COVID-19 e o Cérebro

Por Glaucio Aranha 

Dr. Gabriel A. de Erausquin

Atualmente, já são conhecidas muitas das características imediatas da infecção pelo SARS-CoV-2, o vírus que causa a COVID-19. Todavia, ainda estão sendo analisadas as consequências remanescentes da doença, até mesmo pela proximidade temporal que temos de seu surgimento. Em relação ao cérebro, começam a surgir algumas evidências importantes. 

Pesquisas começam a relatar que outros sistemas biológicos são afetados pela COVID-19, incluindo o sistema nervoso central (SNC). Manifestações neurológicas, como acidente vascular cerebral, encefalite e condições psiquiátricas foram relatadas em pacientes com a doença. Isto leva à necessária cautela em relação ao potencial das consequências desse vírus para além dos impactos respiratórios. 

O Dr. Gabriel A. de Erausquin, professor de neurologia do Centro de Ciências da Saúde da Universidade do Texas, em San Antonio, informa que em contextos pandêmicos como o da gripe espanhola (1917-1918), do H1N1 e de outras cepas do SARS-CoV, registrou-se indicadores de associação posterior à infecção com distúrbios cerebrais. Segundo o pesquisador, o vírus SARS-CoV-2, causador do COVID-19, também é conhecido por causar certos impactos no cérebro e no sistema nervoso humano. Hoje, todavia, ainda não se sabe com exatidão o “como” e a extensão desses impactos, mas já começam a surgir algumas pistas importantes. 

Além dos sintomas neurológicos imediatos, que sinalizam o quadro da COVID-19, tais como dores de cabeça, perda do olfato, tontura, alteração do paladar, confusão mental e sonolência, alguns estudos sugerem o advento de outros mais persistentes. 

A pesquisadora Fernanda Crunfi, do Laboratório de Neuroproteômica, da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), publicou juntamente com outros colaboradores os resultados de uma pesquisa que levam a conclusões de que o novo coronavírus infecta alguns grupos de células cerebrais, afetando, consequentemente, suas funções. O artigo SARS-CoV-2 infects brain astrocytes of COVID-19 patients and impairs neuronal viability foi publicado na revista MedRxiv

Os experimentos foram conduzidos por quatro pós-doutorandos: Fernanda Crunfli, Flávio P. Veras, Victor C. Carregari e Pedro H. Vendramini – Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil/ND

Essa pesquisa foi realizada em duas abordagens. Na primeira, uma equipe de pesquisadores analisou as células do cérebro de indivíduos que faleceram em virtude da Covid-19. Na segunda, outra equipe teve como foco a observação do córtex cerebral de pacientes contaminados, mas que apresentaram sintomas leves e tiveram um quadro de recuperação que não necessitou de internação. As duas abordagens levaram à confirmação de que houve alterações em células cerebrais, tanto para aqueles que faleceram, quanto para aqueles que se recuperaram. 

Para a análise mais aprofundada das células cerebrais, uma limitação é a forma de obtenção destas células, porque para o caso de pacientes vivos, é necessário o emprego de técnicas invasivas. Tornando mais viável a obtenção das referidas células em indivíduos mortos por meio da autópsia. Em face desta dificuldade, a solução encontrada para trabalhar com os pacientes recuperados foi o exame do córtex cerebral por meio do uso de ressonância magnética funcional. 

Uma das preocupações dos pesquisadores foi a questão das variações na espessura do córtex cerebral. Isto se justifica porque o esperado seria que, com o passar do tempo, o próprio organismo fosse se regenerando e dando conta de recuperar as lesões causadas pela doença. Quadros em que não há a referida recuperação são muitas vezes encontrados em pacientes com doenças neurodegenerativas, tais como a Síndrome de Parkinson e o Alzheimer. 

Mas o que tais observações nos indicam? Bem, os resultados encontrados na pesquisa sugerem uma necessária cautela ao se referir a pacientes recuperados, pois até o momento não se sabe ainda a extensão da persistência dessas complicações neurológicas para o futuro desses indivíduos.  

Segundo Fernanda Crunfi, já existem fortes indicações de que o vírus afeta o modo como o cérebro produz energia, uma vez que ele infecta e se multiplica nos astrócitos, que são células atuantes no processo de “nutrição” dos neurônios, existindo em grande quantidade no sistema nervoso central. 

Outro ponto que chama a atenção dos pesquisadores é o modo como o vírus consegue atravessar a barreira hematoencefálica (uma barreira natural para proteger o órgão), e chega ao cérebro. Sendo apontado pela pesquisadora como um dos próximos passos a serem dados na pesquisa do grupo no qual atua na Unicamp. 

Com o intuito de monitorar a evolução dos pacientes vivos que participam da pesquisa, estes serão acompanhados pelos pesquisadores em seu processo de recuperação por mais três anos, o que permitirá mapear com mais precisão as sequelas deixadas neles pela contaminação pelo novo coronavírus. Esse acompanhamento poderá esclarecer se os efeitos observados são resultados permanentes da doença ou se são efeitos secundários da inflamação generalizada no organismo.  

Estas preocupações se somam a outras como às do Dr. de Erausquin em uma publicação recente (The chronic neuropsychiatric sequelae of COVID‐19), na revista científica Alzheimer’s Dement, que alerta para o fato de que alguns dos vírus respiratórios têm afinidade com as células do sistema nervoso, como, por exemplo, as células olfativas que são muito suscetíveis à invasão viral e particularmente alvejadas pelo SARS-CoV-2, causando a perda do olfato. Isto leva a crer que através das células olfativas, que estão concentradas no nariz, o vírus possa atingir o bulbo olfatório no cérebro, que está localizado próximo ao hipocampo, uma área do cérebro envolvida na memória de curto prazo. 

A pesquisa revela que a trilha do vírus, quando invade o cérebro, leva quase diretamente ao hipocampo, o que permitiu ao Dr. de Erausquin e seus colaboradores acreditar que essa seja uma das fontes do comprometimento cognitivo observado em pacientes com COVID-19. Sugerindo, também, que possa ser causa, ao menos parcial, para um declínio cognitivo acelerado ao longo do tempo em indivíduos suscetíveis. 

A chegada das vacinas sinaliza para um possível controle da doença, todavia deve-se ter em mente que há, ainda, um considerável percurso a ser percorrido até que a quase totalidade da população esteja efetivamente imunizada.  

Neste sentido, a prevenção se revela não apenas uma questão pontual e imediatista para a manutenção da saúde para o presente, mas também para a saúde futura. 

Referências 

de Erausquin, GA, Snyder, H, Carrillo, M, et al. The chronic neuropsychiatric sequelae of COVID‐19: The need for a prospective study of viral impact on brain functioning. Alzheimer’s Dement. 2021; 1– 9. https://doi.org/10.1002/alz.12255 

CRUNFLI, F, CARREGARI, VC, VERAS, FP, et al. SARS-CoV-2 infects brain astrocytes of COVID-19 patients and impairs neuronal viability. medRxiv 2020.10.09.20207464. Doi: https://doi.org/10.1101/2020.10.09.20207464  

One thought on “COVID-19 e o Cérebro

  • 26/12/2021 em 0:46
    Permalink

    Eu peguei o Corona na primeira onda, fiquei tão confusa que acordava sem saber onde estava, ou em que momento da vida. O mais interessante é que eu tinha consciência de que algo estava errado, mas os pensamentos “fugiam” muito rápido. Sou TDAH, mas aquilo era diferente das distrações comuns do transtorno. Só fui ao médico quando melhorei e já tinha passado o pior. Até hoje minha memória de curto prazo está comprometida. Tenho 64 anos e se puder colaborar ficarei grata.

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