Trechos do capítulo- Cannabis sativa e seus derivados naturais e sintéticos: uso terapêutico e recreativo- por Mayara Cristina Fernandes, Nathan Toews, Candida Aparecida Leite Kassuya Elisabete Castelon Konkiewitz
in: Tópicos em neurociência clínica –Elisabete Castelon Konkiewitz [autora] Pulso Editorial, 2022. ISBN 978-65-88606-06-3

ASPECTOS GERAIS
Cannabis sativa Linnaeus (Cannabinaceae), chamada simplesmente de Cannabis, Marijuana ou, popularmente, no Brasil, de Maconha (Anagrama de Cânhamo), possui três principais subespécies: C. sativa, C. indica e C. ruderalis.1 Além desses nomes, existe no mercado recreativo e medicinal da Cannabis uma outra denominação usual, “strain”, que, em português, seria “cepa” ou “raça”. Todas elas possuem princípios ativos que, no entanto, variam em sua concentração, em cada subespécie. Isso permite ao paciente selecionar strains de acordo com a descrição dos efeitos terapêuticos e a concentração de canabinoides disponibilizadas em dispensários de Cannabis norte-americanos. No Departamento de Agricultura dos Estados Unidos, encontra-se um banco de dados que contém a classificação de diversas formas vegetais, nele, a maconha é catalogada cientificamente: Cannabis sativa l.
Cannabis sp é um arbusto nativo da Ásia que tem o ciclo de vida anual, podendo ser monoica ou dioica, e apresentar as formas masculina, feminina e hermafrodita. Essa última contém órgãos reprodutores de ambos os sexos. A planta masculina possui estames e, geralmente, é maior, porém, mais fraca que a fêmea, dotada de pistilos. O sexo é indefinido até a floração. A planta leva um período até apresentar o dimorfismo sexual que, posteriormente, torna-se bastante claro. O tamanho final de um exemplar varia entre as subespécies existentes, entretanto, fatores ambientais e a forma de cultivo podem alterar a quantidade de metabólitos secundários.3
O fruto da Cannabis, chamado de aquênio, é comercializado como alimento e é referido, usualmente, como sementes, com alto teor de ácidos graxos insaturados e outros fitonutrientes.4 O plantio da Cannabis pode ser feito em ambiente externo ou em ambiente fechado, sendo que o último requer maior manutenção, todavia, permite maior controle sobre a produção. Em países cujo cultivo é legalizado é mais comum a prática do indoor, em ambiente fechado, por permitir o crescimento de variedades mais potentes e evitar a polinização. Essa técnica faz a planta gerar flores sem semente e, por consequência, com maior teor de canabinoides.
A Cannabis é uma das drogas mais consumidas pelo mundo, em conjunto com diversas outras drogas legais, como o tabaco, a cafeína e o álcool. Apenas a planta fêmea tem valor medicinal, devido às grandes
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concentrações de substâncias com potencial terapêutico em suas flores. Isso torna a folha pentâmera da
Cannabis apenas um símbolo, pois ela contém baixas quantidades de canabinoides.
CONSTITUINTES QUÍMICOS
Já se descobriram mais de 540 substâncias na Cannabis5 de diversas classes, como a dos monoterpenos
(β-myrcene, α- e β-pinene, α-terpinolene), diterpenos, triterpenos, flavonoides, açúcares, sesquiterpenos
(β-caryophyllene), esteroides, compostos nitrogenados (alcaloides de spermidina ou muscarina) e
os canabinoides.5 Os canabinoides já passam do total de cem compostos identificados, mas se restringem
apenas ao gênero Cannabis.
1 CANABINOIDES
Também chamados de fitocanabinoides, essa nomenclatura refere-se a todo composto terpenofenol
com C21 ou C22, aos seus metabólitos e substâncias análogas que são encontrados apenas na C.
sativa. Os canabinoides são substâncias apolares, sintetizadas no interior de células secretoras glandulares
de tricomas, e que têm maior presença nas flores de plantas fêmeas. São subdivididos de acordo com a
substância principal, como, por exemplo, os cannabidiol-type e tetrahydrocannabinol-type, que serão detalhados
a seguir.
Após o crescimento vegetativo e durante a flora, há crescente acúmulo de substâncias químicas nos
tricomas, mas, mesmo após o amadurecimento total, a planta não está pronta para consumo. Dessa forma, o
modo de secagem, cura e armazenamento contribuem para a conversão dos ácidos em substâncias neutras,
bem como a ação do calor e da luz.6
1.1 THC
O mais potente dos psicoativos, depressores do sistema nervoso central da marijuana é o THC. Ele
possui quatro esteroisômeros, dos quais o mais estudado é o ácido tetrahidrocanabinolico (THCA), que é
encontrado naturalmente nas plantas. Após cerca de 1 hora de o indivíduo fumar a Cannabis, uma fração do
THC é convertida em 11-hidroxi-THC (mais ativo do que o THC) e, também, em metabólitos inativos, os quais
serão submetidos à conjugação e à recirculação êntero-hepática. Sendo altamente lipofílicos, o THC e seus
metabólitos são sequestrados na gordura do organismo. Sua eliminação urinária detectável permanece por
várias semanas, após uma única dose.
O THC tem propriedades anti-inflamatória e antiemética, estimula o apetite e apresenta vários sintomas
autonômicos. Seu uso é benéfico em várias condições, em especial, para o alívio da dor. No entanto,
o sistema de dosagem e de preparo ainda tem de ser definido com precisão.8 O uso de Cannabis e dos compostos
isolados de Cannabis é uma alternativa para diminuir o uso de opioides para o tratamento da dor.8 O
medicamento marinol (dronabinol) contém THC sintético, que é usado nos tratamentos de câncer, da AIDS e
da esclerose múltipla, enquanto que o Cesamet™ (Nabilona), contém análogo de THC, e também é utilizado
para tratar o câncer.5
A descrição dos efeitos farmacológicos do THC é: sensações de relaxamento e bem-estar, sem a
imprudência e a agressividade associadas, impressões de consciência sensorial aguçada, com sons e visões
parecendo mais intensos e fantasiosos; prejuízo da coordenação motora, comprometimento da memória de
curto prazo e de tarefas de aprendizagem simples, aumento do apetite, catalepsia, ação antiemética, hipotermia,
analgesia, taquicardia, vasodilatação, redução da pressão intraocular e broncodilatação. O efeito de
superdosagem não leva a risco a vida do indivíduo, mas podem ocorrer sonolência e confusão.
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1.2 CBD
O canabidiol não apresenta as mesmas propriedades psicoativas do THC, mas pode apresentar atividade
anticonvulsivante e induzir o metabolismo hepático de fármacos. Esse é o principal composto terapêutico
pesquisado e utilizado em tratamentos médicos. No Brasil, o canabidiol foi o primeiro composto da
maconha a ser reclassificado como substância controlada (2014), pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária
(Anvisa). Entretanto, o produto deve ser requerido e importado. O seu uso exclusivo não é capaz de
gerar o chamado estado de intoxicação high, mas possui ação anticonvulsivante e analgésica, principalmente,
contra a dor neuropática.7 Há uma escassez de estudos centrados na eficácia do canabidiol (CBD) sem THC,
o que complica ainda mais a realização de estudos clínicos médicos sobre Cannabis.8 Daí existir apenas uma
formulação de medicamento (Sativex), que apresenta, em sua composição, 2,7 mg/mL de THC e 2,5 mg/mL
de canabidiol, inclusive, é um dos medicamentos utilizados para tratamento de esclerose múltipla.5
A ANTIGA NOVA FONTE DE ENERGIA: O CÂNHAMO
A Cannabis tem uma taxa alta de crescimento em subespécies específicas e o seu plantio é feito
para extração das fibras. Apesar de também possuir uma quantidade mínima de canabinoides (menor que
0.3% THC), as plantas de onde se retiram o cânhamo são maiores e com hastes longas, há presença de lignocelulose,
nas paredes celulares do tecido, e a produção de biomassa é muito acelerada.10
No Brasil, o cultivo de cânhamo é proibido por conta da ínfima concentração de THC encontrada
nas plantas. A proibição mantém o país atrasado em relação aos outros que já fazem uso sustentável e verde
dessas fibras. Eles são capazes de produzir compostos químicos, papel, biopolímeros e açúcar. Há potenciais
de exploração do cânhamo até mesmo como alternativa para o petróleo. A biotecnologia empregada
no cânhamo retomou o uso comercial dessa fonte de recursos verde e que pode atenuar a exaustão dos
recursos naturais.11
VEÍCULOS DE USO
Tanto no uso recreativo, quanto no uso medicinal da maconha, diversas formas de administração
são utilizadas pelos pacientes. A mais comum é utilizar o produto legalizado, ou o ilegal, na forma de cigarros
manufaturados, que são chamados popularmente de baseados ou joint, em que a erva é enrolada em papéis
específicos. Semelhante a isso, o blunt é um tipo diferente de papel, geralmente, composto de tabaco, e é
também utilizado para produzir um baseado, que recebe o próprio nome do material.12
Já o bong é a forma de consumo em que a erva é queimada em um recipiente de vidro, semelhante
a um vaso, no qual a fumaça passa por água fresca e é, assim, resfriada e inalada. Esse modo de uso é mais
potente do que em forma de cigarro, por ser possível tragar maior quantidade de Cannabis em menos tempo.
Considera-se que o bong cause menos danos relacionados ao calor produzido pela combustão da erva.13
Retirando a conotação negativa da maconha, em países legalizados, a redução de danos das drogas,
em geral, começou a ser discutida. Por isso, surgiram formas alternativas de se ingerir a Cannabis sem produzir
fumaça. A vaporização do produto in natura ou sob forma de óleos tornou-se popular entre usuários medicinais
ou recreativos, por ser menos agressiva ao trato respiratório. Esse método consiste no aquecimento do
substrato, até o ponto de ebulição dos canabinoides, estocagem do vapor em recipientes, ou a sua liberação
para o bocal do aparelho, estando, assim, pronto para o consumo.12
Os canabinoides são substâncias apolares e podem ser extraídos da planta por meio de infusão em
diversos produtos. Geralmente, manteiga e outros lipídeos de consumo humano são utilizados para diluir o
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THC e CBD que, posteriormente, dão origem a diversos pratos cannabicos. Brownies, cookies, bolos e diversas
outras receitas formam a classe dos “edibles” que, em tradução livre, significa “comestíveis”. Essa é uma
alternativa de uso que não envolve a combustão.14
Além disso, as extrações da Cannabis são numerosas e variam de acordo com a consistência,
método de extrato, concentração de canabinoides e cor. A extração mais antiga da planta é o haxixe, que
mantém parte da matéria orgânica da erva e acumula os psicotrópicos. É a forma mais potente de uso que
é, geralmente, recreativo. Sob uso medicinal, os Triglicerídeos de Cadeia Média (TCM) são os solventes
mais utilizados em produtos farmacêuticos importados e na produção caseira são usados óleos de coco,
girassol e oliva.15
Na área farmacêutica, países que permitem o estudo e o desenvolvimento de pesquisas relacionadas
com a Cannabis tornaram possível a criação de medicamentos contendo canabidióis, naturais e sintéticos,
para uso no tratamento de diversas doenças.
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