Nicole de Azevedo Bonavita
É possível dizer que o ato de contar histórias é uma das mais antigas formas de comunicação, visto que há evidências de que a narrativa é parte integral da existência humana há milhares de anos e que a própria literatura começou através de contos narrados ao redor da fogueira entre um grupo de caçadores-coletores (SUGYAMA,2017). No início, seu uso foi principalmente como uma forma encontrada por nossos antepassados de transmitir informações, além de registrar descobertas e pensamentos, sendo um fator determinante para a formação de nossa identidade. Naquele momento também foram criados mitos e histórias relacionados às ações de causa e efeito compreendidas dentro de um determinado contexto e tribo, ou seja, era através de histórias que o sujeito entendia o que deveria ou não fazer, como deveria agir. Segundo Nuñez (2015), as narrativas, sendo ficcionais ou não, podem dar sentidos para a vida e elucidar aquilo que não compreendemos.
A narrativa se tornou uma ferramenta tão utilizada por ser capaz de estimular os sentidos. Uma boa história, por exemplo, é capaz de estimular a motivação intrínseca através da satisfação da curiosidade. Tal motivação consegue manter o espectador e o leitor entretidos durante horas porque nós, seres humanos, somos curiosos por natureza. A imaginação e a habilidade de extrair e aplicar informações foram um fator determinante para nossa sobrevivência e predomínio como espécie (SUGYAMA, 2017).
Podemos observar, então, que contar histórias é muito mais do que um entretenimento, sendo uma metodologia de aprendizagem extremamente rica por transmitir o conhecimento de forma cativante, motivadora e agregadora. Essa metodologia passou a ser denominada Storytelling.
Através do storytelling conseguimos vivenciar experiências por meio da mediação simbólica, ou seja, conseguimos gerar sensações e receber informações através de representações mentais criadas pelo narrador. Dessa forma, conseguimos direcionar nossa consciência a um estado de concentração da atividade mental, o que, através de uma visão sócio-histórica, chamamos de atenção.
Segundo Lúria (1979), o ser humano possui dois tipos de mecanismos de atenção: a atenção voluntária e a atenção involuntária. A atenção voluntária é executada intencionalmente e gerada através da motivação, que pode ser a curiosidade em relação a um objeto ou às realizações. Um exemplo do uso de atenção voluntária seria aquele momento da história em que todos torcem para que o personagem finalmente conquiste sua vitória. Já a atenção involuntária ocorre quando há um interesse momentâneo, que pode ser despertado através dos aspectos sensoriais, como um determinado cheiro, som, ato ou objeto que gerem um sentimento de ameaça para si. É possível que este seja um dos principais temas que desencadeou as primeiras histórias de nossos antepassados entorno da fogueira, histórias como evitar certas plantas venenosas ou como fugir de um predador, entre outras. Acredita-se que o storytelling seja capaz de estimular ambas as formas de atenção.(BOLKAN, 2020)
Segundo a Base Nacional Comum Curricular (2017), documento norteador dos currículos escolares do Brasil, a educação física é considerada o estudo da cultura corporal do movimento. Ou seja, todo movimento corporal possui uma história cultural que deverá ser abordada nas aulas desta disciplina, podendo ser um jogo, luta, dança, entre outros movimentos. É possível dizer, assim, que todos estes conteúdos possuem uma história a ser contada, mas como torná-la mais interessante a ponto de ativar os mecanismos da atenção e gerar engajamento nos alunos? A história, a seguir, diz respeito ao objeto de conhecimento ioga, que faz parte da unidade temática de ginastica de conscientização corporal na disciplina de Educação Física, através da técnica de storytelling:
“Como um jovem príncipe, Arthur pensava que a parte mais agradável de se tornar rei seria governar seu reino. O mago Merlin decidiu que Arthur se beneficiaria com uma lição poderosa. Ele transformou o menino em diferentes pessoas, animais e objetos encontrados em seu reino, como um camponês, um peixe, uma árvore, a água e uma pedra, para que o Príncipe Arthur pudesse entender como era realmente ser diferente seres e coisas. As experiências de Arthur deram a ele a habilidade necessária para se colocar no lugar dos outros. Ele começou a entender que a função mais importante de ser rei não é governar, mas servir. A prática do Asana tem um objetivo semelhante. Tomamos a forma da árvore, do peixe, do guerreiro, da tartaruga e do sábio para que possamos começar a entender suas naturezas essenciais. Podemos literalmente sentir a sabedoria do sábio e a estabilidade da árvore. Podemos sentir o poder do guerreiro e a firmeza da tartaruga. Como resultado, nos sentimos mais profundamente conectados com toda a vida ao nosso redor.” (KAIVALYA, 2010 p. 148)
Na narrativa acima, há acréscimos de elementos ficcionais característicos da técnica de storytelling, para torná-la interessante aos olhos do público:
- uma mensagem a ser transmitida;
- o ambiente em que a história acontece;
- o personagem que irá guiá-lo por toda a história; e
- o conflito.
É importante destacar que para que uma boa narrativa aconteça o autor deverá estimular a imaginação, colocando na história pistas e lacunas que deverão ser preenchidas pelo leitor.
Deste modo, a convergência entre o storytelling e o ensino da educação física abre variadas possibilidades para abordagens inovadoras que reconfiguram ambas as práticas tanto para as práticas do docente, quanto do discente. Este potencial exige um olhar interdisciplinar e aberto para a complexidade que atravessa as peculiaridades de cada campo relacionado.
Referências
BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília, 2018.
BOLKAN, San. Storytelling in the Classroom: facilitating cognitive interest by promoting attention, structure, and meaningfulness. Communication Reports, [S.L.], v. 34, n. 1, p. 1-13, 14 dez. 2020. Informa UK Limited. http://dx.doi.org/10.1080/08934215.2020.1856901. Disponível em: https://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/08934215.2020.1856901?journalCode=rcrs20. Acesso em: 07 out. 2021
KAIVALYA, Alanna. Myths of the Asanas: The Stories at the Heart of the Yoga Tradition. Costa Rica: Mandala Media, 2010.
GOTTSCHALL, Jonathan. The Storytelling Animal: How Stories Make Us Human. New York: Mariner Books, 2012
NUÑEZ, A. Será Mejor Que lo Cuentes! Los Relatos Como Herramientas de Comunicacion. Madrid: Empresa Activa, 2007.
PALACIOS, Fernando; TERENZZO, Martha. O guia completo do storytelling. São Paulo: Alta Book, 2016.
SUGIYAMA, Michelle Scalise. Critical Approaches to Literature: Psychological: literary prehistory: the origins and psychology of storytelling. Massachusetts: Salem Press, 2017.
TANAKA, Priscila Junko. Reflexão sobre tipologias, desenvolvimento e seus estados patológicos sob o olhar psicopedagógico. Constr. Psicopedag, São Paulo, v. 12, n. 13, p. 62-76, dez. 2008. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/cp/v16n13/v16n13a04.pdf. Acesso em: 25 set. 2021.
Nicole de Azevedo Bonavita – Graduada em licenciatura e bacharelado em Educação Física, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2019). Tecnóloga em Marketing, pela Universidade do Grande Rio (UNIGRANRIO) (2017). Membro do grupo de pesquisa Estudos de Linguagem, Imaginário e Tecnologias Exponenciais, da Organização Ciências e Cognição (OCC), coordenado pelo Prof. Dr. Glaucio Aranha (NUTES/UFRJ), onde desenvolve a pesquisa Storytelling, Yoga e audiovisual: o uso de narrativas na educação em saúde. Tem experiência na área de Educação Física, com ênfase em Educação Física, ensino e storytelling.