), e comportamentos e parâmetros vitais (frequência cardíaca, respiratória e temperatura corporal) (HALL, 2017).

O EEG capta as ondas cerebrais por meio de eletrodos posicionados em várias regiões cranianas que avaliam a atividade de grupos neuronais em função do tempo em áreas que correspondem a regiões específicas do córtex cerebral e tálamo. A eletromiografia e eletro-oculograma analisam, respectivamente, a atividade muscular e movimentos dos olhos. Por fim, os comportamentos e parâmetros vitais (frequência cardíaca, respiratória e temperatura corporal) são avaliados por meio de monitoração cardiorrespiratória e térmica, além da avaliação visual do comportamento do paciente por meio de filmagem durante o todo o exame (HALL, 2017).

O ritmo circadiano da vigília e sono controla a manutenção da vigília e sono ao longo do dia, o que permite que o indivíduo não durma durante o dia e apresente sonolência e sono no período noturno. A rotação da terra em 24 horas, a luminosidade e a escuridão são denominados zeitgebers (agentes arrastadores) que fornecem informações importantes para o sistema nervoso central regular e sincronizar com o ritmo circadiano e biológico (KANDEL et al., 2014).

Neste contexto surge o núcleo supraquiasmático do hipotálamo que recebe informações sensoriais da retina (luminosidade) por meio do trato retino-hipotalâmico (retina – nervo óptico – quiasma óptico – trato óptico – núcleo supraquiasmático) e regula o ciclo da vigília/sono e metabolismo corpóreo, como a produção e supressão de hormônio antidiurético (ADH) e melatonina pela glândula pineal (KANDEL et al., 2014).

O núcleo supraquiasmático se conecta à várias regiões do sistema nervoso, como em áreas promotoras do sono no núcleo pré-óptico hipotalâmico e em áreas estimuladoras da vigília, como a zona subparaventricular e núcleo dorsomedial do hipotálamo que, por sua vez, fazem sinapse com neurônios produtores da orexina, locus coeruleos e inibe as projeções para os núcleos pré-ópticos (SCAMMELL; ARRIGONI, LIPTON, 2017).

Paralelamente, as zonas subparaventricular e núcleo dorsomedial fazem sinapses diretas com os núcleos paraventriculares e indireta com a glândula pineal para estimular (alta luminosidade) ou inibir (baixa luminosidade) a produção de melatonina (SCAMMELL; ARRIGONI, LIPTON, 2017).

Os neurônios monoaminérgicos presentes no sistema ativador ascendente no tronco encefálico e núcleos túbero-mamilares do hipotálamo são responsáveis pela manutenção da vigília por meio da produção de noradrenalina no locus coeruleos (ponte caudal), serotonina (núcleos da rafe), dopamina (tegmento ventral mesencefálico) e histamina pelos núcleos túbero-mamilares hipofisários. Esses locais se conectam com o os núcleos da base e córtex cerebral, mantendo-os em atividade (SCAMMELL; ARRIGONI, LIPTON, 2017).

Paralelamente, núcleo parabraquial e núcleos pedunculopontino e tegmental laterodorsal presentes na mesencéfalo e ponte possuem neurônios colinérgicos, gabaérgicos e glutaminérgicos, e realizam sinapses com o tálamo e núcleos da base reforçando os sinais ativadores para o córtex cerebral (SCAMMELL; ARRIGONI, LIPTON, 2017).

Já o circuito promotor do sono nREM inclui as áreas pré-opticas hipotalâmicas que realizam sinapses inibitórias com todos os núcleos ativadores do sistema ativador ascendente, núcleos parabraquial, núcleos pedunculopontino e tegmental laterodorsal. Adicionalmente, alguns neurônios dos núcleos da base, ainda não definidos totalmente, realizam sinapses inibitórias com as regiões corticais e locais mediadas por neurotransmissores GABA e somatostatina. Na região cortical é possível encontrar alguns neurônios produtores de óxido nítrico ativos durante o sono nREM (SCAMMELL; ARRIGONI, LIPTON, 2017).

O sono REM é ativado e mediado núcleo sublaterodorsal da ponte mediado por neurônios glutaminérgicos que produzem paralisia muscular por excitação de neurônios no bulbo ventromedial e medula espinal que mantêm os neurônios motores hiperpolarizados. Neurônios colinérgicos dos núcleos pedunculopontino e tegmental laterodorsal promovem as ondas cerebrais do sono REM semelhantes ao da vígilia (alfa e beta). A inibição do sono REM é mediada por sinapses do sistema reticular ascendente, em especial, o locus coeruleus, com o núcleo sublaterodorsal da ponte. A substância periaquedutal ventrolateral promove ativação do núcleo sublaterodorsal pontino, porém, no sono REM é inibida por ele e por núcleos presentes no bulbo e medula espinal (SCAMMELL; ARRIGONI, LIPTON, 2017).

APRENDIZADO E MEMÓRIA

             O aprendizado e a memória são importantes para manutenção do ser humano e animal no ambiente no qual está inserido. A capacidade de locomoção, falar, escrever e executar diversas atividades provém do aprendizado e memória. Enquanto o aprendizado se refere a mudança no comportamento resultante de um conhecimento obtido previamente, a memória é capacidade de codificar, armazenar e, futuramente, evocar os conhecimentos e fatos (KANDEL et al., 2014).

            A memória não apresenta uma região específica na qual as informações ficam armazenadas, contrariando o localizacionismo que existe para outras funções e comportamentos, como o tato no córtex somatossensorial. De forma geral, a memória é dividida em quatro processos: codificação, armazenamento, consolidação e evocação, e classificada em duas dimensões: tempo e tipo de informação (KANDEL et al., 2014).

            A dimensão tempo é classificada em memória de curto prazo e longo prazo (propriamente dita). A memória de curto prazo, ou de trabalho, mantém a informação verbal (córtices parietais e Área de Broca) ou visuo-espacial (múltiplos córtices) por um determinado tempo desde que seja representativo para o indivíduo, por exemplo, armazenar a informação de um número telefônico (BEAR et al., 2008).

            A memória de longo prazo é usualmente fruto da consolidação da memória de curto prazo seletiva e pode ser classificada em implícita ou explícita (BEAR et al., 2008).

A forma implícita, também denominada não declarativa ou de procedimento, é considerada inconsciente e manifestada de forma automática, como, por exemplo, tocar um instrumento ou dirigir um carro. Mamíferos não humanos apresentam dois tipos de memória implícita – associativa e não associativa (KANDEL et al., 2014).

A forma associativa é resultado da conexão entre dois estímulos ou um estímulo e um comportamento, como, por exemplo, fornecer a ração para o cão e ao mesmo tempo tocar um sino e observar a salivação e avidez do animal pelo alimento. Após várias repetições, tocar o sino, mas não fornecer o alimento, e ainda assim, verificar a salivação do animal. Essa operação pode ser denominada de condicionamento clássico (KANDEL et al., 2014).

Outra forma comum é o condicionamento operante na qual testa o comportamento que ocorre de forma espontânea ou sem um estímulo identificável, por exemplo, disponibilizar alavancas em um caixa com um animal de laboratório (roedor) e, sem estímulo, deixar que ele voluntariamente pressione a alavanca que disponibilizará o alimento. Após essa recompensa (reforço positivo) ele provavelmente apertará a alavanca quando sentir fome. Por sua vez, se a resposta for danosa ao animal, provavelmente ele não tocará a alavanca (punição positiva) (KANDEL et al., 2014).

A forma não associativa ocorre quando há um único estímulo ou repetições de um único estímulo. Nessa forma, observa-se a sensibilização e a habituação. A sensibilização consiste em um animal responder de forma agressiva a um toque do seu tutor após a aplicação de uma vacina que provocou dor moderada no local. Já a habituação ocorre após um estímulo inicial que repetitivamente não desencadeia mais uma resposta sensitiva, como, por exemplo, primeiros rojões que causam uma sensibilização, porém, após vários rojões ao longo do dia já não desencadeiam respostas exacerbadas pelo animal (KANDEL et al., 2014).

A memória explícita ou declarativa é consciente, localizada primariamente no lobo temporal medial, e pode ser classificada em episódica, como a evocação da lembrança de uma praia com as suas características físicas, e a forma semântica utilizada para aprender o significado de novos conceitos (BEAR et al., 2008).

Os quatro processos básicos da memória declarativa são: a) codificação: novas informações são observadas e comparadas com os dados que já existem consolidados e se torna mais forte quando há maior interesse e motivação ; b) armazenamento: considerada ilimitada e representa a capacidade de alocar as novas informações em regiões específicas do sistema nervoso; c) consolidação é o processo de tornar mais estável o armazenamento com envolvimento de expressão genética e a síntese proteica nas estruturas sinápticas e; d) evocação: fase de retomar a informação armazenada à mente e é facilitada com “dicas” (KANDEL et al., 2014).

Thiago Lima de Almeida- Graduado em Medicina Veterinária pela Faculdade Anhanguera de Dourados (2008). Mestre em Ciência Animal pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – UFMS (2012). Especialista em Anatomia e Histologia – Métodos de Ensino e Pesquisa pela Universidade Estadual de Maringá – UEM (2010) e em Didática e Metodologia do Ensino Superior pela Anhanguera Educacional (2009). Especializado em Clínica Médica e Cirúrgica de Pequenos Animais pela Universidade Castelo Branco (Instituto Qualittas). MBA em Gestão de Negócios, IBMEC (2016). Atuou como gestor hospitalar veterinário na Faculdade Anhanguera de Dourados (2013-2015), autor de livro didático na Kroton Educacional (2017-2018) e professor substituto de Anatomia e Fisiologia na Universidade Federal da Grande Dourados (2017-2019). Atualmente é professor dos cursos de Medicina Veterinária e das áreas de saúde na Faculdade Anhanguera de Dourados e doutorando em Ciências da Saúde – UFGD, área/subárea de Farmacologia Cardiovascular. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-6450-4561

REFERÊNCIAS

BEAR, M.; CONNORS, B. W.; PARADISO, M. Neurociências. Desvendando o Sistema Nervoso. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2008. p. 585-615.

HALL, J. Tratado de Fisiologia Médica. 13. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2017. cap. 59-60.

KANDEL, E. R.; SCHWARTZ, J. H.; JESSELL, T. M.; SIEGELBAUM, S. A.; HUDSPETH, A. J. Princípios de Neurociências. 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014. p. 991-1010, 1256-73.

PENG, W.; ACHARIYAR, T. M.; LI, B.; LIAO, Y.; MESTRE, H.; HITOMI, E.; REGAN, S.; KASPER, T.; PENG, S.; DING, F.; BENVENISTE, H.; NEDERGAARD, M.; DEANE, R. Supression of glumphatic fluid transport in a mouse modelo f Alzheimer’s disease. Neurobiology of Disease, 2016, v. 93, p. 215-25.

PLOG, B. A.; NEDERGAARD, M. The Glymphatic System in the Central Nervous System Health and Disease: Past, Present, and Future. Annual Review of Pathology: Mechanisms of Disease, 2018, v. 13, p. 379-94.

SCAMMELL, T. E.; ARRIGONI, E.; LIPTON, J. O. Neural Circuitry of Wakefulness and Sleep. Neuron, v. 93, 2017, p. 747-65.

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