Neurodesenvolvimento e neuroplasticidade-parte 2: sinaptogênese e poda sináptica-como o cérebro se desenvolve após o nascimento-por Joel Cavalheiro Martins Júnior
Desenvolvimento cerebral pós-natal
Ao nascimento praticamente toda a estrutura do nosso encéfalo esta formada. O que muda então com os primeiros anos de vida para determinar todo o novo modo em que o ser em desenvolvimento percebe o mundo? Um aspecto importante é a sinaptogênese. Esta começa na 27a semana embrionária, porém só atinge seu pico durante os primeiros 15 meses de vida. Ela começa primeiramente nas camadas mais profundas, seguindo o mesmo padrão de crescimento neuronal. Ao mesmo tempo em que ocorre a sinaptogênese, os neurônios vão aumentando o tamanho de suas árvores dendríticas, o tamanho de seus axônios e sofrendo mielinização. Seguido este período de sinaptogênese, ocorre a poda sináptica, que seria a destruição de diversas sinapses_ uma regulação fina do sistema nervoso que exclui sistemas redundantes.
Esse processo de criação e destruição de sinapses parece ocorrer em tempos diferentes para áreas diferentes do cérebro humano. As sinapses da região temporal superior (córtex auditivo) tem seu pico mais cedo, por volta de 3 meses de idade pós-natal, enquanto que a sinaptogênese do córtex de associação frontal chega ao pico nos 15 meses de idade. Isto sugere que em humanos a sinaptogêne e a poda ocorrem primeiramente no córtex sensorial e motor e posteriormente no córtex associativo.
Estudos de neuroimagem funcional (uso de glicose marcada em diferentes áreas cerebrais) revelam que, em recém-nascidos, o metabolismo da glicose está aumentado em áreas corticais e motoras, no hipocampo e em áreas subcorticais, como tálamo, tronco encefálico e vermis cerebelar. Com 2 a 3 meses de idade, mais glicose é usada nos córtices parietal, temporal e visual primário, assim como nos núcleos da base e nos hemisférios cerebelares. Aos 6-12 meses de idade, o consumo de glicose aumenta no córtex frontal. No decorrer do desenvolvimento, o nível total de glicose utilizada no cérebro vai gradativamente aumentando, alcançando um pico por volta dos 4 anos, que se mantém num platô até os 10 anos, quando então começa a diminuir até chegar ao nível dos adultos em torno dos 16 -18 anos.

Concluímos através destes dados que as áreas de associação demoram mais para se desenvolver do que estruturas corticais e subcorticais motoras e sensitivas.
O grande aumento de volume do encéfalo nos primeiros anos de vida reflete principalmente a proliferação das células gliais e da mielinização dos axônios. O volume da substancia cinzenta varia durante o crescimento em tempos diferentes para cada área do córtex.
A experiência tem algum papel no desenvolvimento cerebral? Experimentos com ratos nos mostram que aqueles submetidos a atividades motoras produzem mais células gliais, e ratos que vivem em ambientes que favorecem o aprendizado apresentam mais ramificações dendríticas. Da mesma forma, os estímulos sensoriais e a atividade neuronal podem ser necessários para a poda (eliminação sináptica).
Plasticidade

Durante o desenvolvimento embrionário o sistema nervoso apresenta-se de certa forma bem plástico em contraste com a rigidez de plasticidade do adulto. Esta plasticidade pós-natal é limitada, pois as células não são livres para migrar para varias áreas, porem em períodos denominados sensíveis uma plasticidade local pode ocorrer quando influencias extrínsecas podem alterar a organização cerebral.
As células gliais formam cicatrizes quando a estrutura neural é destruída e essa cicatriz impede que o sistema volte a se reconstituir o que não ocorre no sistema nervoso periférico.
As aferencias sensoriais podem instruir o córtex a como se comportar: Experiências mostraram que, redirecionando por manipulação cirúrgica axônios da retina para o núcleo auditivo do tálamo essa região passa a se comportar processando a informação visual como se fosse um núcleo talâmico visual.
A pele é o nosso maior órgão sensorial: estímulo e neuroplasticidadeO médico francês Frédérick Leboyer estava visitando a Índia em 1959, quando viu uma mulher massageando seu bebê numa calçada pública. Seu nome era Shantala, ela era paraplégica e estava numa associação de caridade em Pilkhana, Calcutá. Ele conta:
“Parei, impressionado com o que eu estava presenciando: Em meio à sujeira e à miséria, um espetáculo da mais pura beleza. Um diálogo silencioso de amor entre uma mãe e seu bebê”.
A massagem criava uma conexão emocional entre o bebê e a mãe.
Fascinado, Laboyer fotografou e filmou Shantala, estudou e analisou seus movimentos. Finalmente, ele redigiu um livro, através do qual trouxe ao ocidente esta técnica indiana milenar, originária de Kerala, a qual, em homenagem à sua mestra, deu o nome de shantala.
“Sim, os bebês tem necessidade de leite,mas muito mais de serem amados e receberem carinho, serem levados, embalados, acariciados, pegos e massageados”
Leboyer
Mapas corticais
Nosso córtex somatosenssorial possui uma representação de toda a superfície do nosso corpo, organizada de forma padronizada, de acordo com a migração das células da zona ventricular, formando as colunas que são representadas no homúnculo somatosenssorial_homúnculo de Penfield. Existe um mapa para a mão, o braço, os membros inferiores, a língua e assim por diante. O mapa é organizado de forma que áreas anatomicamente vizinhas mantêm esta relação no córtex, fenômeno conhecido como somatotopia. Assim, a coluna cortical do dedo anular está contígua à do dedo médio.


O princípio da linha rotulada e a reorganização do córtex humano

O sistema nervoso segue o princípio da linha rotulada, ou seja, cada área do corpo é inervada por uma determinada fibra nervosa e terá uma conexão de caminho definido com o sistema nervoso. Por exemplo, as fibras de uma determinada região da retina seguem um caminho pré-definido de sinapses e conexões até uma determinada região do córtex visual. Acontece que as linhas rotuladas podem se desviar, de forma que o mesmo estímulo sensorial passe a ativar outras rotas neuronais.
Experimentos em que um dedo foi costurado em outro, fazendo com que os dois passassem a funcionar como se fossem um só, realizando os mesmos movimentos e recebendo os mesmos estímulos sensoriais, induziram mudanças neuroplásticas em que as áreas do córtex sensorial que recebiam as aferências de cada dedo e a áreas do córtex motor que emitiam as ordens de movimento para cada dedo passassem a funcionar como se fossem uma mesma coluna sensorial e uma mesma coluna motora, ou seja, a fusão anatômica periférica levou por neuroplasticidade central também a uma fusão funcional das áreas corticais que as representavam.
Em caso de amputação, ou de secção de nervo, a área do córtex somatossensorial que recebia as respectivas aferências passa a se tornar um espaço “vazio” inativo que é logo substituído e se torna ativo pelos neurônios localizados adjacentemente. Este fenômeno foi descrito pelo neurologista Vilayanur S. Ramachandran ao observar um paciente que estava com o braço amputado e relatava sentir este braço fantasma, quando um cotonete tocava sua bochecha ipsilateral. O estímulo na face ativa os neurônios da área da mão do córtex somatossensorial primário (S1). Acredita-se que estas rotas já existiam e que foram descobertas, ou desmascaradas” após a lesão.Esta plasticidade não esta presente somente no sistema somatosenssorial mas também no auditivo e visual.

From Dr. V.S Ramachandran’s Slides. Copyright V.S. Ramachandran
http://mindbind.wordpress.com/2007/11/07/neuroscience-200bc/
Dr. Joel Cavalheiro Martins Júnior-médico formado pela UFGD-VIIIa turma.
conteudo muito rico.
Porque meu netinho quando bebê não fixava o olhar nos nossos olhos…
Um texto claro e enriquecedor!
Pingback: Synaptogenesis and the learning process – the psyche platform
Pingback: Relato de Caso: quando a ansiedade afeta o sistema gastro-intestinal. | July S.G. - Bio e Neurofeedback
Sou professora e estou pesquisando sobre o assunto que eu acredito ser importantíssimo para os educadores. O comentário de Mario Bonamici foi enriquecedor. Sou também coordenadora pedagógica e achei o comentário oportuno.
Cada vez que retorno nesse blog é uma surpresa agradável. Linguagem acessível, conteúdo primoroso. Recomendo sempre.
Fantástica informação científica. Aplico Neurociência na formação de Líderes de empresas quando dou ênfase à formação da rede neural de conhecimento, aprendizagem,memorização.
Outro aspecto que abordo é a linguagem de cérebro a cérebro na comunicação.
Por exemplo: falar sempre no positivo que é a linguagem que o cérebro entende e interpreta para execução
das ações.
Com relação a formação básica de crianças no início de estudos a estratégia é mostrar o que se está ensinando e fazer o que estamos ensinando.
A criança absorve com facilidade quando: vê – ouve – pega – faz – repete.
Na comunicação A EMOÇÃO de quem ensina tem um papel preponderante e por esta razão as professoras
TÊM que estar sempre motivadas independentemente de qualquer circunstância.
Obrigado.
Mario Bonamici